Um estudo de coorte publicado em 02 de junho de 2025, em JAMA Neurology mostrou a relação entre epilepsia e a demência frontotemporal, uma das principais causas de demência precoce. Conduzida por pesquisadores finlandeses, a pesquisa representa a maior e mais abrangente análise já realizada sobre a presença de epilepsia como comorbidade em pacientes com demência frontotemporal. Os achados sugerem que a epilepsia não apenas é mais comum entre esses pacientes, como pode anteceder os sintomas clássicos da doença neurodegenerativa em vários anos.
A demência frontotemporal é conhecida por seu amplo espectro clínico, com manifestações que vão desde alterações comportamentais e distúrbios da linguagem até sintomas motores. É a forma mais comum de demência entre pessoas com menos de 65 anos e a terceira mais prevalente considerando todas as faixas etárias. Uma mutação genética comum associada, é a expansão do hexanucleotídeo no gene C9orf72, presente em aproximadamente 25% dos casos familiares.
Apesar da epilepsia ser uma comorbidade bem estabelecida em outras doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, a prevalência da condição entre pacientes com demência frontotemporal era até então pouco estudada.
A análise utilizou registros de saúde de duas regiões da Finlândia, abrangendo um período de 12 anos e mais de 6,4 milhões de pessoas-ano. Todos os diagnósticos de demência frontotemporal e Alzheimer foram confirmados manualmente, com base em critérios atuais e exames de imagem cerebral, neuropsicológicos e biomarcadores.
Além disso, os dados sobre epilepsia foram extraídos a partir de códigos de diagnóstico CID-10, altamente confiáveis no sistema de saúde finlandês, e complementados por dados de aquisição de medicamentos anti-epilépticos.
Principais descobertas
1. A prevalência de epilepsia entre pacientes com demência frontotemporal foi significativamente maior do que entre pacientes com Alzheimer ou indivíduos cognitivamente saudáveis, mesmo até 10 anos antes do diagnóstico da demência.
2. Aproximadamente 11% dos pacientes com demência frontotemporal desenvolveram epilepsia até cinco anos após o diagnóstico - número consideravelmente superior às estimativas anteriores (2,6% a 7,1%).
3. A compra de medicamentos anticonvulsivantes aumentou significativamente cerca de dois anos antes do diagnóstico de demência frontotemporal, sugerindo que convulsões ou sintomas relacionados podem ser uma das primeiras manifestações da doença neurodegenerativa.
4. A presença de epilepsia como comorbidade não aumentou a mortalidade dos pacientes com a demência, o que pode tranquilizar médicos e familiares quanto à sobrevida.
5. Foi observada uma discrepância entre o número de diagnósticos de epilepsia e a compra de medicamentos anticonvulsivantes, indicando que esses medicamentos também são utilizados para tratar sintomas comportamentais ou dor neuropática em pacientes com a demência frontotemporal.
A pesquisa sugere que há mecanismos fisiopatológicos compartilhados entre a epilepsia e a demência frontotemporal. Ambos podem envolver alterações nos sistemas neurotransmissores, como glutamato, GABA e acetilcolina, além de desequilíbrio entre excitação e inibição neuronal. Alterações na conectividade funcional cerebral e atrofia em regiões como lobo frontal, temporal e hipocampo também podem contribuir para essa sobreposição.
Em adultos com epilepsia de início tardio, estima-se que até 10% dos casos possam ter uma causa neurodegenerativa oculta, o que reforça a importância de considerar diagnósticos diferenciais precoces em pacientes com crises focais sutis.
Relevância clínica
Os achados deste estudo têm implicações clínicas importantes:
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Epilepsia deve ser considerada em pacientes com alterações cognitivas e comportamentais, mesmo antes do diagnóstico formal de demência frontotemporal.
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O uso de anticonvulsivantes pode ser um marcador indireto de sintomas neurológicos precoces, ainda não claramente atribuídos à epilepsia.
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Diagnósticos precoces e intervenções direcionadas podem melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
A detecção precoce de crises e o monitoramento cuidadoso de sintomas atípicos devem fazer parte da prática clínica para neurologistas, psiquiatras e geriatras. Compreender os vínculos entre essas duas condições pode abrir caminhos para diagnósticos mais precoces e tratamentos mais eficazes.
Referência:
Kilpeläinen A, Aaltonen M, Aho K, et al. Prevalence of Epilepsy in Frontotemporal Dementia and Timing of Dementia Diagnosis. JAMA Neurol. Published online June 02, 2025. doi:10.1001/jamaneurol.2025.1358