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Gabinete de Curiosidades Médicas: O Médico e o Vampiro.

Gabinete de Curiosidades Médicas: O Médico e o Vampiro.
Jocê Rodrigues
jul. 17 - 4 min de leitura
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Bem-vindos à série "Gabinete de Curiosidades Médicas"! Aqui você vai encontrar fatos curiosos, sombrios ou interessantes sobre a história da medicina e das artes. Prepare-se para um encontro inesperado com médicos, escultores, pintores, filósofos que se unem para contar um pouco das inusitadas intersecções, costuras e remendos entre ciência, medicina e literatura no Século XIX.

Vamos lá?

Ao contrário do que muita gente pensa, a história de vampiros na literatura inglesa não surgiu com a publicação de Drácula, de Bram Stoker, em 1897. Seu nascimento ocorreu 78 anos antes, na mesma ocasião e lugar do surgimento de outra grande obra de ficção: o espetacular "Frankenstein'', de Mary Shelley. O que pouca gente sabe também é que a primeira grande obra sobre os sanguessugas das trevas veio ao mundo pelas mãos de um médico.

No famoso verão de 1816, quando Mary Shelley e seu amante e futuro esposo, Percy Shelley, se reuniram com o excêntrico poeta Lord Byron na Villa Diodati para contarem histórias de terror, estava também presente o jovem e ainda pouco conhecido do grande público John William Polidori.

Nascido em 1795, em Londres, Polidori desde cedo ganhou reconhecimento pelo seu talento nos estudos e um ano após se formar na Universidade de Edimburgo, em 1815, ele entraria em uma fase que acabaria por levá-lo à sua própria perdição. Tudo começou quando ele aceitou o cargo de médico pessoal do poeta e estrela literária do momento, Lord Byron, acompanhando-o em sua viagem pela Europa.

Em uma dessas viagens, enquanto passava pela Suíça, Byron teve a ideia de convidar alguns amigos para se juntar a ele em sua casa de campo ao lado do Lago Lemano. Por conta do mau tempo, ele e seus convidados foram obrigados a se encerrarem mais dentro de casa do que gostariam. Entre bebedeiras e orgias, surgiu a proposta de que cada um dos convidados criasse uma história de terror para que assim pudessem entreter uns aos outros (aparentemente, orgias e bebedeiras não eram suficientes - poetas, certo?).

Durante esses dias e noites de clausura nasceu um dos meus livros favoritos de todos os tempos: “Frankenstein”, uma história cheia de ciência, eventos sombrios, roubo de cadáveres e experimentos bizarros (sério, quem não gosta disso!?). Nesse mesmo período em que Mary Shelley dava ao mundo a criatura que se tornou ícone da literatura e da cultura pop, o anfitrião Lord Byron criou uma história batizada de “Fragmento de Uma Novela”, mas que ficou inacabada e logo foi abandonada. 

Polidori então aproveitou-se da história abandonada por Byron e escreveu a primeira história sobre vampiros da literatura inglesa, batizada simplesmente de “O Vampiro”. O personagem principal, Augusto Darvell, era uma paródia do próprio Byron, que possuía alguns hábitos estranhos, como beber vinho em um crânio humano e morar em uma abadia abandonada. Dizem que, quando Byron descobriu a ofensa velada, ficou enfurecido e logo tratou de demitir Polidori.

Anos depois, em 1819, “O Vampiro” foi publicado na New Monthly Magazine sem a autorização de John. Na verdade, a coisa foi ainda pior. A autoria do conto foi atribuída a Lord Byron, que até se esforçou para desfazer o engano, mas sem sucesso. 

O impacto dessa falta de reconhecimento foi tão forte que ajudou a agravar ainda mais o quadro depressivo que John já vinha desenvolvendo desde a juventude. Dois anos mais tarde, ele foi encontrado morto. Apesar dos fortes indícios de suicídio, o juiz que cuidou do caso declarou que ele tinha falecido por morte natural. Talvez como uma forma de poupar a família do médico de enfrentar os preconceitos sociais e religiosos ligados a esse tipo de fatalidade.

Após a publicação de “O Vampiro”, o interesse pela criatura sugadora de sangue se tornou cada vez mais popular e muitas histórias começaram a surgir ainda no século XIX. Entre elas: “Varney the Vampire” (James Malcolm Rymer, 1845); “Vikram and The Vampire” (Richard Francis Burton, 1870); "Carmilla" (Sheridan Le Fanu, 1872); “Drácula” (Bram Stoker, 1897).

Sem conseguir atingir o sucesso que tanto almejava em vida, John William Polidori continua um ilustre desconhecido, seja como médico ou como escritor.

 


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