No decorrer de sua vida profissional, um clínico realizará entre 100.000 e 200.000 entrevistas com pacientes. A entrevista médica é a tarefa mais comum realizada pelos médicos. Assim, por uma boa razão, Engel e Morgan o chamaram de "o instrumento mais poderoso, sensível e versátil disponível para o médico". [1]
Adquirir uma história clínica e entrevistar um paciente fornece informações importantes para determinar um diagnóstico e também estabelece uma base sólida para a relação médico-paciente. [2] Uma máxima comum na medicina e atribuída a William Osler é: “Apenas ouça seu paciente, ele está lhe dizendo o diagnóstico”.
Uma boa anamnese requer comunicação eficaz, habilidades de escuta ativa e adaptação da comunicação ao paciente com base nas suas necessidades, seus valores e suas preferências. [2] Além disso, uma boa história pode proporcionar um exame físico mais produtivo e eficiente, bem como um direcionamento mais adequado aos exames complementares. [3]
Estratégias oriundas da medicina centrada na pessoa
Obter uma boa história do paciente não é a mesma coisa que uma simples coleta de dados sobre sinais e sintomas. Uma boa estratégia para se colher uma boa história clínica pode ser aplicada a partir de alguns princípios da medicina centrada na pessoa, que compreendem [4]:
Tais estratégias visam melhorar a atenção médica individual e coletiva, trazendo à discussão aspectos culturais e expectativas do paciente e o transformando em um ator do cuidado com sua saúde.
Modelo centrado no clínico vs modelo centrado no paciente
Historicamente, os médicos são treinados em entrevistas “centradas no clínico” e ensinados a entender os sintomas e as queixas dos pacientes em um modelo biomédico de saúde. Embora científico e focado, esse estilo de entrevista envolve muitas perguntas fechadas e não permite que os pacientes expressem preocupações pessoais. [5]
Como resultado, a entrevista “centrada no paciente”, dentro de um modelo de assistência biopsicossocial, evoluiu como uma resposta às inadequações do método e modelo acima mencionados. O modelo biopsicossocial integra as dimensões biológica, psicológica e social do indivíduo. [5]
A entrevista médica integrada
A entrevista médica integrada inclui abordagens centradas no clínico e no paciente, e também pode servir como espinha dorsal da maioria dos encontros clínicos. Em uma entrevista integrada de um novo paciente, as seguintes informações são obtidas, geralmente em ordem [6]:
A queixa principal e a história da doença atual fornecem informações sobre os sintomas mais pertinentes que incomodam um paciente. Esta parte da anamnese é melhor desenvolvida usando uma abordagem de entrevista centrada no paciente. As últimas partes da entrevista, do histórico médico passado até a revisão dos sistemas, são desenvolvidas de maneira mais apropriada, usando técnicas centradas no clínico. [5]
Algumas técnicas de entrevista
Diversas técnicas de entrevista facilitam uma abordagem centrada no paciente nas consultas. Essas habilidades incluem: questionamento aberto, habilidades de comunicação não-verbal (como silêncio proposital ou encorajamento não-verbal), escuta atenta e resumo ou parafraseamento. Também devemos nos atentar à comunicação verbal e suas peculiaridades conforme mostra a tabela 1.
Adaptado do livro: "Silent messages: implicit communicatiodn of emotions and attitudes".
A comunicação eficaz entre médico e paciente e a tomada de decisões compartilhada exigem a incorporação dessas técnicas na prática cotidiana. [7]
O Modelo de Cinco Passos de Smith
Smith e colaboradores propuseram um modelo de “cinco etapas” para sintetizar habilidades facilitadoras centradas no paciente em etapas sequenciais que podem ser adotadas em qualquer consulta conforme ilustra o infográfico abaixo. [6,8]
A utilização desse sistema facilita a compreensão do ponto de vista do paciente e permite que os médicos incorporem o contexto social e emocional de cada paciente nos planos de gerenciamento e tratamento. [5]
Sir William Osler observou certa vez: “O bom médico trata a doença; o grande médico trata o paciente que tem a doença”.
Uma boa comunicação é de suma importância para profissionais e pacientes da saúde. Estratégias e modelos que melhorem a anamnese e estabeleçam uma maior confiança na relação médico-paciente devem ser incorporados na prática clínica diária. Tais conhecimentos possuem o objetivo de otimizar o processo de diagnóstico e fornecer o melhor tratamento que nos é possibilitado dentro da realidade de cada serviço.
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Referências
1. Keifenheim KE, Teufel M, Ip J, Speiser N, Leehr EJ, Zipfel S, et al. Teaching history taking to medical students: a systematic review. BMC Med Educ 2015;15:159. https://doi.org/10.1186/s12909-015-0443-x..
2. Committee on Diagnostic Error in Health Care, Board on Health Care Services, Institute of Medicine, The National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine. Improving Diagnosis in Health Care. Washington, D.C.: National Academies Press; 2015. https://doi.org/10.17226/21794.
3. Walker HK, Hall WD, Hurst JW, editors. Clinical Methods: The History, Physical, and Laboratory Examinations. 3rd ed. Boston: Butterworths; 1990.
4. APOSTILA DE PROPEDÊUTICA. Edição 2 –Anamnese, Exame Clínico e Promoção a Saúde. Disponível em: http://www2.fm.usp.br/gdc/docs/ema_68_apostila_ema_(versuoo_final).pdf
5. History-Taking and Interview Techniques and the Physician-Patient Relationship | GLOWM n.d. https://www.glowm.com/section_view/heading/History-Taking and Interview Techniques and the Physician-Patient Relationship/item/410 (accessed May 6, 2020).
6. Smith, RC. Patient-Centered Interviewing: An Evidence-Based Method, Lippincott Williams and Wilkins, Philadelphia 2002
7. Smith, RC. Teaching Supplement for “The Patient's Story -- Integrated Patient-Doctor Interviewing”, Robert C. Smith, B306 Clinical Center, Michigan State University, East Lansing, MI 1996.
8. American College of Obstetricians and Gynecologists. Committee Opinion No. 492: Effective Patient-Physician Communication. Obstet Gynecol. 2011 May;117(5):1254-1257.
9. Mehrabian A. Silent messages: implicit communication of emotions and attitudes. 2d ed. Belmont, Calif: Wadsworth Pub. Co; 1981.