Wuhan, CHINA: Uma doença misteriosa atinge sete pacientes em um hospital e um médico tenta alertar seus colegas de faculdade. "O SARS está voltando?", escreve, em um grupo de bate-papo online.
A doença não era o SARS, mas algo muito semelhante: um coronavírus que está agora em uma marcha global implacável.
Omissão, demora para agir e censura: os catalisadores que corroboraram a negligência chinesa sob a pandemia de COVID-19.
A seguir, vinte pontuações acerca das evidências que atestam a afirmativa, com todas as referências e fontes listadas ao final do texto, com as respectivas informações.
De acordo com oficiais chineses, o primeiro caso de COVID-19 aconteceu no dia 19/11/2019 e o primeiro indivíduo a testar positivo para a doença apresentava sintomas em 08/12/2019. Segundo o The Lancet, o paciente zero foi exposto ao vírus no dia 01/12/2019 [1].
O presidente da China, Xi Jinping, sabia que a cidade de Wuhan sofria uma grave crise de coronavírus, duas semanas antes de as autoridades chinesas reconhecerem publicamente o surto [2].
A falta de condições sanitárias de um mercado de animais silvestres em Wuhan, prática comum em um país que não oferece segurança alimentar, foi fundamental para o surto [3].
Um artigo publicado em 2007 por médicos de Hong Kong já alertava que havia reservatório de coronavírus em morcegos e que o hábito de “comer mamíferos exóticos” era uma “bomba relógio”, que não se resumia à vigilância sanitária [4].
A China é uma ditadura com limitada liberdade de expressão, de imprensa, política e religiosa, com opositores e ativistas de direitos humanos reiteradamente presos, torturados e condenados a campos de reeducação [5].
Em 2002, as informações sobre o outro coronavírus, o SARS-CoV, foram reprimidas pela ditadura chinesa, condenando centenas de pessoas à morte. Tardiamente, o Partido Comunista admitiu os erros e demitiu o ministro da saúde e o prefeito de Pequim [6].
Como a maior preocupação de ditaduras é com a estabilidade do regime, sem enfrentar grandes resistências, o governo chinês teve como o SARS-CoV-2 os mesmos incentivos para, novamente, negligenciar uma pandemia de coronavírus [7].
No dia 30/12/2019, quando a COVID-19 adoeceu sete pacientes em um hospital de Wuhan e um médico, Li Wenliang tentou avisar outros médicos. Porém, a polícia chinesa o obrigou a assinar uma declaração de que seu aviso constituía um “comportamento ilegal” [8].
Li Wenliang e outros sete médicos foram obrigados a assinar um documento admitindo “espalhar mentiras”. Isolado no trato de seus pacientes e sem amparo oficial, Li acabou contraindo a doença e falecendo, aos trinta e quatro anos [9].
Entre o início de dezembro de 2019 e 19/01/2020, o Partido Comunista Chinês minimizou o surto a um problema local, limitado a um pequeno número de clientes de mercado de Wuhan [10].
Ainda em 26/12/2019, um técnico de um laboratório contratado por hospitais disse que sua empresa recebeu amostras de Wuhan e chegou a uma conclusão: as amostras continham um novo coronavírus com uma similaridade de 87% com a SARS [11].
No dia 24/12/2019, uma amostra do SARS-CoV-2, retirada de um paciente, foi enviada a um laboratório para o sequenciamento de genoma. Os resultados estavam prontos três dias depois, mas as autoridades de Hubei ordenaram que as amostras fossem destruídas. Em janeiro de 2020, a polícia ainda controlava as informações como um boato. Em Wuhan, essa era a alegação: “A polícia apela a todos os internautas para não fabricarem e espalharem rumores, e não acreditarem em boatos.” [12].
Cabe lembrar que o Partido Comunista Chinês um grande ato de restrição à liberdade de expressão: 50.000 censuradores participam do processo de controle da internet do país, conhecido como “O Grande Firewall da China”. O Partido também controla todas as redações de jornal do país. Segundo a Reporters Without Borderds, em 180 países listados, a China ocupa a posição 177 em liberdade de imprensa. Não há acesso no país à BBC, New York Times, The Guardian, NBC etc. [13].
Controlando a internet e os veículos de imprensa, o Partido Comunista Chinês não teve qualquer dificuldade em atrapalhar o fluxo de informações da população sobre o coronavírus, colaborando ativamente para que o surto se transformasse em uma pandemia [14].
Outro médico, Wang Guangbao, admitiu mais tarde que a especulação sobre um vírus semelhante à SARS era forte nos círculos médicos no início de janeiro, mas que as detenções dissuadiram muitos, inclusive ele próprio, de falar abertamente a respeito [15].
Em fevereiro, dois jornalistas, Fang Bin e Chen Qiushi, desapareceram depois de trabalharem na cobertura do coronavírus em Wuhan e denunciarem as supressões de informações do governo. Qiushi entrou no topo da lista da One Free Press Coalition [16].
A China só declarou emergência em 20/01/2020. Quando Wuhan foi isolada três dias depois já era tarde: o vírus estava sendo espalhado por todo o pais, levado pelos 400 milhões de chineses que se preparavam para viajar em comemoração ao Ano Novo Lunar. Durante quase dois meses, enquanto o vírus se alastrava, o Partido Comunista Chines aprisionou e intimidou médicos e jornalistas, controlou o fluxo de informações, minimizou os riscos do surto, não ampliou leitos de UTI nem combateu mercados silvestres [17].
Xi Jinping, presidente da China, comentou publicamente pela primeira vez sobre o SARS-CoV-2 apenas no dia 20/01/2020, mas já no dia 07/01/2020, treze dias antes, durante uma reunião do partido, ele admitiu, num discurso interno, conhecimento do “novo coronavirus”. Nesses treze dias, enquanto negava o surto, o Partido Comunista Chinês organizou duas grandes reuniões em Hubei e reuniu mais de 40.000 famílias em um banquete em massa em Wuhan, na tentativa de bater um recorde mundial [18].
Apenas no dia 04/02/2020, assim como a SARS em 2020, o Partido Comunista Chinês admitiu as “deficiências e dificuldades na resposta à epidemia”, e prometeu “melhorar nossas habilidades em lidar com tarefas urgentes e perigosas” [19].
Mesmo dois meses depois de o surto começar, depois da Organização Mundial da Saúde (OMS) pedir repetidamente às autoridades chinesas dados sobre a saúde dos profissionais médicos de Wuhan, o governo chinês ainda tinha dificuldade em ser transparente com a comunidade internacional [20].
Portanto, isso posto, é notório que houve negligência da China em relação à atual pandemia. Porém, concepções xenófobas e teorias conspiratórias não devem entrar no debate, bem como responsabilizar exclusivamente o país pela proliferação mundial do vírus é um pensamento leviano.
Referências
[1] https://www.businessinsider.com/coronavirus-patients-zero-contracted-case-november-2020-3
[4] https://cmr.asm.org/content/20/4/660
[8] https://www.nytimes.com/2020/02/01/world/asia/china-coronavirus.html
[14] https://www.nytimes.com/2020/02/05/world/asia/china-coronavirus-censorship.html
[16] https://www.bbc.com/news/amp/world-asia-china-51486106?__twitter_impression=true
[19] https://www.bbc.com/news/amp/world-asia-china-51362336?__twitter_impression=true
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