Palco das grandes intervenções médicas e lar dos ilustres cirurgiões, o famoso 'bloco cirúrgico' sempre despertou atenção e curiosidade em todos nós. Quando passamos em frente àquelas grandes portas, imaginamos que lá dentro vários procedimentos complexos estão sendo realizados e a curiosidade é o sentimento que impera. Pelo menos era o que acontecia comigo - sim, eu sou #teamsurgery.
Somado a isso é bastante comum, quando deslizamos o feed das redes sociais, encontrarmos memes que abordam a capacidade surpreendente que o estudante ou interno de medicina têm em contaminar o campo cirúrgico.
De fato, a manutenção da esterilização e assepsia do campo e instrumental é de fundamental importância no controle das infecções pós-operatórias e hospitalares em geral. Ninguém quer entrar na sala de cirurgia para fazer uma abordagem minimamente invasiva e ser transferido para a UTI em choque séptico.
Agora, deixando de lado as hipérboles, vou introduzir um pouco do meu conhecimento acerca desse ambiente e falar como você deve se comportar quando estiver por lá a primeira vez.
Sou interno de Medicina do 9º período e, em 2018 tive a oportunidade de conhecer o centro cirúrgico do hospital universitário em que estudo (HUAC-UFCG), a convite de uma colega de turma. Entrei lá para assistir uma histerectomia transvaginal e confesso que não me animei muito com a cirurgia.
O fato é que eu acabei saindo com o bônus de, despretensiosamente, ter participado de uma toracocentese com alto risco de infecção e ainda uma traqueostomia. Ok, podem não ser os maiores procedimentos da medicina, mas foram essenciais para que eu decidisse por fazer especialização na área de cirurgia torácica – mas isso já é assunto para outro post.
O que eu gostaria de enfatizar nesse sentido é o impacto que essas experiências vão ter na nossa formação como médicos e como elas podem nos mudar de maneira profunda, sendo por isso indiscutivelmente fundamentais. Se você tem curiosidade e quer conhecer o centro cirúrgico de algum hospital, vou te dar algumas dicas que podem te ajudar.
1 – Tenha uma intenção
Em primeiro lugar, convém saber que o bloco ou centro cirúrgico é um ambiente restrito do hospital. Também é bem dinâmico, havendo um fluxo constante de pacientes entrando e saindo de cirurgias, médicos chegando para operar, enfermeiros, circulantes, internos e no nosso caso, você.
É importante saber que nesse ambiente meio conturbado você deve ter um objetivo específico para estar ali, ou vai terminar atrapalhando a rotina do local. Então este será o nosso primeiro objetivo: se você quer entrar no centro cirúrgico tenha um motivo para isso. Nada de entrar aleatoriamente só para “ver como é”. Vá acompanhando um médico, um colega mais experiente, interno ou um familiar seu que trabalhe lá.
De qualquer forma, esteja preparado para responder caso seja perguntado. As equipes geralmente se conhecem muito bem, e podem questionar a presença de um estranho naquele local. Identifique-se como estudante de medicina, diga que está acompanhando 'tal médico', e fique tranquilo. É tudo pela segurança do setor.
2 – Comunique-se
Educação é fundamental. Não preciso nem dizer que você deve saudar a todos que ver pela frente – equipe de enfermagem, equipe de limpeza, maqueiros, internos e outros médicos -, mas além de dar bom dia como um “Oi, sou novo por aqui”, essencialmente você deve se esforçar para se situar naquele habitat.
Observe o movimento, analise as sutilezas e se alguma dúvida surgir, pergunte. Eu tinha várias: Por que os cantos das paredes são arredondados? Para onde vai o instrumental depois das cirurgias? O que são todos aqueles traçados no monitor? E uma dica: puxe assunto com o anestesista. Ele pode te ensinar muita coisa entre uma cirurgia e outra.
3 – Comporte-se
Ninguém aqui está dizendo para você virar uma estátua e não abrir a boca nem se mexer. Tudo depende do clima do local, isto é, algumas cirurgias são mais ‘tensas’ que outras. Mas se você está indo ao bloco pela primeira vez, vale ressaltar uma coisa: comportamento é essencial. Cada local que nós frequentamos pede uma conduta específica. Ou você age da mesma forma quando vai para a igreja e para a balada?
Lembre-se que a equipe daquele setor não está habituada com você então, se alguém mandar você ficar parado, fique; se pedirem por silêncio, cale-se; se alguém mandar você sair, não hesite, saia imediatamente.
Por ser um ambiente muito sério, onde pessoas reais estão sendo operadas e têm suas vidas em risco, não convém em nada a ameaça de interferir nesse processo. A priori, nas suas experiências iniciais, o ideal deve ser arranjar um cantinho confortável e apreciar a cirurgia sem atrapalhar.
4 – Seja proativo
Tudo bem, você se dispôs ou foi convidado a ‘assistir uma cirurgia’, mas quem disse que tem que ficar só nisso? Se alguém pedir a você para abrir uma porta, dar um recado, segurar um soro ou empurrar uma maca, você não deve se negar. E essa é a nossa quarta lição: seja proativo.
Tenha certeza de uma coisa: toda experiência que você tiver ali vai contribuir positivamente na sua jornada e principalmente, vai te fazer valorizar ainda mais o trabalho daquelas pessoas. O centro cirúrgico é um ambiente cheio de coisas para fazer e quanto mais você se dispor a ajudar na ‘homeostase’ daquele lugar, mais familiarizado e respeitado vai ser pela equipe. Acredite.
5 – Prontifique-se
E já que você pode ser chamado para ajudar, que tal se preparar para algo maior? Vale a pena dormir um pouco mais tarde na véspera e estudar sobre o instrumental cirúrgico básico (tem vídeos no YouTube que são ótimos), como se escovar e se paramentar, os tempos da cirurgia, a organização da sala, como fazer uma sutura...
Quem sabe o cirurgião não te dá a chance de instrumentar, segurar os afastadores ou até suturar? É difícil, mas se a oportunidade chegar é importante estar pronto. Porém, se você não se sentir seguro, não tenha medo de dizer não. Outras oportunidades virão, e tá tudo bem.
6 – Prepare-se
Não tem como fugir, dentro do centro cirúrgico você deve estar preparado para lidar com sangue e secreções. Sentir cheiros não muito agradáveis – alguns insuportáveis. Ver órgãos, tecidos e membros de pessoas 'de verdade' sendo manipulados e suturados.
Uma náusea pode surgir, então recomendo não exagerar nas refeições antes de ir para o bloco. Usar sapatos fechados e confortáveis e se alongar antes de entrar em campo também são dicas valiosas. Como diz o Dr. Juarez Ritter "Toda cirurgia tem hora para começar, mas não para acabar". Então descanse bem as pernas pois há grandes chances de você passar um bom tempo em pé.
7 – Arrisque-se
Procure, se informe e persista. Busque novas oportunidades, escolha uma direção e vá: editais de estágios, ligas acadêmicas, entre outros, podem te ajudar nessa aventura. E essa é a última lição: arrisque-se.
Expanda seu network, interaja com as pessoas, se mostre. Após a minha primeira experiência, passei a acompanhar regularmente todos os cirurgiões torácicos do HU onde estudo e até em outros hospitais – sem dúvidas a prática mais enriquecedora até hoje na faculdade.
O que importa nesse momento é dar o ponta pé inicial. Não tenha medo de levar um não e tentar de novo.
Espero que esse texto te inspire e ajude nas sua vivência inicial no centro cirúrgico. Boa sorte.
Um agradecimento especial a toda equipe do centro cirúrgico do Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade Federal de Campina Grande.
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