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Distúrbios Hidroeletrolíticos: O que são, como identificar e conduzir

Distúrbios Hidroeletrolíticos: O que são, como identificar e conduzir
Eduardo Colini
dez. 8 - 16 min de leitura
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Texto revisado pelo Dr. Prof. Vilson Campos, Coordenador do Curso de Medicina

Os principais distúrbios hidroeletrolíticos são os que ocorrem alterações nos níveis de sódio e de potássio. 

Você já deve ter estudado isso em algum momento, e sabe o quanto é difícil manejar o paciente com esse quadro. 

Vamos tentar simplificar! 

                                   DISTÚRBIOS DE POTÁSSIO

Primeiramente precisamos saber qual o valor de referência considerado normal para o potássio plasmático que é de 3,5 a 5,5 mEq/L.

O Potássio é importante no potencial de repouso das membranas celulares. Dentro do nosso corpo, aproximadamente 70% do potássio está nos nossos músculos, 20% no fígado, 10% no meio intracelular e 1 a 2% nos líquidos extracelulares. É importante nos atentarmos ao grande valor que está armazenado nos músculos, pois isso explica uma das grandes causas de hipercalemia, que é a lesão muscular grave.

Para entendermos os distúrbios, primeiro precisamos aprender sobre a forma de regulação deste íon.

Existem 3 principais formas de regulação do Potássio:

1- Absorção e eliminação intestinal;

2- Reabsorção tubular;

3- Troca entre intra e extracelular (Na/K-atpase).

A enzima Na/K-Atpase é responsável pelas trocas de K+ nos meios intra e extracelulares.

Esta enzima vai retirar potássio do intra e enviar para o extracelular nas seguintes situações: hiperglicemia, paciente em uso de beta-bloqueador e em casos de acidose. E vai fazer o fluxo contrário em casos de aumento dos níveis de insulina, utilização de beta2-agonista e em casos de alcalose.

Agora que já entendemos como funcionam as principais formas de regulação do K+ vamos falar dos seus dois principais distúrbios, a hipercalemia e hipocalemia e também suas principais causas e tratamento.

HIPOCALEMIA (K+ < 3,5 mEq/L)            

PRINCIPAIS CAUSAS:

Como são três as principais formas de regulação do potássio, as causas também são divididas em três.

1- Intestinais: diarréia, vômitos, sudorese excessiva ou uso de laxantes são algumas das causas intestinais. É importante a solicitação dos níveis de K+ na urina, para distinguir a causa renal de outras possíveis causas, pois, em causas renais o nível do K+ excretado na urina estará alto (evidenciando uma perda renal).

2- Renais: como comentado acima, em casos de suspeita de perdas renais, deve ser solicitado os níveis de K+ na urina e é indicativo de disfunção no metabolismo renal quando K+ > 15mEq/L na URINA. Porém, devemos nos atentar ao uso de diuréticos de alça e tiazídicos, além da antibioticoterapia (principalmente no uso de aminoglicosídeos e anfotericina, que causam diminuição da absorção tubular) que são também causadores de menor reabsorção tubular de K+. A hipocalemia também pode ser causada por aumento nos níveis de Aldosterona, a qual poupa Na+ e expolia K+), além de possíveis nefropatias e hipomagnesemia.

3- Troca entre intra e extracelular estimulada por: aumento dos níveis insulina, alcalose (uso de anti-ácidos) e B2-agonista (fenoterol - inalação).

TRATAMENTO:

Primeiramente deve-se corrigir causa base (diarréia, vômitos, suspensão dos medicamentos que alteram os níveis de potássio que foram citados acima). Pode-se associar espironolactona para aumento do nível sérico de potássio.

A reposição preferencialmente é V.O (xarope de KCl 10 a 20mL de 2 a 3x por dia) para evitar complicações cardíacas, porém em casos de K+ < 3 mEq/L pode ser feita a reposição endovenosa. Em caso de reposição E.V de grande concentração optar pela reposição central e não periférica.

 

HIPERCALEMIA (K+ > 5,5 mEq/L)

PRINCIPAIS CAUSAS

1- Consumo excessivo de alimentos ricos em potássio (legumes, frutas, verduras e hortaliças), porém, raros são os casos de hipercalemia por consumo excessivo sem uma doença renal crônica (DRC) associada, sendo que ocorre principalmente nos estágios mais avançados da DRC (3b,4 e 5);

2- Redução da eliminação renal de K+ (DRC, hipoaldosteronismo, uso de diuréticos poupadores de potássio como a espironolactona, utilização de IECA e BRA devido ao bloqueio da angiotensina  II);

3- E como falamos anteriormente a Injúria Celular Maciça como na rabdomiólise, hemólise maciça, grandes queimados e lise tumoral) libera o potássio que estava no meio intracelular;

4- E a troca entre intra e extracelular estimulada por: hiperglicemia, beta-bloqueador e acidose.

 

IMPORTANTE: a hipercalemia é mais grave em situações de instalação aguda, devido as alterações que o potássio causa no potencial de repouso das membranas das células. Além disso, valores acima de 6 a 6,5 mEq/L também são sinais de alerta. Já as hipercalemias crônicas geralmente são assintomáticas pois nosso corpo vai se adaptando as alterações do potencial de membrana.

TRATAMENTO: para a escolha do tratamento, primeiramente deve ser realizado um eletrocardiograma. Após a realização do ECG devemos procurar por alterações causadas pela hipercalemia, principalmente o apiculamento de onda T.

Se for evidenciado um apiculamento de onda T, deve se iniciar cardioproteção com gluconato de cálcio (estabilizador da membrana de condução cardíaca) que deve ser mantido até a normalização do ECG e após isso, aí sim inicia-se a redução dos níveis plasmáticos de K+.

Para a redução do potássio, primeiramente precisamos retirá-lo do meio intracelular e enviarmos para o meio extracelular (está ação pode ser chamada de shift ou translocação). Para a realização da translocação deve-se realizar infusão de glicose + insulina para a ativação da Na/K-atpase, além disso deve ser administrado bicarbonato de sódio para alcalinização do meio e também pode ser feita inalação com beta-2-agonista (fenoterol).

Após isso, deve ser realizada medidas de espoliação (eliminação de potássio pela urina) para isso utilizamos um diurético de alça como a Furosemida, também pode ser dado o Poliestirenossulfonato de cálcio (Sorcal) que elimina potássio de forma intestinal.

                                          DISTÚRBIOS DE SÓDIO

Primeiramente precisamos saber qual o valor de referência considerado normal para o sódio plasmático que é de 135 a 145 mEq/L.

Aproximadamente 85% do Na+ corporal está no meio extracelular, sendo assim ele é o maior responsável pela osmolaridade e regulação do volume extracelular.

É importante sabermos a definição de osmolaridade e osmolalidade.

A osmolaridade é definida como o número de partículas osmoticamente ativas de soluto, contidas em um litro de solução. Já a osmolalidade é também o número de partículas osmoticamente ativas de soluto, porém, em um quilo de solução.

O cálculo da osmolaridade é realizado através de uma fórmula:

A sede é um reflexo do aumento da osmolaridade.

 HIPONATREMIA (Na+ < 135 mEq/L)

A hiponatremia crônica não possuí um risco grande ao paciente, inclusive pessoas mais idosas tendem a ter um valor de Na+ menor que o valor de referência. Porém, as hiponatremias de início agudo, essas sim apresentam maiores riscos a vida.

A hiponatremia possui diversas classificações e iremos citar algumas delas!

Pode ser classificada conforme o grau:

  • Leve: sódio sérico entre 130 a 135 (raramente precisa de tratamento)
  • Moderada: sódio sérico entre 125 a 129 (paciente geralmente oligossintomático)
  • Severa: sódio sérico menor que 125 (grave)

Pode ser classificada também conforme a osmolaridade

  • Hipotônica: osmolaridade menor que 275
  • Isotônica: osmolaridade entre 280 a 290 (pouco preocupante)
  • Hipertônica: osmolaridade maior que 290

Nas hiponatremias hipertônicas, o sódio está baixo, porém a osmolaridade alta, isso ocorre principalmente devido à um aumento da glicemia, comum em diabéticos. Nesses casos devemos ver se o valor do Na+ está medido corretamente, pois a glicemia atrapalha a real mensuração do sódio plasmático. Para isso, utilizamos a fórmula que dá o valor de sódio corrigido, levando em consideração a glicemia do paciente

Já as hiponatremias hipotônicas, essas sim são os verdadeiros distúrbios de sódio e precisam de diagnóstico adequado para correção clínica. E para isso, precisamos determinar o estado volêmico do nosso paciente. Com isso teremos mais três classificações de Hiponatremia Hipotônica de acordo com a volêmia do paciente (hipovolêmica, euvolêmica e hipervolêmica).

1- Hiponatremia Hipotônica Hipovolêmica

Ocorre uma perda tanto de água, quanto de sódio.

Causas: podemos dividir em duas principais causas: renais e não renais.

  • Para diferenciarmos as causas renais, é solicitado o parcial de sódio na urina e caso este venha maior que 20 mEq/L é indicativo de uma perda renal.
  • As duas principais causas de perdas de Na+ renais são o uso de diuréticos tiazídicos e a nefropatia.
  • Já as principais causas de perdas não renais estão a diarreia e o vômito, as quais causarão desidratação.

2- Hiponatremia Hipotônica Hipervolêmica

Ocorre principalmente em estados edematosos e é de fácil tratamento, através da restrição hídrica e utilização de furosemida.

3- Hiponatremia Hipotônica Euvolêmica

Ela é chamada de euvolêmica pois o paciente não apresenta sinais de edema, porém, há um aumento da água corporal INTRACELULAR, por isso esse aumento não é visível.

Causas: pode ser causada em pós cirúrgicos, hipotireoidismo (devido ao mixedema) e na polidipsia. Porém, o principal causador é a Síndrome da Secreção Inapropriada de ADH (SSIADH).

  • Na SSIADH há um aumento na liberação de ADH e consequentemente um aumento da retenção de água corporal (isso ocorre pois o ADH estimula as aquaporinas que são responsáveis pela reabsorção da água no rim).
  • A SSIADH possui várias causas, tendo como principais:
    • SNC: infecções, hemorragias, AVE, tumores e traumas;
    • Neoplasias: pulmonares, pâncreas e duodeno;
    • TBC e fibrose cística;
    • Medicamentosa: clorpropamida e triciclicos.

Diagnóstico da SSIADH

  • Osmolaridade plasmática deve estar abaixo de 270 Osm.
  • Concentração de Na+ alta na urina (osmolaridade urinária alta)
  • Euvolêmia clínica (sem edema, sem hipotensão ortostática e sem desidratação)
  • Ausência de outras doenças (suprarrenal, tireóide, pituitária e IRC)

COMPLICAÇÃO: a principal complicação da hiponatremia de início agudo é o Edema Cerebral, isso ocorre pois o neurônio e o meio extracelular estão em equilíbrio de concentração. Porém, quando ocorre a hiponatremia, o meio extracelular fica menos concentrado e o neurônio como não teve tempo para se readequar, continua com a sua concentração anterior, porém agora ela é maior que a do meio extracelular. Com isso a água do extracelular passa para dentro do neurônio, causando um estado edematoso no neurônio e assim evoluindo para um edema cerebral.

TRATAMENTO DA HIPONATREMIA

O tratamento é diferente para as hiponatremias crônicas e agudas.

Crônicas:

  • Restrição hídrica
  • Furosemida para eliminação de água livre
  • Suspensão do tiazídico pois ele expolia sódio.

Agudas:

  • Primeiramente é importante que a correção seja CAUTELOSA, para que não ocorra o contrario do Edema Cerebral e o neurônio sofra uma desidratação por um aumento drástico da concentração do meio extracelular, que é conhecido como Desmielinização Osmótica e é GRAVE!
  • A reposição de sódio deve ser feita via endovenosa. Sendo reposto 1 mEq/L/hora nas primeiras 3 horas de reposição. Após as três primeiras horas, devemos repor 0,5 mEq/L/hora até chegar ao valor máximo de reposição diária que é de 10 a 12 mEq/L. É indicado que a reposição seja feita com salina 3% e se necessário utilizar furosemida em casos de retenção hídrica.

Para sabermos quanto 1 litro de salina 3% aumenta em mEq/L de sódio, devemos utilizar a fórmula de Adrogué

- Na+ do soro = concentração de sódio em 1 litro de soro, no caso da salina 3% em 1 litro temos 513 mEq

  •  Na do paciente = valor do sódio sérico do paciente
  •  Água corporal = valor calculado de água presente no corpo do paciente

 

Exemplo Clínico

Homem, 70 anos, Na+ de 113, 70kg.

Variação de Na+ por litro = (513 - 113) / (0,45 x 70) + 1

Variação de Na+ por litro = 400 / (31,5) + 1

Variação de Na+ por litro = 12,3

  • Esse resultado indica que se for dado um litro de salina 3% pro paciente, isso resultará em um aumento de 12,3 mEq de Na+ para o paciente.

Sendo assim, se nas primeiras três horas precisamos aumentar 1 mEq/L por hora, precisamos calcular quanto de soro precisa ser dado para aumentar 1 mEq.

Se 1 Litro aumenta 12,3 mEq, só precisamos de uma regra de três para calcularmos.

1L ———— 12,3 mEq

x   ———— 1 mEq

x = 0,081 litros = 81mL

Ou seja se for dado 81 mL de salina 3% será aumentado 1mEq de Na+. 

Nesse caso repor 81mL/h nas três primeiras horas e após isso 40,5mL/h até chegar no valor ideal (aproximadamente 140mEq) ou até chegar ao valor limite de 10 a 12 mEq por dia.

HIPERNATREMIA (Na+ > 145mEq/L)

Classificação perante ao grau

  • Leve: sódio entre 145 e 150
  • Moderada: sódio entre 150 e 160
  • Grave: sódio acima de 160

Na hipernatremia, ocorre um aumento da concentração do meio extracelular, com isso ocorrerá a saída de água do meio intracelular para o extracelular. Portanto, os principais sintomas da hipernatremia são decorrentes dessa desidratação celular.

Principais causas da perda de água livre:

  • Perdas insensíveis e suor
  • Perdas gastrointestinais
  • Uso de diuréticos (Furosemida)
  • Diabetes Insipidus
  • Hiperglicemia
  • Dieta hiperproteica
  • Manitol
  • Hipodipsia primária
  • Medicamentos: as principais drogas causadoras são: lítio, anfotericina B, fenitoína e Furosemida

Classificação de acordo com a volemia

  • Hipernatremia hipovolêmica: geralmente ocorre no paciente desidratado
  • Hipernatremia euvolêmica: geralmente ocorre no paciente com diabetes insipidus
  • Hipernatremia hipervolêmica: geralmente associada as hipernatremias medicamentosas

Podemos classificar a hipernatremia conforme seu grau de instalação:

  • Hipernatremia aguda: instalação menor que 48 horas, os pacientes podem apresentar convulsões, irritabilidade e até mesmo coma.
  • Hipernatremia crônica: instalação maior que 48 horas, os pacientes podem ser oligossintomáticos, podem apresentar letargia e confusão mental

Quanto mais rápida e aguda a instalação, pior são as consequências da hipernatremia

Manifestações clínicas:

  • Mucosas secas
  • Olhos encovados
  • Perda de turgor da pele
  • Sede

A hipernatremia geralmente ocorre em pacientes que estão internados em UTI por um longo período.

Exames complementares:

  • Osmolaridade sérica
  • Avaliação da função renal (urina tipo I, creatinina e uréia)
  • Íons
  • Osmolaridade urinária
  • Sódio urinário

Para a pesquisa da causa base da hipernatremia podemos utilizar este organograma:

Tratamento:

  • Hipernatremia aguda:

Primeiramente devemos calcular o deficit de água livre do paciente, através da fórmula:

O ACT da fórmula é água corporal total, que calculamos de acordo com a tabela abaixo:

  • ACT no homem= 0,6 x peso
  • ACT na mulher= 0,5 x peso
  • ACT no idoso= 0,45 x peso
  • ACT na criança= 0,6 x peso

Após calcular o valor do déficit de água livre, devemos repor esse valor em 24h com soro glicosado 5%, porém, em pacientes diabéticos ou em pacientes que cursem com hiperglicemia devemos realizar a reposição com soro glicosado 2,5%. Devemos também dosar o sódio a cada 1 ou 2h até que chegue a 145mEq/L e dosar a glicemia capilar a cada 4 horas. Após chegar em 145mEq/L diminuímos a infusão para 1mL/kg/h até chegar a 140mEq/L monitorando o sódio e a glicemia capilar até estabilização. Após 48h se o sódio estiver estabilizado e o paciente estiver urinando normalmente e euvolêmico ele pode ser liberado.

Hipernatremia Crônica

  • Primeiramente devemos corrigir a volemia do paciente com soro fisiológico 0,9%, após correção da volemia, devemos dosar o sódio sérico, caso esteja aumentado ainda, podemos dar soro fisiológico 0,45%
  • A redução de sódio sérico deve ser feita em 0,5 mEq/L por hora. Não ultrapassando 8 a 10 mEq/L em 24h
  • Assim como na hiponatremia, na hipernatremia podemos utilizar a Fórmula de Adrogué para identificarmos quanto de sódio será abaixado. Porém, nesse caso o Na+ da infusão é de 77mEq/L quando administrado Soro fisiológico 0,45%

- Na+ do soro = concentração de sódio em 1 litro de soro fisiológico 0,45% que é de 77mEq/L

  •  Na do paciente = valor do sódio sérico do paciente
  •  Água corporal = valor calculado de água presente no corpo do paciente

Exemplo clínico:

Idoso, 70 anos, sódio sérico de 177, peso 78kg

Variação de Na+ por litro = (77 - 177) / (0,5 x 78) + 1

Variação de Na+ por litro = - 100 / (39) + 1

Variação de Na+ por litro = -100/40 = -2,5

  • Esse resultado indica que se for dado um litro de soro fisiológico 0,9% pro paciente, isso resultará em uma diminuição de 2,5mEq/L de sódio sérico. Portanto, como podemos reduzir de 8 a 10mEq/L em 24h, podemos dar de 3 a 4 litros de soro em 24h.

REFERÊNCIA

Silvia, T. Principios Básicos de Nefrologia. [Grupo A, 2013. 9788565852395.]: Grupo A, 2013. 9788565852395. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788565852395/. Acesso em: 30 Nov 2020


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