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Hidroxicloroquina e Cloroquina no tratamento da COVID-19. Existem evidências científicas sólidas?

Hidroxicloroquina e Cloroquina no tratamento da COVID-19. Existem evidências científicas sólidas?
Diego Arthur Castro Cabral
abr. 23 - 7 min de leitura
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O que são essas drogas e quais os usos no Brasil

A cloroquina (CQ) e a hidroxicloroquina (HCQ) são medicamentos que ganharam repercussão em âmbito nacional e internacional no contexto da pandemia pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Nos EUA, o presidente Donald Trump defende o uso da HCQ no tratamento dos pacientes com COVID-19 e, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro também defende o uso destas drogas. [1,2]

Existem tanto medicamentos à base de Cloroquina como de Hidroxicloroquina registrados pela Anvisa. As indicações aprovadas para esses medicamentos são apresentadas no infográfico abaixo[3]:

Infográfico adaptado da Nota Técnica sobre Cloroquina e Hidroxicloroquina emitida pela ANVISA.

Origem dos estudos para sugestão da hidroxicloroquina como antiviral

Desde 2007, a cloroquina já se apresentava em alguns estudos que apontavam para a possibilidade dessa droga agir como antiviral [4]. A partir disso, pesquisadores chineses desenvolveram um estudo in vitro com a hidroxicloroquina para avaliar seus efeitos na replicação viral do SARS-CoV-2 [5]. Os principais resultados foram:

  • a Hidroxicloroquina inibiu efetivamente a etapa de entrada do vírus na célula assim como estágios celulares posteriores relacionados à infecção pelo SARS-CoV-2. Esse efeito também foi observado com a Cloroquina.

  • A Cloroquina e a Hidroxicloquina bloqueiam o transporte do SARS-CoV-2 entre organelas das células (endossomos e endolisossomos) o que parece ser a etapa determinante para a liberação do genoma viral nas células no caso do SARS-CoV-2

Os autores, então, concluíram o estudo sugerindo que a HCQ pode inibir eficientemente a infecção por SARS-CoV-2 in vitro e, em combinação com sua função anti-inflamatória, sugeriram que o medicamento tem um bom potencial para combater a doença [5].

Falta de evidências científicas sólidas para o tratamento em humanos

Apesar da HCQ se apresentar com bons resultados envolvendo sua ação antiviral in vitro, estudos em humanos são escassos e desprovidos de altos níveis de evidência e graus de recomendação. Um desses estudos foi conduzido por Gautret et al. em que a equipe tratou 20 pacientes com HCQ + Azitromicina e foi constatado que houve redução significativa/desaparecimento da carga viral [6]. Contudo, Ferner e Aronson, da universidade de Oxford, argumentam que esse estudo não foi randomizado, contou com um desenho de estudo ruim e os resultados não são confiáveis [7].

Estudo brasileiro com CQ

Um grupo de especialistas do Amazonas publicou no dia 11 de abril de 2020 um estudo que contou com 81 pacientes internados em estado grave no Hospital Delphina Aziz, na zona norte de Manaus. Foi realizado ensaio clínico de fase IIb paralelo, duplo-cego, randomizado, com o objetivo de avaliar a segurança e eficácia de duas dosagens diferentes de CQ como terapia adjuvante em pacientes hospitalizados.

Os autores concluíram que um esquema de doses elevadas de CQ (12g), administrado por 10 dias não era seguro. Portanto, essa dosagem não deve ser usada no tratamento de COVID-19 grave, especialmente em pacientes mais velhos. Nenhum benefício aparente da CQ foi observado pelos pesquisadores em relação à letalidade em seus pacientes até o momento, mas ainda assim eles continuaram inscrevendo pacientes no grupo de doses baixas de CQ para concluir o tamanho da amostra originalmente planejado [8].

Além disso, as principais limitações do estudo incluíam: um único centro até o momento; não usar um grupo controle com placebo (pois o uso de placebo no Brasil em casos graves de infecções por COVID-19 não é considerado eticamente aceitável pelas agências reguladoras nacionais de saúde), nem todos os casos foram confirmados com COVID-19 por RT-PCR.

O próprio serviço medRxiv reitera que esse estudo é uma versão preprint e não foi revisado por pares. Ele relata novas pesquisas médicas que ainda precisam ser avaliadas e, portanto, não devem ser usadas para orientar a prática clínica [9].

Cautela e discernimento no uso destas drogas em pacientes

Tendo em vista o potencial in vitro da HCQ como antiviral e seus resultados ainda desprovidos de evidências científicas sólidas em humanos, a Anvisa reforça que para a inclusão de indicações terapêuticas novas é necessário conduzir estudos clínicos em uma amostra representativa de seres humanos, demonstrando a segurança e eficácia para o uso pretendido [3]. Além disso, o CDC norte americano reitera que não existem medicamentos ou outras terapêuticas aprovadas pela Food and Drug Administration dos EUA para prevenir ou tratar a COVID-19 [10].

Nenhuma intervenção deve ser considerada eficaz neste momento. Mesmo medicamentos inicialmente apoiados por evidências de eficácia podem mais tarde provar serem mais prejudiciais do que benéficas. Muitos medicamentos foram retirados de circulação comercial por causa de reações adversas após a promessa clínica [11].

Precisamos de um tratamento eficaz para a COVID-19, mas a prevenção por uma vacina ou tratamento com medicamentos direcionados a estruturas específicas do vírus têm maior probabilidade de sucesso do que medicamentos antigos que podem funcionar em laboratório, mas não possuem dados que apoiam seu uso clínico [7].

Referências

  1. https://edition.cnn.com/2020/04/05/health/trump-lupus-hydroxychloroquine-coronavirus-protection/index.html
  2. http://radioagencianacional.ebc.com.br/politica/audio/2020-04/em-pronunciamento-bolsonaro-volta-defender-uso-da-cloroquina-contra-covid-19
  3. http://portal.anvisa.gov.br/documents/219201/4340788/Nota+Te%C2%B4cnica+sobre+Cloroquina+e+Hidroxicloroquina.pdf/659d0105-60cf-4cab-b80a-fa0e29e2e799
  4. Rolain JM, Colson P, Raoult D. Recycling of chloroquine and its hydroxyl analogue to face bacterial, fungal and viral infections in the 21st century. International journal of antimicrobial agents. 2007 Oct 1;30(4):297-308.
  5. Liu, J., Cao, R., Xu, M. et al. Hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquine, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro. Cell Discov 6, 16 (2020). https://doi.org/10.1038/s41421-020-0156-0
  6. Gautret et al. (2020) Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID19: results of an open-label non-randomized clinical trial. International Journal of Antimicrobial Agents – In Press 17 March 2020 – DOI : 10.1016/j.ijantimicag.2020.105949 
  7. Ferner RE, Aronson JK. Chloroquine and hydroxychloroquine in covid-19. BMJ 2020:m1432. https://doi.org/10.1136/bmj.m1432.
  8. Borba M, Val F de A, Sampaio VS, Alexandre MA, Melo GC, Brito M, et al. Chloroquine diphosphate in two different dosages as adjunctive therapy of hospitalized patients with severe respiratory syndrome in the context of coronavirus (SARS-CoV-2) infection: Preliminary safety results of a randomized, double-blinded, phase IIb clinical trial (CloroCovid-19 Study). Infectious Diseases (except HIV/AIDS); 2020. https://doi.org/10.1101/2020.04.07.20056424
  9. https://www.medrxiv.org/content/what-unrefereed-preprint
  10. https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/therapeutic-options.html
  11. Onakpoya IJ, Heneghan CJ, Aronson JK. Post-marketing withdrawal of 462 medicinal products because of adverse drug reactions: a systematic review of the world literature. BMC Med 2016;14:10. 10.1186/s12916-016-0553-2 26843061

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