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Coronavírus e o Círculo Dourado

Coronavírus e o Círculo Dourado
Renata Campos Cadidé
abr. 15 - 12 min de leitura
020

A COVID-19 expôs de forma fulminante o impacto de doenças infecciosas emergentes no mundo globalizado e na sociedade moderna.

Desde o primeiro caso documentado em 31 de dezembro em Wuran-China, sabemos o que esse vírus causa, e até como ele causa, mas será que sabemos o porquê do novo Coronavírus causar toda essa mudança mundial?

Coronavírus e o Círculo Dourado, por mais que possa parecer o título de uma próxima aventura de Indiana Jones ou James Bond, vem da ideia de intercambiar conceitos de áreas diferentes e propor novas maneiras de pensar e abordar assuntos, gerando maior adesão na transmissão de ideias.

O modelo do Círculo dourado - Golden Circle, foi proposto por Simon Sinek, tendo como objetivo explorar novas maneira de pensar, agir e comunicar com o intuito de criar impacto no mundo. A ideia inicial de Sinek era ajudar as empresas a se tornarem mais inspiradoras, porém costuma dizer que o Círculo Dourado não é uma ideia mas um conceito, que pode ser aplicado nas mais diversas áreas.

 


Se começarmos com as perguntas erradas, se não compreendermos a causa, então até as respostas certas acabarão nos levando para direção errada.
                                                                                 Simon Sinek


 

O Círulo Dourado aborda um conjunto de 3 esferas sobrepostas, cada uma preenchida com uma pergunta norteadora: Por quê? Como? e O quê? 


Em sua metodologia, Simon Sinek, discorre sobre o quanto começar a entender as coisas de dentro para fora, ou seja, começando com o "Porquê?" e seguindo progressivamente com o "Como?" e o "O quê?" amplia possibilidades de tomada de decisões e gera melhores resultados futuros.

Considere agora como as organizações à frente dessa pandemia estão tomando suas decisões e implementando medidas. Realmente sabemos o "porquê" disso tudo? Alguns improvisam, outros inventam, mas a maioria tenta pelo menos reunir dados para poder tomar decisões fundamentadas na ciência. No entanto sabemos que nem todas as decisões se mostram acertadas.

"Por que" o novo Coronavírus causa tanto impacto?

A Taxonomia é ciência que lida com a descrição, identificação e classificação dos organismos, começando do grupo até chegar ao indivíduo. O SARS-CoV-2 faz parte de um GRUPO conhecido como Coronavírus, os "CoVs", assim chamados devido a proteína que expressam parecer uma coroa na superfície viral.

O Coronaviridae Study Group (ICTV) é composto por um grupo de especialistas em coronavírus, que estudou a classificação taxonômica do novo vírus, como também dos que vieram antes dele. Esse tipo de classificação auxilia tanto na identificação dos padrões do novo Coronavírus, como também para identificar seu possível reservatório natural.

 Até o momento, existem seis espécies conhecidas de coronavírus que causam doenças em seres humanos, mas apenas duas espécies, síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV) e síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV), causam síndrome respiratória aguda grave com taxas de mortalidade alta, assim como as da COVID-19.

A classificação proposta para SARS-CoV-2, através da genômica comparativa, foi:

Os betacoronavírus são vírus que infectam primariamente mamíferos. A análise filogenética do SARS-CoV-2 apontou 96% de compatibilidade gênica com BatCov RaTG13 , sugerindo uma origem viral em morcegos. Porém, os vírus oriundos dos morcegos não são capazes de infectar diretamente os seres humanos, é necessário um reservatório natural que o abrigue e proporcione modificações em seu aparato para então contaminar o homem.  

Os surtos da SARS em 2003 e da MERS em 2012 demonstraram a possibilidade de civeta e de camelo, transmitirem CoVs para humanos.  Já para o novo Coronavírus, especula-se que o reservatório natural seja o pangolim, vendido para consumo humano nos mercados de Wuhan-China.

Cientistas descobriram que SARS-CoV-2  possui duas apresentações: o L e S. O tipo S, seria o tipo ancestral, e o tipo L um CoV com algumas mutações pontuais que ocorreram durante sua estadia no reservatório natural. Nas amostras analisadas o tipo L mostrou-se mais prevalentemais agressivo devido a sua  habilidade de disseminação e replicação mais aprimorada. Desse modo, grandes mercados provaram ser excelentes locais para amplificação da transmissão do vírus aos seres humanos, e o crescimento das viagens internacionais potencializou a transmissão para localidades mais distantes.

Quanto a similaridade filogenética desses CoVs emergentes anteriores com SARS-CoV-2 , estudos apontam semelhança de 79,5% com SARS-CoV e 50% com MERS-CoV. Um estudo identificou que houve a substituição de 380 aminoácidos em SARS-CoV-2, atribuindo a isso à discrepância da patogenia da COVID-19 com essas outras doenças.

Especialistas acreditam que essa substituição seja nas proteínas do quadro de leitura aberta (ORF) tipo 1a e 1b do genoma do coronavírus. Essas são classificadas como proteínas não estruturais (nsps) e possuem papel primordial na replicação do RNA viral.

Elas formam o complexo de replicação-transcrição (RTC) através da produção da poliproteína 1a (pp1a) e poliproteína 1ab (pp1ab) associado a fatores celulares e estruturas de membrana derivadas do retículo endoplasmático da célula do hospedeiro. É ele quem dirige e coordena os processos para replicar e transcrever o genoma do coronavírus. Essa substituição parece justificar, em partes, a replicação aguda na COVID-19.

O genoma de SARS-CoV-2 também codifica quatro proteínas estruturais: a proteína spike (S), a proteína do envelope viral (E), a proteína da membrana (M) e a proteína do nucleocapsídeo (N). Entre elas, a proteína S é uma glicoproteína trimérica da superfície celular com conformação de pré-fusão que apresenta duas subunidades (S1 e S2) e também contém um domínio de ligação ao receptor variável (RBD).

O RBD é responsável pela ligação primordial ao receptor da enzima conversora de angiotensina-2 (ACE2|ECA2). Durante esse processo, ocorre ativação da proteína S por proteases celulares, o que implica na modificação do trímero de pré-fusão, resultando no desprendimento da subunidade S1 e na transição da subunidade S2 em S2 ', uma conformação que confere maior estabilidade durante a invasão celular. Há evidências que SARS-CoV-2 se liga à ECA2 com uma afinidade 10 a 20 vezes maior que a de outros CoV´s. 

As variações na proteína S são responsáveis ​​pelo diferente tropismo tecidual do vírus.  A ECA2 é uma proteína de membrana expressa na mucosa nasal, pulmão, coração, esôfago, estômago, bexiga, rins, intestino e sistema nervoso, esses sítios são todos vulneráveis ​​à SARS-CoV-2, o que explica os diferentes pródomos da doença.  Devido a isso, uma nova forma de transmissão vem sendo questionada, a fecal-oral, já que vírus vem sendo detectado na urina e nas fezes de pacientes infectados.

Quando comparado à gripe, é previsto que vírus de RNA tenham altas taxas de mutação durante os processos de replicação, por apresentarem genomas muito menores que vírus de DNA. No entanto, o genoma da COVID-19, possuí cerca de 30 kb de comprimento, considerado grande para essa categoria viral. Em contrapartida, os vírus da gripe, que também são vírus de RNA, apresentam genoma segmentado, isso facilita um o intercâmbio de segmentos intervirais e maior taxa de variação esperada de tempos em tempos, o que torna a vacina um recurso muito promissor.

Em se tratando de rapidez de disseminação a gripe é transmitida de 1 pessoa para 1,4 pessoa, o que significa que, após 10 transmissões, aproximadamente 29 pessoas são infectadas, enquanto a COVID-19 é transmitida de 1 para 3 pessoas, até 5 em perspectivas mais severas. Na mesma proporção de transmissões SARS-CoV-2 pode acometer até 59.050 pessoas, fazendo com que o descontrole populacional seja muito mais proeminente.

Levando em conta discrepância climática entre o Brasil e os países que se tornaram epicentros epidêmicos da doença, muitos acreditam que a COVID-19 não irá seguir a curva apresentada pelos cientistas em território nacional. Porém, as temperaturas do Brasil já apresentam queda desde a chegada do outono, e em climas frios as partículas virais ficam suspensas  no ar e podem sobreviver por um longo período. Além disso, a baixa umidade do ar pode prejudicar a imunidade inata, pelo ressecamento do muco e aumento da fragilidade da mucosa nasal facilitando a entrada do vírus no trato respiratório.

Em resumo, temos como resposta que o impacto do coronavírus em escala mundial acontece porque lidamos com um vírus zoonótico, diferente dos Cov´s anteriores, por apresentar maior taxa de replicação intracelular, disseminação paciente-paciente e sobrevivência em meio ambiente. 

Ao responder essas poucas perguntas conseguimos pensar no caminho a seguir e também em como fazer questionamentos de maneira mais plausível.

"Como" proceder diante desses fatos?

Após esse explanação devemos concordar que as medidas de controle para a epidemia atual devem se concentrar na transmissão da doença e na redução da exposição ao vírus.

As medidas adotadas pelo governo federal e suas demais instâncias fazem jus a essa necessidade. A quarentena de pacientes confirmados e suspeitos, distanciamento social e proteção de profissionais expostos, deve ser o caminho, mas deve ser continuado.

Além disso o aparato necessário para lidar com casos graves que necessitem de intervenção ventilatória vem sendo alvo de campanhas e investimentos.

Ao mesmo tempo que, em uma iminência global, far-se-á a necessidade de projetos que enunciam políticas para reforçar a proteção da vida selvagem e proibir o consumo de carnes exóticas, seja na China, ou em outras localidades.

Os cuidados relacionados a higiene pessoal e de ambiente também são uma forma de prevenção que vem sendo exauridamente reabordada nos mais diversos meios de cultura.

"O que" temos constatado?

Após algumas semanas em distanciamento social, percebemos paulatinamente o retorno de hábitos do cotidiano pela população em geral. 

Alguns políticos, em uma tentativa de tranquilizar o público e preservar a economia, encorajaram as pessoas a não mudarem suas rotinas e tentaram tranquilizar a todos que algumas formas de comportamento social ainda eram seguras, que o governo estava trabalhando em busca de uma solução. E acredite, o mundo todo está!

Nota-se o crescimento de uma ideia de "problema mínimo" ou pior, "o problema não é meu, não sou grupo de risco".

Pegando como exemplo os outros países percebemos que muitas pessoas minimizavam o problema e acreditavam que estavam lidando com uma "nova gripe". E depois que o sistema público tomou-se pelo caos perceberam o quanto foram imprudentes subjulgando as complicações da COVID-19. 

De acordo com Ministério da Saúde, o primeiro caso nacional de COVID-19 parece ter ocorrido em Janeiro desse ano, e não no dia 25 de fevereiro, como apontado no início, o que, junto com resultados de exames divulgados com atraso, propicia uma exposição maior do que a até então prevista. 

ENFIM...

Com esse texto venho propor uma NOVA MANEIRA DE LIDAR COM A PANDEMIA, uma maneira que traz a sensibilização através do embasamento científico. Propor novas formas de lidar com as políticas impostas durante a epidemia entendendo o POR QUÊ de cada decisão. Espero que cada profissional, aluno, ou leitor que passe por aqui, possa transmitir essa missão de que para vencer essa doença DEVEMOS ESTAR UNIDOS E NÃO BAIXAR A GUARDA TÃO CEDO.

 

Referências

  1. Sun, Z. et al. (2020). Potential Factors Influencing Repeated SARS Outbreaks in China. International journal of environmental research and public health, 17(5), 1633.
  2. RABI, F. A. et al. (2020). SARS-CoV-2 and Coronavirus Disease 2019: What We Know So Far. Pathogens 9(3), 231.
  3. Hoffmann, M. et al. (2020). SARS-CoV-2 Cell Entry Depends on ACE2 and TMPRSS2 and Is Blocked by a Clinically Proven Protease Inhibitor. Cell, S0092-8674(20)30229-4. 
  4. Sun, Z., et al. (2020). Potential Factors Influencing Repeated SARS Outbreaks in China. International journal of environmental research and public health, 17(5), 1633. 
  5. Tilocca, B. et al. (2020). Molecular basis of COVID-19 relationships in different species: a one health perspective. Microbes and infection, S1286-4579(20)30048-4. Advance online publication. 
  6. Lupia, T. et al. (2020). 2019 novel coronavirus (2019-nCoV) outbreak: A new challenge. Journal of global antimicrobial resistance, 21, 22–27. Advance online publication. 

 


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