Em um feito científico inédito, pesquisadores implantaram células pancreáticas editadas com a tecnologia CRISPR em um paciente com diabetes tipo 1. O resultado: as células produziram insulina de forma contínua por meses, sem a necessidade de medicamentos imunossupressores, uma das maiores barreiras para terapias celulares nessa doença autoimune.
A pesquisa, liderada pela Sana Biotechnology (Seattle, EUA), utilizou células de pâncreas provenientes de um doador falecido. Essas células foram modificadas geneticamente para escapar da vigilância do sistema imunológico. O processo envolveu duas etapas principais:
Edição genética via CRISPR: dois genes responsáveis por sinalizar a presença de células “estranhas” foram desativados.
Inserção do gene para a proteína CD47: usando um vetor viral, os cientistas introduziram a instrução para produzir CD47, uma proteína conhecida como o sinal “não me coma”, que protege as células da ação destrutiva das células NK (natural killer).
O paciente, tratado na Suécia, recebeu uma dose de segurança, cerca de 80 milhões de células editadas, injetadas no braço. Mesmo em quantidade reduzida, algumas células permaneceram viáveis e funcionais, produzindo insulina por pelo menos 12 semanas, e até 6 meses segundo acompanhamento. Mais importante: não houve necessidade de imunossupressão.
Por que isso importa
Atualmente, a única alternativa para restaurar a produção natural de insulina em pacientes com diabetes tipo 1 é o transplante de ilhotas pancreáticas obtidas de doadores. Essa técnica, no entanto, enfrenta dois grandes obstáculos:
Escassez de pâncreas doados
Uso obrigatório de imunossupressores, que aumentam o risco de infecções, câncer e outros efeitos graves.
O avanço da Sana representa um passo decisivo para superar essas limitações, ao criar células que conseguem “se esconder” do sistema imune.
Outras frentes de pesquisa
Empresas como a Vertex Pharmaceuticals já demonstraram resultados expressivos com ilhotas derivadas de células-tronco embrionárias: em um ensaio clínico com 12 pessoas, 10 pacientes não precisaram mais de insulina após um ano. A Reprogenix Bioscience, na China, segue caminho semelhante, usando células-tronco reprogramadas a partir do tecido adiposo dos próprios pacientes. Contudo, essas abordagens ainda dependem de imunossupressão.
O diferencial da estratégia da Sana é justamente dispensar tais medicamentos. Se combinada às células-tronco, essa tecnologia poderia levar a uma fonte ilimitada de células beta produtoras de insulina, protegidas da rejeição imune.
Limitações e próximos passos
Apesar do entusiasmo, o estudo ainda é preliminar. O ensaio clínico incluiu apenas um paciente e usou uma dose baixa de células, insuficiente para garantir independência total da insulina. Além disso, alguns grupos independentes relataram dificuldade em reproduzir a eficácia da proteína CD47 em modelos laboratoriais.
Mesmo assim, especialistas como o endocrinologista Tim Kieffer classificaram a demonstração como “um marco convincente” no caminho para terapias celulares sem imunossupressão. O imunologista Kevan Herold (Yale) ressalta que o futuro pode estar na combinação de estratégias, como unir edição genética de “camuflagem” com isletas derivadas de células-tronco.
Perspectivas
A Sana e outras empresas planejam iniciar novos ensaios clínicos já no próximo ano, ampliando o número de participantes e testando doses maiores. Se comprovada em larga escala, essa tecnologia poderá oferecer uma cura funcional para o diabetes tipo 1: um tratamento único, aplicável a todos os pacientes, sem necessidade de bombas, injeções ou medicamentos crônicos.
Como resume a imunologista Sonja Schrepfer, cofundadora da Sana:
“As células editadas realmente superam a barreira do transplante.”
Se esse futuro se confirmar, milhões de pessoas poderão viver livres das restrições impostas pelo diabetes tipo 1.
Referência:
Dolgin, E. (2025, September 5). Hope for diabetes: CRISPR-edited cells pump out insulin in a person – and evade immune detection. Nature. https://doi.org/10.1038/d41586-025-02802-5
