Por Fernando Carbonieri
Desde o começo da nossa vida acadêmica, somos pressionados a fazer escolhas sobre nosso futuro profissional. Durante nossa vida inteira, aqueles que nos são queridos sempre perguntaram: "O que você quer ser quando crescer?"
Ao término da faculdade de medicina essa pergunta ainda é válida. Hoje, há em nossa frente uma bifurcação, temos que escolher se queremos exercer nossa arte como um médico clínico e/ou cirurgião.
Os estereótipos desses dois personagens são muito distintos e são repetidos constantemente nos corredores dos hospitais mundo afora.
Fala-se do clínico como alguém muito teórico e pouco objetivo. Ele tende a ser mais sensível, próximo e preocupado com o paciente. Tem uma visão mais global, dando atenção a aspectos mais subjetivos. É visto como alguém que trabalha com incertezas, idéias, hipóteses e probabilidades. Uma pessoa detalhista e meticulosa, que acaba sendo visto por alguns colegas cirurgiões como aquele que "tudo sabe, mas, que nada resolve".
Do cirurgião, por outro lado, é falado que ele possui uma visão parcial do paciente, dando atenção apenas aos aspectos orgânicos. Trabalha com o palpável, concreto, material e sensorial. Esse profissional é visto como resolutivo e rápido em suas decisões, sendo isso fruto da praticidade e objetividade relacionada às técnicas cirúrgicas. Frequentemente é visto pelos pacientes como uma pessoa distante, fria, agressiva e invasiva. Tende a ter uma personalidade ansiosa - é o médico que constantemente luta contra o tempo - e, por isso, pode se tornar nervoso e temperamental. Os colegas clínicos o veem como aquele que "nada sabe e tudo resolve".
O livro "O Clínico e o Cirurgião - Estereótipos, Personalidade e Escolha da Especialidade", de Patrícia Lacerda Bellodi*, conclui que:
Os clínicos são mais tranquilos, reflexivos, imaginativos, detalhistas e oposicionistas ao ambiente, sendo mais interessados no contato interpessoal e menos agressivos que os cirurgiões.
Os cirurgiões, por sua vez, são mais rápidos, impulsivos, racionais, interessados no contato interpessoal, porém, em menor grau quando comparados aos clínicos, e mais agressivos.
Ainda sobre esse tema, a Dra. Bellodi cita um relato de uma residente de cirurgia para o nº 22 da revista "Em Foco" do CREMESP, em 2003, que disse:
“O clínico e o cirurgião, os dois polos... O trabalho deles é mental e o nosso, manual. Como Leonardo da Vinci, conhecido pelas pinturas e pelos trabalhos científicos, e Michelangelo, escultor, cresceu meio pedreiro, aprendeu a esculpir, em Florença era ‘um qualquer’ que trabalhava com as mãos..." - e conclui - "E parece que, segundo a história da época, tal como esses dois grandes artistas renascentistas, os clínicos e cirurgiões respeitam tanto o trabalho um do outro que... se odeiam."
É importante que entendamos por que essa "rusga" existe. E é nessa comparação genial da residente de cirurgia que podemos delimitar essa relação entre esses dois polos da medicina. Jamais um clínico substituirá um cirurgião e vice-versa. Ambos têm funções distintas dentro do universo da medicina. E é por saber que no território de um e outro há conhecimentos e práticas que não podem desbravar sozinhos, que a ajuda e colaboração de um é fundamental para outro, que o médico percebe que o seu trabalho, apesar de muito amplo e refinado, tem suas limitações.
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E você, como enxerga essa disputa entre clínicos e cirurgiões? Conte aqui nos comentários pra gente!
*Patrícia Lacerda Bellodi é doutora em Psicologia Clínica, membro da Retaguarda Emocional para o Aluno de Medicina (Repam) da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e do Centro de Desenvolvimento de Educação Médica (Cedem) da Faculdade de Medicina da USP e autora do livro “O Clínico e o Cirurgião: estereótipos, personalidade e escolha de especialidade médica”, Editora Casa do Psicólogo, fruto de sua tese de doutorado.
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Nota do editor: texto publicado originalmente no dia 24 de janeiro de 2020.