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Explosão de médicos não favorecerá ao SUS - Estudo de Projeção "Concentração de Médicos no Brasil"

Explosão de médicos não favorecerá ao SUS - Estudo de Projeção "Concentração de Médicos no Brasil"
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dez. 9 - 17 min de leitura
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Disclosure: O estudo a seguir foi recebido pela equipe pelo Whatsapp no dia 09/12/2020 e está veiculado na íntegra, sem alterações, aqui na Academia Médica. Para mais informações acesse https://portal.cfm.org.br/noticias/explode-numero-de-medicos-no-brasil-mas-distorcoes-na-distribuicao-dos-profissionais-ainda-e-desafio-para-gestores/

▲ Em 2020, mesmo sem novas vagas em cursos de Medicina, haverá explosão da relação médico-habitante e superconcentração de médicos em diversos Estados, capitais e municípios de médio porte.

▲ Brasil atingirá em 2020 a razão de 2,20 médicos por 1.000 habitantes, sem necessidade de abrir mais escolas médicas.

▲ Com anúncio de 2.415 novas vagas em cursos de Medicina, e sem uma política adequada para distribuição de médicos, o governo federal irá acentuar as desigualdades no acesso à assistência médica.

▲ Para justificar a abertura de cursos, Ministério da Educação utiliza parâmetro sem fundamentação e indicadores com fraca evidência da real necessidade de médicos.

▲ Sem dar garantias de qualidade na expansão do ensino médico, sem docentes qualificados e sem vagas de Residência Médica para os novos formandos, Governo Federal poderá colocar em risco a saúde da população.

O Ministério da Educação anunciou a ampliação de 2.415 vagas em cursos de Medicina no país a partir do segundo semestre de 2012, sendo 800 delas para o setor privado. A justificativa seria a necessidade de atingir a taxa de 2,5 médicos por 1.000 habitantes, considerada pelo Governo Federal uma concentração ideal de médicos.

No entanto, segundo a projeção “Concentração de Médicos no Brasil em 2020”, que compõe o estudo “Demografia Médica no Brasil”, do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), mesmo sem abrir novos cursos e vagas de Medicina, o Brasil atingirá em 2020 a razão de 2,20 médicos por 1.000 habitantes.

Se mantido o panorama atual, dentro de oito anos, em 2020, o Brasil terá 455.892 médicos em atividade, quando sua população será de 207.143.243 habitantes.

Em 2010, o número de médicos era de 364.946 para uma população de 193.252.604 o que correspondia a uma taxa de 1,9 médico por 1.000 habitantes.

Com este pressuposto de crescimento, a razão médico-habitante se acomodaria em índice próximo do desejado pelo governo, ainda que não tenha sido apresentada até o momento nenhuma explicação lógica ou fundamentada para a suposta taxa nacional ideal de 2,5 médicos/1.000 habitantes pretendida pelos Ministérios da Educação e da Saúde.

Em 2020, projeção aponta superconcentração de médicos em diversos estados, capitais e municípios de médio porte

Segundo a projeção do CFM/Cremesp, em 2020 três Estados terão mais de três médicos por 1.000 habitantes: Distrito Federal (5,54), Rio de Janeiro (4,44), São Paulo (3,31).

Oito Estados estarão acima de 2,5 médicos por 1.000 habitantes, a meta estipulada pelo governo. Isso, se mantido o panorama atual de crescimento do númetro de médicos (Tabela 3 -ANEXO). Dezenove Estados ainda estarão abaixo da razão 2,5 médicos por 1.000 habitantes. Isso inclui todos os Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, exceto Distrito Federal.

A projeção indica que, mesmo com a evolução esperada no número de médicos, o país chegará a 2020 dividido e desigual em termos de densidade médica: uma realidade no Nordeste, Norte e Centro-Oeste, e outra do Sul e no Sudeste.

Em quatro capitais, dentre aquelas selecionadas para a projeção (Tabela 5- ANEXO), a concentração em 2020 será maior que 6 médicos por 1.000 habitantes: Vitória (17,85), Porto Alegre (12,19), Belo Horizonte (9,85) e Rio de Janeiro (8,77).

Em 2020, mesmo sem novos cursos e ampliação de vagas, diversas cidades médias terão elevada população de médicos. Exemplos de alta concentração serão Botucatu (11,06), Ribeirão Preto (7,21) e Campinas (6,432), as três no interior paulista, seguidas de Pelotas (RS), com 5,23 e Criciúma ( SC) com taxa de 4,47 médicos por 1.000 habitantes (Tabela 7 -ANEXO).

A projeção CFM/Cremesp é um cenário de referência, tendencial, uma geração de conhecimento prospectivo, com possibilidade de erro atribuído ao método baseado na taxa de crescimento e a mudanças no panorama atual. Possivelmente a razão médico-habitante poderá estar acima do previsto já nos próximos anos, o que poderá acirrar a concentração localizada de médicos e as desigualdades atualmente verificadas na distribuição desses profissionais e suposta na projeção.

Os motivos de uma eventual antecipação são o ritmo menor do crescimento populacional (devido a redução dos índices de fecundidade e de mortalidade no país) e a evolução do número de médicos (amplificada pela abertura de novos cursos, pela juvenização da profissão, pelo número de entradas maior que o número de saídas de profissionais do mercado de trabalho, dentre outros fatores).

Razão médico/habitante cresce em ritmo maior que população

A julgar pelos dados de 2010 e projeção para 2020, a razão médico/habitante aumentará 0,290 profissional para cada grupo de 3 1.000 pessoas (de 1,91/1.000 habitantes em 2010 para 2,20/1.000 habitantes em 2020). Essa evolução — aparentemente pequena, mas muito significativa — se deve principalmente a uma população geral ainda jovem e em crescimento. Em países com transição demográfica mais sedimentada, como os europeus, a razão médico/habitante praticamente não se altera ao longo dos anos.

Segundo o IBGE, o perfil populacional no Brasil tenderá a se modificar só depois da década de 2020, quando a população crescerá menos e envelhecerá em ritmo mais acelerado, aproximando-se mais do perfil dos países desenvolvidos.

De 1970 a 2011 a população de médicos cresceu 530% no Brasil. Nesse mesmo período, a população brasileira cresceu 104%. A velocidade da evolução da razão médico/habitante será ainda mais acelerada com imposições do governo, como a que foi recentemente anunciada pelo Ministério da Educação, de abertura de 2.415 vagas de medicina.

Nos 20 anos entre 1990 e 2010, a razão médico/habitante passou de 1,49 para 1,89 médico por 1000 habitantes – ou seja, uma diferença para maior de 0,40.

Entre o ano de 2020 e o de 2028, a razão projetada de médico por mil habitantes subirá de 2,20 para 2,53. Ou seja, num espaço de apenas sete anos a razão aumentará 0,33 médico por 1000 habitantes, (Gráfico 1 e Tabela 1- ANEXO ).

POR QUE O GOVERNO FEDERAL ESTÁ EQUIVOCADO?

O número “mágico” (e sem fundamento) de 2,5 médicos por 1.000 habitantes é equivocado bem como os argumentos do governo sobre a concentração de médicos no Brasil e sobre o aumento de vagas em cursos de Medicina como suposta solução para a falta localizada de profissionais.

Sem nenhuma fundamentação científica e utilizando comparações primárias com taxas de médico/habitante de outros países, o Governo Federal insiste no número de 2,5 médicos/1.000 habitantes para o Brasil.

Tal meta, além de populista, é insuficiente para orientar uma política pública de abertura de mais vagas de Medicina e posterior fixação de médicos nos locais e serviços com carência de profissionais.

Organizações internacionais (OMS1 e OECD2 ) desaconselham comparações entre países utilizando pura e simplesmente a razão médico-habitante sem considerar, na comparação, a extensão do território, o sistema de saúde adotado, o nível sócioeconômico, o perfil demográfico e epidemiológico. A lado, trecho de documento da OMS-OPAS:

“A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) não definem ou recomendam o número desejável de médicos, enfermeiros e dentistas por habitante.

(...) A definição de índices, como número de leitos ou médicos por habitantes depende de fatores regionais, sócioeconômicos, culturais e epidemiológicos, entre outros, que diferem de região para região, país para país. Isso torna impossível, além de pouco válido, o estabelecimento de uma “cifra ideal” a ser aplicada de maneira generalizada (...)

(..) O Brasil, país de dimensões continentais, ilustra bem o problema: o número ideal de médicos e leitos para uma população rural na Região Norte, onde um dos principais problemas de saúde é a malária, não pode ser o mesmo que o exigido na Região Metropolitana de São Paulo, que tem alta concentração de população urbana e cuja demanda por assistência médica e internação hospitalar tem como causas principais as doenças crônicas (ex: câncer e diabetes) e fatores externos (ex: acidentes de trânsito, homicídios e violência)


1 OMS - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Departamento de Recursos Humanos para a Saúde. Spotlight: estatísticas da força de trabalho em saúde. Edição nº 8. Outubro de 2009. http://www.who.int/hrh/statistics/ spotlight_8_p.pdf 2 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). The Looming Crisis in the Health Workforce. How Can OECD Countries Respond. 2008, 96 págs. 3 OPAS - ORGANIZAÇÃO PAN- AMERICANA DA SAÚDE. Leitos por habitantes e médicos por habitantes. Nota de Esclarecimento. 2003. Disponível em http://www.opas.org.br/sistema/fotos/leitos.pdf.


No Brasil, é inadequado o uso de uma taxa nacional médico/habitante

Na opinião do CFM/Cremesp, ao estabelecer um único parâmetro ou meta nacional de médicos por habitantes, o Governo Federal criou um indicador de pouca credibilidade e de baixa utilidade.

Taxas de médico/habitante de países desenvolvidos, com população menor, território restrito e sistema de saúde homogêneo não podem ser comparadas com um país como o Brasil, com imensas desigualdades regionais e com um sistema de saúde peculiar, um misto de público e privado com reflexos no financiamento, na prestação e no acesso a médicos e serviços de saúde.

A taxa atual de 1,9 médicos por 1.000 habitantes no Brasil (ou a pretendida pelo governo, de 2,5) não quer dizer muita coisa, se não forem consideradas as diferenças internas. Por exemplo, no setor privado no Brasil existem 7,60 postos de trabalho médico ocupados por 1.000 habitantes, superior à taxa médico-habitante de todos os países do mundo e três vezes maior que a taxa pretendida pelo governo.

Na Região Sudeste, em 2011, já existiam 2,61 médicos por 1000 habitantes. Acima, portanto, do número de 2,5 médicos/1.000 habitantes do governo. Três unidades da Federação – Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo – já apresentavam em 2011 taxas acima de 2,5 médicos por habitantes. Dezoito das 27 capitais estavam acima desse número em 2011. Onze capitais (Vitoria, Porto Alegre, Florianópolis, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife, Curitiba, São Paulo, Goiânia, Salvador e Aracaju) contavam com mais de 4 médicos por 1.000 habitantes. São taxas à frente daquelas exibidas pelos países mais ricos da Europa e muito acima dos números norte-americanos e canadenses.

Veja-se ainda o exemplo do Estado de São Paulo. O município de Botucatu, no interior paulista, tem, em 2012, 5,93 médicos por 1.000 habitantes. Outras três cidades do Estado (Santos, Ribeirão Preto e Campinas) têm razão médico-habitante igual ou maior que 5, acima de todos os países do mundo, com exceção de Grécia e Cuba.

As 20 cidades melhor contempladas em médicos no Estado de São Paulo já mostram, em 2012, taxas superiores àquela vista como ideal pelos planos do Governo Federal. Com a autorização do MEC de abertura de novos cursos no Estado (cinco cursos em 2011/2012), possivelmente haverá superpopulação de médicos onde a concentração já é altíssima.

No entanto, em nove Estados, a taxa médico habitante era inferior a 1,2 médicos/1.000 habitantes em 2011. Alguns Estados e municípios brasileiros ostentam taxas comparadas a países africanos.

Mas não há nenhuma garantia de que o boom de novos médicos anunciado pelo governo irá beneficiar esses locais. Um morador da capital de qualquer estado do Sul e Sudeste contava em 2011 com quatro vezes mais médicos que um habitante do interior de qualquer outra região (Demografia Médica no Brasil, 2011).

O governo federal faz divulgar que o problema é a falta generalizada de médicos no Brasil, expressa em uma única taxa para todo o país. Mas o problema é outro: é a desigualdade na distribuição de médicos, com superconcentração de médicos no setor privado e em diversas cidades e regiões.

Sem definir políticas claras de formação adequada (o que incluiria uma vaga de Residência Médica para cada formando), de fixação e retenção de profissionais, de formação e ações concretas para atacar a raiz das desigualdades na concentração de médicos, de nada 6 adianta o governo querer elevar a taxa geral do país de 1,9 médicos por 1000 habitantes para 2,5. Os novos médicos tenderão a se concentrar onde já há alta concentração e até mesmo excesso de médicos.

Concentração de médicos no Brasil cresce a favor do setor privado

Apenas formar mais médicos, sem uma política de fixação e de valorização do profissional que atua no Sistema Único de Saúde, levará ao aumento da exclusão e das desigualdades no acesso a médicos. No estudo “Demografia Médica no Brasil”, divulgado em 2011, CFM e Cremesp tomaram como referência o número de “postos de trabalho médico ocupados” nos setores público e privado. Contabilizando usuários de planos de saúde e postos médicos em estabelecimentos privados, chegou-se à conta de que há 7,60 “postos disponíveis” para cada 1.000 clientes privados (ANS, AMS-IBGE). Já para a população usuária do SUS, a razão observada é de 1,95.

Em 2009, o setor privado disponibilizou 354.536 “postos de trabalho médicos ocupados”, enquanto o SUS ofereceu 281.481. Vale lembrar que um quarto da população brasileira é coberta por planos de saúde. O uso do método de regressão linear, pela pesquisa “Demografia Médica no Brasil” reforçou a tese de que o aumento da população médica favorece o privado. Para cada médico registrado (CFM) verifica-se o crescimento de 1,86 “posto de trabalho médico ocupado” no setor privado, enquanto no setor público o aumento é de 1,35 posto de trabalho por médico registrado.

Utilizando esse parâmetro, CFM e Cremesp projetaram que em 2020 será mais acentuada ainda a presença de médicos a favor do setor privado, o que desautoriza o Governo Federal a afirmar que novas vagas abertas irão necessariamente solucionar a falta de médicos no SUS. Em 2020, mantido o cenário de crescimento (sem considerar as novas vagas de Medicina), a projeção é de que existirão 455.892 médicos no Brasil.

No setor público existirão 394.771 postos de trabalho médicos ocupados e no setor privado 567.605 postos. O mesmo médico pode ocupar mais de um posto de trabalho.

Atualmente apenas 25% da população se beneficia dos médicos disponíveis no setor privado. Em outras palavras, mais vagas e mais escolas, sem mudanças no financiamento em saúde no Brasil, significarão maior distância entre o atendimento público e o privado, com prejuízo sempre maior para o público. 7

Considerações finais

A meta do governo federal de 2,5 médicos por 1.000 habitantes é uma mera abstração, desprovida de fundamento científico. CFM e Cremesp advertem que o plano do governo de ampliação de vagas de Medicina, desacompanhada de regras e metas claras de fixação e valorização dos médicos (sobretudo daqueles que atuam no sistema público de saúde), de mais recursos públicos para a saúde, e de garantia da qualidade do ensino médico, terá efeitos colaterais imediatos:

a. Fará crescer o contingente global de médicos na próxima década, mas acentuará as desigualdades a favor das regiões e municípios que já contam com alta concentração de profissionais.

b. Fará aumentar o contingente de médicos sem qualificação, tendo em vista a abertura de cursos sem condições adequadas de funcionamento, a inexistência de corpo docente qualificado para atender a nova demanda de alunos, e a insuficiência de vagas na Residência Médica, que nem sequer são suficientes para o atual número de formandos.

c. Irá beneficiar o setor privado da educação, com cursos de Medicina de péssima qualidade, mas altamente lucrativos, devido ao elevado valor de mensalidade praticado.

d. Irá favorecer não o SUS, mas o setor privado e os planos e seguros de saúde, que já contam no país com quatro vezes mais médicos à sua disposição, sem contar as desigualdades regionais no acesso aos setores público e privado de saúde.


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