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Estamos prontos para a slow medicine?

Estamos prontos para a slow medicine?
Henri Hajime Sato
out. 29 - 6 min de leitura
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A medicina evoluiu muito nos últimos séculos. De uso de sangria para tratar febres até medicações personalizadas feita de acordo com o genótipo do paciente ou do agente agressor. Porém nesse meio tempo, muitos médicos e filósofos acreditam que, com essa evolução, perderam-se os valores do modelo assistente de forma humana e a medicina voltou-se ao modelo mais “mecanizado”. O médico muitas vezes é considerado um mero leitor de dados ou um órgão de autorização de medicação.

Às vezes, desmoralizado ao ponto de ser considerado como um jeitinho, não é incomum ouvir em consultórios de diferentes tipos “vim aqui porque com carimbo o remédio da farmácia popular”, um “cartorário de atestado” ou “máquina copiadora de receita psicotrópico”.  

Uma grande ironia! Justamente esse comportamento “fast food” oferecido pela mecanização é prejudicial à saúde do paciente e do médico. É estressante para o médico, vai lesionando o paciente aos poucos e destrói uma cultura adequada em saúde.

Em contrapartida, atualmente as últimas revisões também começaram a resgatar hábitos antigos: uma boa alimentação, exercícios físicos, noites bem dormidas, melhor comunicação e métodos já ensinados nos aforismos de Asclépio ainda são usados e reforçados com alto nível de evidência científica como padrão ouro sinérgico ao tratamento farmacológico.

Nesse modelo vindo com argumentos científicos e métodos validados em evidência, abriu-se uma corrente cientificamente aceita chamada slow medicine que, como a própria tradução diz,  propõe olhar o paciente pelos olhos de  uma medicina mais lenta, integrando terapias alternativas à medicação e agindo nos hábitos de vida e na comunicação. Muito diferente do modelo fast food tão comum nos serviços atuais.

Na slow medicine há a proposta do uso racional de medicação ao paciente, a diminuição do número de exames desnecessários, a dedicação de mais atenção adequada ao paciente em consulta e consequentemente o tratamento mais aderente, eficaz e humano. 

De fato a slow medicine pode ser considerada uma revolução, um progresso científico e sobretudo um progresso com humanidade. Porém a pergunta que fiz ao título ainda persiste:

Estamos prontos para a slow medicine?

Não me atentarei se persiste a vontade e prontidão do médico, até porque, visto pela estatística, a possibilidade de atender com uma qualidade melhor, fazer a diferença e principalmente ter mais resultados positivos é uma utopia para mais de 80% dos médicos.

Existe a reflexão de outras figuras tão importantes ao médico quanto a própria ciência médica.

Primeiro e mais importante: 

O paciente está pronto para a slow medicine? 

Se virmos pacientes esclarecidos, mais sábios e principalmente mais responsáveis a resposta poderia vir com um "sim” em coro. É como perguntar a uma pessoa se ela prefere comer comida artesanal no lugar da lanchonete vermelha e amarela em que se pede por combos.

Porém, observando pacientes em  unidades de pronto atendimento cheios por não quererem esperar no ambulatório, com reclamações de que o médico demora muito, a resposta é outra! Alguns pacientes costumam enxergar o médico como moralmente inferiores e muitas vezes procuram o consultório apressados, com a ideia de que a consulta é só para renovar receita ou só para pegar atestado. Para eles, a visão de uma slow medicine é difícil e chega a ser até ofensiva em alguns casos.

Outra visão é a de pacientes que chegam a abandonar o tratamento convencional alopático achando que somente terapias alternativas resolvem. Inclusive há a confusão sobre o que é um bom ato médico quando negamos alguns tratamentos controversos e não recomendados pelo CFM, como auto hemoterapia, suplementação desnecessária de oligoelementos, dióxido de cloro e outras terapias sem evidência. 

Outro lado que também deveria ser questionado quando a preparação para a slow medicine é a área de gestão, principalmente a pública. Médicos e pacientes se queixam de como prontos socorros lotados, educação em saúde péssima, ambulatórios abarrotados e ausência de estrutura básica, como farmácia ou saneamento, impedem um atendimento digno até no fast food, quem dirá pensar em uma medicina mais slow.

A gestão da saúde suplementar e ocupacional é outra área que enfrentaria problemas para pensar na slow medicine, com equipes de atendimentos trabalhando em um limite que beira o inaceitável e poucas ações de inteligência em prevenção.

O que em resumo transforma de forma negativa a slow medicine é uma medicina, cara por falta de procura, desigual e extremamente restrita a quem tem tempo, educação e paciência. Ironia porque os gestores e pacientes, que são os maiores beneficiados da slow medicine, vêm a medicina ideal como um serviço fast food. Paradoxalmente pedem uma medicina de ponta e um médico atencioso que como ilustrado pela arte do sempre genial Solon Maia:

É sempre bom lembrar ao paciente que satisfação é diferente de felicidade. Uma enxurrada de medicação e pedidos de exames podem satisfazer na hora, mas o estresse de passar por efeitos colaterais desnecessários, gastar dinheiro que faria falta ou o convênio que depois fará reajustes para cobrir gastos não são sinônimo de uma felicidade. 

Não há dúvidas que a slow medicine é uma tendência de uma medicina de ponta e que serve de evolução para o conceito de uma saúde de primeira e aprimoramento da relação médico paciente. Mas somente estaremos prontos se houver uma boa educação em saúde, tanto por parte do médico, tanto do paciente e entre ambos uma boa gestão.

Caso contrário, a medicina daqui alguns anos será como no filme Idiocracia, em que o paciente pede o combo de tratamento, o médico aperta alguns botões auto intuitivos, não presta atenção no paciente, não resolve os verdadeiros problemas de saúde, não pensa e ainda cobra caro por isso.

 

Referências

  1. http://infograficos.estadao.com.br/focas/tanto-remedio-para-que/comportamento-1.php
  2. https://www.slowmedicine.com.br/
  3. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38409486
  4. http://www.abep.org/blog/noticias/medicos-frustrados-com-a-profissao/
  5. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/04/terapia-caseira-antiautismo-a-base-de-dioxido-de-cloro-traz-riscos.shtml
  6. Regulation of Dietary Habits: The effect of losing weight on quality of life. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30344586  
  7. Unhealthy Behaviors Among Canadian Men Are Predictors of Comorbidities: Implications for Clinical Practice. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30222015

 


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