A Doença Inflamatória Intestinal (DII), que inclui a Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa, é um distúrbio crônico e incurável do trato gastrointestinal. Reconhecida inicialmente no século XIX em regiões industrializadas como América do Norte, Europa e Oceania, a DII era tradicionalmente considerada uma doença do “mundo ocidental”. No entanto, dados recentes mostram que esse cenário está mudando rapidamente.
A grande inovação deste estudo — publicado na revista Nature — foi transformar um modelo teórico em uma ferramenta prática, aplicável em nível global. Com base em mais de 500 estudos populacionais cobrindo mais de 80 regiões geográficas ao longo de um século, o consórcio GIVES-21 utilizou inteligência artificial para categorizar o mundo em quatro estágios de evolução da DII:
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Estágio 1 – Emergência: Incidência e prevalência ainda baixas. Observado hoje em países de baixa renda, especialmente na África, onde a industrialização e mudanças no estilo de vida ainda são limitadas.
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Estágio 2 – Aceleração da Incidência: Rápido aumento de novos diagnósticos em regiões que passaram por industrialização recente, como diversos países da Ásia e da América Latina. A prevalência ainda é baixa, mas cresce de forma acelerada.
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Estágio 3 – Prevalência Composta: A incidência se estabiliza, mas a prevalência aumenta continuamente, refletindo o acúmulo de casos em adultos. É o que ocorre atualmente nas nações que industrializaram-se no século XX.
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Estágio 4 – Equilíbrio de Prevalência: O crescimento da prevalência se desacelera ou estabiliza devido ao aumento da mortalidade relacionada à idade em uma população envelhecida com DII. Espera-se que os países mais industrializados caminhem para esse estágio nas próximas décadas.
Por que isso importa?
Essa classificação tem implicações diretas para o planejamento em saúde pública. Países no estágio 1, por exemplo, precisam investir com urgência em formação de profissionais de saúde e infraestrutura de diagnóstico, uma vez que a chegada do estágio 2 é inevitável à medida que o desenvolvimento avança. Já os países em estágio 2 devem preparar-se para o impacto crescente da DII entre os jovens, enquanto os países em estágio 3 e 4 enfrentam os desafios da geração de pacientes com DII que envelhece, apresentando comorbidades como câncer, doenças cardiovasculares e diabetes.
O estudo também estabeleceu o maior banco de dados global já criado sobre a epidemiologia da DII, com acesso aberto para pesquisadores, profissionais de saúde e o público geral. O repositório é interativo e pode ser acessado através deste link.
Apesar do avanço, ainda há lacunas. Muitas regiões, especialmente na África, carecem de dados longitudinais robustos que permitam identificar com precisão a transição entre os estágios. Além disso, entender por que a DII se espalha exige mais do que observar números: é fundamental aprofundar a pesquisa em fatores genéticos, ambientais e microbianos, além de estratégias de prevenção precoce, principalmente focadas no microbioma intestinal, alimentação e exposições ambientais nos primeiros anos de vida.
Referência:
Kaplan, G. G., & Ng, S. C. (2025, 30 de abril). Inflammatory bowel disease has stages of epidemiology that can be tracked across global regions. Nature. https://www.nature.com/articles/d41586-025-01301-x