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"Do It Yourself" em Tempos de Pandemia

"Do It Yourself" em Tempos de Pandemia
Eduardo Costa
abr. 17 - 10 min de leitura
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SARS-CoV-2 não é a última pandemia que viveremos. Certamente, outras infecções virais transmitidas pelo ar aparecerão no futuro. Por isso, vou propor um trabalho de pesquisa aos jovens, visto que já estou velho demais para fazer qualquer coisa útil.

A Inteligência Artificial foi criada por três brilhantes cientistas, dois dos quais receberam o prêmio Nobel, Herbert Simon, Joshua Lederberg e John McCarthy.  Joshua Lederberg ganhou o prêmio Nobel de Medicina aos 33 anos de idade. Trabalhava em Lisp, uma linguagem de programação descoberta por seu amigo John McCarthy, a pessoa que inventou o termo Artificial Intelligence. Herbert Simon recebeu o prêmio Nobel por seus estudos sobre sistemas de decisão.

Vigilância de isolamento social

Deixemos esses grandes cientistas já mortos descansarem em sua glória e examinemos minha humilde proposta. Computadores inteligentes poderiam vigiar hospitais, farmácias e outros centros de aglomeração, de modo a reconhecer as pessoas em tempo real e  colocar um retângulo em volta dessas pessoas. Se duas pessoas aproximam-se a menos de 2 metros, o computador mostra retângulos em roxo na tela de supervisão. Se uma das pessoas espirra, o computador aumenta a distância para 8 metros.

Eu não proporia essa ideia aos jovens se não tivesse certeza de que funciona. Por isso, pedi ao jovem estudante Pedro Fernandes que implementasse o sistema e colocasse uma demonstração no YouTube:

A demonstração foi filmada no laboratório de Fernandes, desculpem a bagunça. As três pessoas que aparecem no vídeo são Anderson (de camisa verde, um especialista em genômica de patógenos), Sarah (uma curiosa que passou pela porta, achou o sistema bonitinho e entrou) e Pedro (de boné).

Como o financiamento de Pedro é "pobre" e não tem dinheiro sobrando para equipamento, teve de construir tudo de sucata. Um amigo de Pedro, que não usava mais uma placa NVIDIA sobressalente, cedeu-a para este projeto. Isso mostra que dinheiro não é necessário para trabalhar, basta vontade. Aliás, não ter dinheiro é bom para o estudante, que tem de fabricar todo o equipamento e reagentes de que precisa e, assim, aprende muito.

Gotículas de Wells

Claro que reconhecer pessoas não é suficiente. Afinal, um paper na Lancet diz que o vírus pode permanecer estável por vários dias em certos materiais. Por isso, Pedro teve de "ensinar" a máquina a reconhecer objetos que poderiam dar estabilidade ao Coronavírus e enquadrá-los em retângulos coloridos conforme o grau de perigo.

O computador que Pedro montou é muito diferente do que você utiliza. Trata-se de uma máquina massivamente paralela que é capaz de reconhecer milhares de objetos ao mesmo tempo e mostrar em uma  tela. Além disso, CyC-like Artificial Intelligence estabelece relações entre todos os objetos do hospital: Pessoas, equipamentos médicos, móveis, canetas, computadores, piso, tudo. 

CyC

Acho que o vídeo prova que a ideia é factível e tem custo praticamente zero. Meus estudantes implementaram outros componentes do sistema, que não vou mostrar aqui, mas vou descrever.

Vocês devem estar acostumados com versões simplificadas de Artificial Intelligence escritas em Python e outras linguagens de computação da moda. Muitas vezes, você deve  perguntar: "Como podem chamar uma coisa tão estúpida de inteligência?" Há 36 anos, Douglas Lenat fez essa pergunta para John McCarthy. Em reunião com os pioneiros de Artificial Intelligence, Lenat conseguiu convencê-los a fundar uma empresa que trabalharia durante séculos no desenvolvimento de common sense para robots.

Um programa de Electronic Medical Records, como o Epic ou o Cerner, pode armazenar que o Presidente Abraham Lincoln foi assassinado. Se você perguntar ao Epic se Abraham Lincoln morreu, ele responderá que sim, pois sabe que uma das causas de morte é assassinato. Mas se perguntar se Abraham Lincoln estava vivo 300 anos antes do assassinato, o Epic não saberá responder, pois não tem common sense.

Uma verdadeira inteligência tem de ter common sense, e o CyC é o único sistema no mundo com alguma forma de common sense. Assim, você deve entrar em acordo com a CyCorp para fornecer common sense a um sistema de isolamento social. Algum hospital fez isso? Sim, a Cleveland Clinic, considerada um dos melhores hospitais do mundo, usa o CyC para permitir que seus médicos consultem, em inglês corrente, décadas de informações sobre cirurgias cardiotoráxicas.

Outra empresa que utiliza o CyC é a Glaxo, que precisa de bom senso para resolver divergências entre cientistas vivendo em diferentes países e épocas. Quanto a nosso projeto de pandemia, estou convencido de que proteção automatizada aos frequentadores de um hospital requer o bom senso do CyC. A figura do título mostra o "cérebro" do CyC fazendo inferências.

Droplets

O próximo passo do projeto de Pedro é verificar se realmente houve risco de  contaminação.  Em 1934, Wells publicou, na American Journal of Epidemiology, um estudo sobre air-borne infection por meio de  gotículas, ou droplets.

Recentemente, Lydia Bourouiba teve seus 15 minutos de fama ao fotografar tais gotículas com uma Phantom High Speed Camera e publicou um paper sobre o assunto na Journal of the American Medical Association. Lá pelo meio do artigo, há um vídeo que mostra a propagação das gotículas de Wells no caso da respiração normal e do espirro. Então, sugeri que Pedro acrescentasse uma tecnologia similar ao sistema que está desenvolvendo.

A Phantom High Speed Camera filma gotículas  com uma tecnologia chamada Schlieren Imaging, conforme explicado na página do fabricante. Uma opção para a Phantom High Speed Camera é o SprayMaster, da empresa alemã La Vision, que já pode ser adquirido no mercado brasileiro.

Como funciona o sistema completo? A câmera que detecta pessoas e objetos não funciona para gotículas de Wells, pois essas são transparentes. Além disso, se Pedro ajustasse a câmera para captar as gotículas, isso introduziria ruído nas imagens. Por isso, utilizamos dois sistemas de imagem.

Um dos sistemas usa uma câmera comum, por exemplo, uma câmera de celular. O sistema produzido pela empresa La Vision é Schlieren ready, além de vir com iluminação a laser e uma high speed camera. Quando duas pessoas se aproximam mais do que permitido pelo isolamento, a câmera comum acende a iluminação a laser e ativa a high speed  camera.

As imagens dos dois sistemas podem ser combinadas e apresentadas em monitores de alta  resolução, desses que existem em aeroportos e hospitais. CyC pode também soar o alarme quando uma pessoa contamina um objeto multi usuário, como um móvel.

iRobot

Pedro está estudando a possibilidade de que CyC ou outra forma de Artificial Intelligence controle robots de limpeza, como aqueles vendidos pela iRobot. Quando uma pessoa contaminasse um móvel com gotículas de Wells, isso seria detectado pela high speed infrared camera, e CyC enviaria um robot de limpeza ao local. A descrição de um pacote em Lisp para controlar robots da iRobot pode ser encontrada neste link.

Atomic Force Microscope - AFM

Agora, vamos ao passo final do projeto. Pedi a outro estudante, Guilherme Lima, que me fizesse imagens de vírus. Como não somos loucos, evitamos vírus perigosos, como o Coronavírus. Não sou mais professor em universidade alguma, nem estou filiado a nenhuma instituição.

Mesmo meu filho, embora seja jovem e venha ao Brasil de vez em quando, cancelou sua inscrição no CRM de Minas Gerais e de Pernambuco. Reconheço que essa falta de ligação com instituições de pesquisa dificulta montar biohazard rooms. Portanto, não podemos pesquisar Coronavírus. Assim, para testar a tecnologia, usamos um vírus inócuo para humanos.

Para visualizar vírus, um microscópio ótico não funciona, como todos sabemos. É preciso usar um Atomic Force Microscopy (AFM). Felizmente, Guilherme tem acesso a AFM. Aliás, ele é a pessoa encarregada de operar o microscópio de AFM. Com  AFM, pode-se ver Coronavírus, bacteriófagos ou até o vírus zumbi, se existisse. Aqui está uma imagem feita por Guilherme:

Eu também fiquei decepcionado ao não ver o "rabinho" do bacteriófago. Neste link é possível consultar um artigo sobre bacteriófagos sem rabinho.

Você vai perguntar: "Por que preciso estudar o Coronavírus com um AFM?" Minha resposta é: "Os americanos estão fazendo isso, portanto, devemos fazer também". Por enquanto, não há muitos papers sobre caracterização do COVID-19 por AFM ou mesmo estudo da superfície viral do COVID-19, o que significa uma oportunidade para algum médico brasileiro oferecer contribuições originais à virologia. Um bom ponto de partida é ver o que foi feito no caso do SARS-CoV.

Outra boa ideia é estudar o problema geral da caracterização de vírus por AFM. Um método comum de caracterizar vírus é determinar o isoelectric point do vírus em estudo. Uma reportagem, disponibilizada pela Drug Target Review, sugere que Caryn Heldt utiliza AFM e single particle method, em vez da bulk characterization tradicional. A pesquisadora mede a adesão entre a AFM probe e a superfície de vírus através de Chemical Force Microscopy.

Uma pergunta que sempre me fazem: "Quando custa uma probe para um AFM?" Essa pergunta é interessante, pois leva à outra: "Seria viável economicamente diagnosticar SARS-CoV-2 com AFM?" Há várias razões para ninguém fazer isso, além do preço da probe. Por exemplo, como você evitaria a contaminação do Atomic Force Microscope e mesmo de toda a biohazard room? Que método usaria para a localização eficiente do vírus no campo de varredura? Em todo caso, uma caixinha com 10 probes custa mais ou menos 1500 reais.

Esse artigo está ficando muito longo. Espero ter dado algumas ideias úteis aos jovens pesquisadores que quiserem desenvolver métodos de isolamento social e pesquisar sobre vírus e pandemias. Torço também para que empreendedores e até o Ministério da Saúde consigam um convênio com a CyCorp que lhes permitam utilizar Artificial Intelligence with common sense, como fez a Cleveland Clinic. Infelizmente, CyC não domina o Português, mas acho que esse problema pode ser resolvido.

 

 

 

 

 


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