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Da submissão moral à autoridade- O Estudo Milgram

Da submissão moral à autoridade- O Estudo Milgram
Hélio Angotti Neto
out. 26 - 6 min de leitura
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01 Jan 1946, Nuremberg, Germany --- The defendants at the Nuremberg Nazi trials. Pictured in the front row are: Hermann Goering, Rudolf Hess, Joachim Von Ribbentrop, Wilhelm Keitel and Ernst Kaltenbrunner. In the back row are: Karl Doenitz, Erich Raeder, Baldur von Schirach, and Fritz Sauckel. --- Image by © Bettmann/CORBIS 01 Jan 1946, Nuremberg, Germany --- The defendants at the Nuremberg Nazi trials. Pictured in the front row are: Hermann Goering, Rudolf Hess, Joachim Von Ribbentrop, Wilhelm Keitel and Ernst Kaltenbrunner. In the back row are: Karl Doenitz, Erich Raeder, Baldur von Schirach, and Fritz Sauckel. --- Image by © Bettmann/CORBIS

Já tratei do comunismo e do nazismo na medicina, e de como tais ideologias sangrentas levaram à completa destruição do legado hipocrático e cristão. Já falei dos perigos do transumanismo e de como tal utopia poderá nos levar a um despotismo “esclarecido”. Já falei da necessidade de compreender a Medicina enquanto comunidade moral, detentora de valores próprios dignos de serem defendidos em prol da sociedade.

Em todos os casos de abuso, pensadores de grande capacidade estiveram à frente das mutações sociais tantas vezes desastrosas. Todavia, resta uma pergunta extremamente importante.

Por que muitas pessoas inteligentes e capazes, devotadas profissionalmente ao bem do próximo, pelo menos em tese, fizeram tanto mal após terem deixado se levar pelas mais loucas e estapafúrdias idéias?

Já sabemos que as mutações sociais genocidas e criminosas começaram na cabeça de pequenas elites intelectuais. Resta saber como é que tantos foram capazes de cair no canto da sereia totalitarista.

Tal pergunta não é novidade, e suscita uma resposta inquietante.

***

Stanley Milgram, um pesquisador da área das Ciências Sociais, também se perguntou como era possível que tantas pessoas teoricamente esclarecidas pudessem apoiar coisas tão monstruosas como o nazismo. Para responder, criou um experimento assustador, no qual suas cobaias participavam inadvertidamente de uma hipotética pesquisa imoral.

No vídeo abaixo você assiste um documentário legendado para portugues que o fará entender um pouco mais do Experimento de Stanley Milgram. O conteúdo pode pertubar um pouco, mas os conhecimentos são muito válidos.

The Milgram Study - Legendado

Na pesquisa, as cobaias dariam choques em indivíduos destacados para responder a um teste de memória. Ao lado da cobaia ficava o ator que fazia o papel de pesquisador, sempre reafirmando que estava tudo sob controle e que tudo fazia parte de um protocolo científico. Os choques eram dados após respostas inadequadas até cargas altíssimas. A cobaia que consentisse com o experimento, mesmo que protestando durante o mesmo, seguia aumentando a voltagem dos choques até níveis letais, apesar dos gritos de quem teoricamente estava levando uma descarga elétrica na outra sala, sempre sob o olhar do “pesquisador” que encarnava a autoridade científica.

Qual foi o resultado do experimento? A grande maioria das pessoas, professores universitários altamente instruídos entre elas, disparou cargas elétricas na “falsa cobaia” do outro lado, ultrapassando até mesmo o limite de risco mortal. [1]

A conclusão é inquietante. Quando estamos diante de uma autoridade que nos manda prosseguir, mesmo sabendo que há algo de profundamente errado, nossa tendência é seguir adiante, suprimindo nossa intuição moral e praticando atos cruéis.

Além dessa pesquisa, que mostra como somos obedientes ao ponto de tomar parte em genocídios e pesquisas antiéticas, outra pesquisa na mesma linha verificou como preferimos nos acomodar ao grupo ao invés de agir de forma independente. O experimento de Solomon Asch incluiu vários autores que participavam do experimento ao lado de uma única cobaia desavisada. Uma imagem era projetada e cada um emitia sua opinião. Tudo começava bem, mas em determinado ponto, os atores propositalmente respondiam de forma errada, porém coerentes entre si. A maior parte das cobaias negou o que estava diante de seus olhos e respondeu em conformidade com o grupo.[2]

Os mecanismos de conformismo grupal e de submissão à autoridade podem ser utilizados para bons fins, obviamente, mas abrem espaço para perigosas manipulações. Nesse sentido, uma das principais características propaladas pela Bioética vem bem a calhar.

Desde o seu surgimento, a Bioética se propôs a questionar, inclusive a si mesma. Nascida nos agitados e rebeldes anos das décadas de 60 e 70 do século XX, a Bioética se colocou a examinar o que estava estabelecido.

Quem acompanha meus textos sabe muito bem que considero deletério muito do questionamento feito contra a tradição hipocrática, que muitas vezes é infundado e irresponsável. Porém, não há como discordar de que o estímulo ao questionamento – do ponto de vista socrático, digamos assim - pode ser extremamente benéfico.

A Bioética, em termos técnicos e acadêmicos, está em franca expansão, cada vez mais recheada de estudiosos e trabalhos de qualidade diversificada. Dialeticamente falando, tornou-se ela mesma uma disciplina que servirá de autoridade e estimulará o conformismo grupal em seus membros.

Porém, tenho a esperança de que a Bioética jamais abandonará sua disposição inicial de estimular sempre a inteligência individual a olhar novamente a realidade, com olhos ávidos pelo conhecimento responsável, buscando novas perspectivas em antigas situações e em desafios inéditos.

A obediência em si à autoridade é neutra e pode ser muito bem direcionada e aproveitada, mas a obediência cega à autoridade científica ou política é pura irresponsabilidade. Que a Bioética seja um auxílio à remoção das escamas que cobrem nossos olhos.

Prof. Dr. Hélio Angotti Neto é Colunista do Academia Médica, Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas), Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Visiting Scholar da Global Bioethics Education Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity em 2016, Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC, Presidente da Comissão de Bioética do Hospital Maternidade São José/UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM).

 

[1] Milgram, Stanley (1963). "Behavioral Study of Obedience". Journal of Abnormal and Social Psychology. 67 (4): 371–8. doi:10.1037/h0040525

[2] Asch, S.E. (1951). Effects of group pressure on the modification and distortion of judgments. In H. Guetzkow (Ed.), Groups, leadership and men (p. 177–190). Pittsburgh, PA: Carnegie Press


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