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Como um ouvido muda um destino

Como um ouvido muda um destino
jose luis pezzuol
dez. 8 - 5 min de leitura
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São 7 horas da manhã passagem de plantão, como todos os dias de Serviço no Pré-Hospitalar, dia típico. Como a gente fala "sem intercorrências".

Até o momento, sol e nuvens.

Aqui no pré hospitalar  (GRAU- Grupo de Resgate e Atenção as Urgências do Estado de SP e SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência)  passamos o plantão nas viaturas e logo a seguir iniciamos a conferência (check list) dos medicamentos, materiais, equipamentos de salvamento, sirenes, etc.  Com essa conferência diária garantimos a eficiência do serviço e minimizamos possíveis falhas. Sempre de ouvido atento no rádio da viatura para saber se tem ocorrência para a equipe de suporte avançado de vida (Médico , Enfermeiro e um Bombeiro/Condutor socorrista).

Lei de Murphy, escuto no rádio: “ Central , por aqui feminino, 18 anos, membro superior preso em máquina de moer carne”. Entendido, conduza para o PA mais próximo”.

A vítima estava em outro município, outra viatura, distante 30 km da nossa base, com um PA de recursos limitados. Viatura de suporte básico com um Técnico de Enfermagem e um condutor.

Membro superior preso em máquina, 18 anos, início da vida, provável hemorragia intensa, local de recursos limitados, risco de infecção, risco de morte.

Porque não levar para um centro Médico especializado? Com mais recursos?

Pego o caneco (como chamamos o rádio) “negativo, desvie o destino, traga para nossa central, já solicitado apoio aéreo para condução da vítima.”

Na chegada da vítima em nossa base trazida pela viatura básica ao adentrar na ambulância, deparamos com uma moça deitada na maca, 18 anos, consciente e orientada, pálida, descorada, se contorcendo ainda com a máquina presa em seu membro superior direito (ombro, braço, antebraço e mão). Sangramento ativo, a mesma em troca de olhar rápido com a equipe pede, eu diria clama “por favor não me deixem morrer, não aguento mais a dor”.

Na situação de emergência, ou sob curso de intervenção e procedimento invasivo, a dor aguda perde sua função de advertência, sendo angustiante para o paciente.

A dor que se inicia de forma AGUDA, envolve o sistema nervoso central e periférico, além do componente psicológico.

A lesão por trauma, cirurgia, calor, provoca dor decorrente de liberação de mediadores químicos, sistema imunológico e migração antidrômica de terminação nervosa. Ou seja, ruim para o paciente, mais difícil para conduzir a situação, o paciente começa a descompensar.

Vamos lá avaliar. Médico e Enfermeiro para dentro.

Realmente membro superior totalmente preso ainda a máquina com restos de ração e tecido da roupa da vitima presos em um emaranhado de músculos, ossos, e ferragens. Sangramento ativo. Não dava para saber o que era o que.

Instalação de Torniquete: seguro, prático, rápido, salva a vida. Sangramento interrompido.

Acesso Venoso, instalação de Ringer com lactato, Ácido Tranexâmico. E lógico ANALGESIA, máscara de oxigênio, monitorização, sinais vitais.

Vitima estabilizada, melhora da dor, tá na mão.

Equipe Médica começa a desmontar a máquina.

Chave de boca 13, chave de fenda, alicate universal, chave Philips (não ensinam isso na faculdade)

Conversamos com vítima, explicado situação, acalmamos a mesma, fica mais fácil o procedimento, familiares a par do caso colaboram com a equipe.

Chegada do apoio aéreo, mais Médico, mais Enfermeiro para apoio. Universo conspira ao nosso favor e também da vítima. Um dos médicos é Vascular.

40 minutos para desmontar a máquina.

Lâmina de bisturi, compressa cirúrgica, gaze estéril, pinça, fio de sutura, caixa de pequena cirurgia. (agora falando nosso idioma)

Amputação traumática de Braço, estava preso somente pela roupa.

Membro amputado, vai para dentro do saco branco que vai para dentro de outro saco com gelo. Não colocar as partes em contato direto com gelo.

Coto imobilizado, sangramento interrompido, ferida protegida. Paciente estabilizado. É hora de remover a vítima.

Contato com hospital de destino, equipe cirúrgica avisada, centro cirúrgico avisado, banco de sangue ciente.

Transferência aérea com sucesso. Sensação de dever cumprido.

Deu trabalho, valeu os cursos de atualização, valeu as horas de leitura.

E aí quando a gente pensa que está tudo bem, realmente pode ficar melhor. Hospital de destino da paciente comunica que após mais de 5 horas de cirurgia, sucesso reimplante ok. Aguardar pós operatório e novas intervenções para correções e novas abordagens.

Passados 5 meses a paciente faz uma visita na base. Braço reimplantado, Cirurgias Plásticas de correção, Fisioterapia e apoio Psicológico. E lógico, outras cirurgias corretivas estão a caminho.

Não conseguiria em uma só frase resumir o fato. Acredito que houve sim dedicação de todos os profissionais envolvidos, conhecimento técnico científico, coragem para acreditar e decidir, fazer o certo na hora certa, sem boa intenção, sem achismo, sem heroísmo. ‘Exclusivamente Profissionais”.

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