Há algumas semanas me deparei com um comentário, feito em uma página relacionada à medicina, em que uma senhora dizia que médicos deveriam ser presos caso dessem qualquer orientação ou compartilhassem alguma notícia sem que houvesse algum "estudo científico" que comprovasse o que havia sido dito.
O que me causou espanto foi a quantidade de curtidas que o comentário obteve, e o que me deixou ainda mais perplexo foi que, ao observar os perfis de quem havia curtido, pasmem, a maioria era de médicos ou estudantes de medicina. Após refletir alguns dias sobre o comentário, lembrei-me da história do Dr Ignaz Semmelweis, o médico que foi internado em um hospício por insistir na ideia de que deveríamos lavar as mãos.
Ignaz Philipp Semmelweis nasceu em 1818 em Budapeste, capital da Hungria. Concluiu o curso de medicina em 1844 em Viena, capital da Áustria, tendo após isso decidido se especializar em Obstetrícia no Hospital Geral de Viena. Passado o tempo, começou a chamar atenção do Dr Semmelweis o fato de que na primeira clínica de obstetrícia a taxa de mortalidade materna pós-parto era de 10%, já na segunda clínica girava em torno de 4%.
Dr Ignaz Semmelweis. Fonte: Jenő Doby - Benedek, István (1983) Ignaz Phillip Semmelweis 1818-1865, Gyomaendrőd, Hungary: Corvina Kiadó ISBN: 9631314596. plate 15 Ignaz Semmelweis 1860 (Copper plate engraving by Jenő Doby)
A atitude do Dr Ignaz foi, primeiramente, unificar os procedimentos, a distribuição dos equipamentos, etc. Contudo, a diferença entre as taxas de mortalidade continuou significativa. O médico, após um período, constatou que as equipes eram diferentes. Na clínica de mortalidade mais alta, os profissionais eram médicos e estudantes de medicina. Já na de mortalidade mais baixa o serviço era realizado por parteiras.
A explicação encontrada pelo Dr Ignaz foi que os médicos e estudantes de medicina realizavam necrópsias e manuseavam os cadáveres no mesmo hospital antes de realizar o parto, o que poderia causar uma contaminação devido as "partículas cadavéricas". A partir daí o médico instituiu, no Hospital Geral de Viena, a prática de lavagem de mãos com hipoclorito de cálcio para médicos e estudantes de medicina antes de realizarem os partos, o que fez as taxas caírem significativamente já no mês consecutivo, fazendo as clínicas terem taxas semelhantes.
Não obstante, apesar dos bons resultados, a prática não foi bem aceita pelos superiores do Dr. Semmelweis, fato que resultou em sua demissão. O médico retornou para seu país de origem onde passou mais alguns anos colocando em prática sua descoberta, porém sendo novamente desconsiderado e tratado como louco até mesmo por familiares, devido sua insistência na prática de higienização das mãos antes dos procedimentos.
O Dr. Semmelweis foi internado à força, obrigado a usar camisa de forças e colocado em uma cela escura, tendo morrido duas semanas depois por infecção no dedo médio da mão direita, que causou uma infecção generalizada. Sua descoberta só passou a ser tratada com seriedade após o desenvolvimento da teoria de Louis Pasteur acerca dos germes das doenças, que ratificou a importância de técnicas de assepsia em cirurgias.
Por falta de "evidências", o Dr Ignaz Semmelweis foi levado a um hospício, onde morreu. Qual o preço de exigir que recomendações médicas baseadas em conceitos básicos da infectologia, fisiologia, farmacologia, etc. tenham ensaios clínicos randomizados para embasá-las? Quantas vidas foram ou poderiam ter sido salvas no Hospital Geral de Viena pela orientação de higienizar as mãos antes dos procedimentos?
Por fim, resta a dúvida sobre as curtidas do comentário citado no início do texto: será que esses médicos e estudantes desconhecem a história de sua profissão ou realmente concordam em serem presos ou internados por raciocinarem, assim como Ignaz Semmelweis?
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