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Gabinete de Curiosidades Médicas: música do peito

Gabinete de Curiosidades Médicas: música do peito
Jocê Rodrigues
jun. 18 - 4 min de leitura
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Bem-vindos à série "Gabinete de Curiosidades Médicas"! Aqui você vai encontrar fatos curiosos, sombrios ou interessantes sobre a história da medicina e das artes. Prepare-se para um encontro inesperado com médicos, escultores, pintores, filósofos que se unem para contar um pouco das inusitadas intersecções, costuras e remendos entre ciência, medicina e literatura no Século XIX.

Clique aqui para ler o primeiro texto da série "Teatros anatômicos" e aqui para ler  "As lições de Michelângelo"

Quando nos pedem para pensar em um símbolo que represente a figura do médico, é muito provável que a primeira imagem que venha à cabeça seja a do estetoscópio. Mas, é claro, isso nem sempre foi assim. 

Durante a Idade Média até o século XIX, o principal símbolo da profissão era outro. O frasco de urina, um recipiente de vidro onde se coletava o líquido orgânico, foi o principal instrumento utilizado pelos médicos para examinar a saúde dos pacientes, seja pela cor, pelo cheiro ou pelo gosto. Isso mesmo, pelo gosto!

Além disso, a urina era utilizada não apenas para diagnósticos, mas também para prever o futuro. O nome dessa prática é uromancia. Ou seja, além de uma pessoa saber se estava doente ou não, ela poderia aproveitar para perguntar sobre sua vida financeira e sobre aquele rolo com o crush.

Esse símbolo só começa a perder força no século XIX, com a invenção de um outro instrumento, menos divinatório e mais harmonioso, pensado e construído por um jovem apaixonado por música.

René Théophile Hyacinthe Laennec foi um importante médico francês. Especializado no tratamento de pessoas com tuberculose e outras doenças pulmonares, nomeou a técnica da ausculta e foi o primeiro a descrever os sinais semiológicos obtidos a partir dela, como roncos, crepitações, atrito pleural ou pectorilóquia. 

Laennec era um excelente médico, considerado um dos maiores clínicos do seu tempo, tinha uma inclinação especial pela música. Em 1816 trabalhou na criação dos primeiros protótipos do estetoscópio, que em nada se parecia com o tipo que conhecemos hoje.

Depois de alguns experimentos com materiais como papel laminado, madeira e cana-da-índia, ele chegou à versão que passaria a utilizar sempre: um cilindro de madeira de 25x3,5 cm com um plugue em forma de funil.

Por ter sido um flautista de mão cheia, é muito possível que Laennec tenha baseado a dinâmica do estetoscópio na acústica da flauta.A ocasião que levou à criação do instrumento ainda gera controvérsia. Alguns acreditam que foi pela necessidade de distanciamento de pacientes tuberculosos. Outros apontam a necessidade de discrição ao examinar o corpo feminino.

A palavra estetoscópio surgiu da junção das palavras gregas stethos (peito) e skopein (examinar). A invenção de Laennec foi responsável por iniciar uma verdadeira revolução na prática médica, influenciando inclusive na configuração de uma nova relação entre médico e paciente.

Mas ele não parou por aí. Entre outras contribuições de Laennec para a história da medicina está a descrição de um raro tipo de tuberculose, a tuberculosis verrucosa cutis (tuberculose da pele), e o uso do termo “cirrose”, que continua a ser usado para descrever a cirrose hepática alcoólica.

A mãe de Laennec faleceu de tuberculose quando ele tinha cinco anos de idade. A mesma doença que levou o médico à morte, em 1826. 

Jocê Rodrigues é Escritor, jornalista e editor. É um dos coordenadores do "Encontros de Leitura", do ITS, em parceria com a EMERJ. Pesquisa principalmente sobre as inusitadas intersecções, costuras e remendos entre ciência, medicina e literatura no Século XIX.

 


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