O texto a seguir foi retirado do site Kevin MD e retrata sobre a triste realidade que todos nós já vivemos ou presenciamos durante a faculdade de medicina e que infelizmente se repete até os dias atuais: a injúria moral. Confira a seguir a tradução do texto, ou clique aqui para acessar o texto original na íntegra.
"Tenho procurado uma maneira de descrever minha experiência como estudante do terceiro ano de medicina até recentemente, quando me deparei com dois novos termos: injúria moral e trabalho emocional. Injúria moral é uma frase cunhada para descrever um insulto à consciência moral ou aos valores de uma pessoa. Acontece como resultado de ações que transgridem suas "crenças e expectativas morais profundamente arraigadas". Foi originalmente usado para descrever os efeitos da guerra em veteranos de combate, mas recentemente foi aplicado a profissionais de saúde. Quando essas transgressões acontecem, elas podem produzir uma ampla gama de emoções, como culpa, vergonha, tristeza, traição ou raiva.
Trabalho emocional refere-se a “intensificar, fingir ou suprimir emoções” para cumprir os requisitos de um trabalho ou situação. Tradução: parecer calmo enquanto você espera ansiosamente ser mandado e desmandado por um assistente, manter um sorriso no rosto depois de receber gritos de residentes ou o tributo emocional cumulativo de estar sempre "ligado" durante as rotações. Talvez essas duas frases combinadas sejam o motivo pelo qual me sinto tão cansado o tempo todo.
Injúria moral é o termo para aquele sentimento que tive em tantas ocasiões ao longo de minhas rotações, quando desejava que um paciente recebesse um tratamento melhor e quando me sentia impotente para fazer qualquer coisa a respeito. É a raiva que senti quando um assistente me disse que a melhor maneira de "lidar" com nosso paciente era remover seus pedidos de dieta; um movimento de manipulação para fazer um paciente “difícil” deixar o hospital. É a dor de estômago que tive quando um residente rotulou nosso paciente de fingimento, quando talvez um pouco mais de paciência, comunicação e mente aberta teriam encontrado uma resposta melhor para os sintomas incomuns dos quais ele se queixou. É a tristeza, a raiva e o ressentimento que sinto cada vez que ouço: "Eu gosto mais quando o paciente está dormindo, porque então você não precisa falar com ele."
Acho que todos nós escolhemos esse trabalho de médico, para ajudar as pessoas, mas algo se perdeu no meio do caminho. No primeiro e no segundo ano da faculdade de medicina, passamos muito tempo falando sobre como tratar o “paciente como um todo”, sobre empatia e sobre o lado humano da medicina. Agora no terceiro ano, sinto que somos encorajados a adotar rapidamente uma nova realidade: a desumanização da medicina. Nós marcamos caixas, tratamos os valores do laboratório e objetivamos os pacientes, em vez de aprender como nos comunicarmos efetivamente com eles. Talvez um termo melhor para isso seja "chicotada moral".
Todas essas experiências têm um preço emocional. Toda vez que tento tratar meu paciente com empatia e compaixão, só para me sentir mal ou envergonhado por isso. (“Você está sendo legal demais.” ”Esse cara é uma perda de tempo.” “Você aprenderá que pacientes como esse não podem ser ajudados.”) Sinto um pedacinho de minha moralidade, minha alma, fraturar, estilhaçar e cair. Eu me pergunto se esses residentes já foram como eu, cheios de otimismo para fazer conexões humanas e ajudar as pessoas. Eu me pergunto se isso é o que acontece com uma pessoa após sofrere injúrias morais repetidas vezes? Estou destinado a acabar assim, cansado e cínico? Perguntas como essas estão constantemente brincando na minha cabeça, junto com: "Eu fiz a escolha errada ao entrar na medicina?" e, "Devo continuar a trilhar esse caminho?"
É aqui que entra o trabalho emocional. Estar constantemente sujeito às desumanidades e indignidades da medicina enquanto mantenho uma boa atitude e um sorriso no rosto é exaustivo. Adicione a expectativa de estar constantemente estudando e a culpa que surge quando estou muito cansado para fazê-lo, isso é uma receita para depressão e ansiedade. Se eu uma vez me perguntei por que a saúde mental entre estudantes de medicina e médicos é tão ruim, não pergunto mais.
Não tenho certeza de como resolver esses problemas. Não tenho certeza de como evitar o esgotamento que sinto que está surgindo tão cedo em minha jovem carreira. Então, por enquanto, tentarei ser otimista sobre a medicina e meu lugar nela. Vou continuar tratando os pacientes como seres humanos: com empatia, compaixão e respeito. E talvez eu tire uma soneca (embora eu realmente devesse estudar). Afinal, sou apenas um estudante de medicina cansado."
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Esse é um texto e autoria de Raina Rappel que é estudante de medicina estadunidense. O texto original pode ser encontrado no site KevinMd, ou clicando neste link. Tradução livre realizada por Diego Arthur Castro Cabral.