Um estudo publicado em JAMA Network Open avaliou como o status ocupacional, o absenteísmo (tempo perdido no trabalho) e o presenteísmo (desempenho durante o trabalho) se relacionam com a qualidade de vida (QV) de adultos sobreviventes de câncer. O levantamento, conduzido por meio de um inquérito transversal, evidencia uma população frequentemente negligenciada na literatura científica: adultos entre(18 a 39 anos no diagnóstico) que sobreviveram ao câncer e estão em fase de reinserção social e profissional.
Anualmente, cerca de 70 mil adultos recebem um diagnóstico de câncer nos Estados Unidos. Embora avanços significativos tenham melhorado os desfechos em crianças e idosos, esse grupo etário não apresentou progresso equivalente na sobrevida ao longo dos anos. Os motivos são multifatoriais: diferenças biológicas dos tumores, barreiras no acesso ao sistema de saúde, baixa adesão a tratamentos, dificuldade em ingressar em ensaios clínicos e carência de suporte social adequado.
Além disso, o câncer nessa fase da vida impacta diretamente momentos cruciais do desenvolvimento pessoal e profissional: conclusão dos estudos, início de carreira, conquista da independência financeira, construção de relacionamentos e inserção social. Por isso, mesmo após a remissão da doença, os desafios permanecem intensos.
O trabalho como marcador de bem-estar
Retornar ao trabalho após o fim do tratamento é mais que uma meta prática: é um marco simbólico de recuperação, reintegração e identidade social. O emprego garante não apenas estabilidade financeira, mas também acesso a planos de saúde, fator crítico nos EUA, onde cerca de 50% da população depende do vínculo empregatício para manter a cobertura médica.
No entanto, sobreviventes enfrentam riscos de desemprego, dificuldade em manter o emprego ou até mesmo baixo desempenho relacionado a sequelas físicas, cognitivas e emocionais do tratamento. Esses fatores influenciam diretamente a qualidade de vida, ainda mais em um cenário agravado por crises como a pandemia de COVID-19.
Principais achados do estudo
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Taxa de desemprego: Cerca de 1 em cada 10 sobreviventes de câncer estava desempregado. O desemprego foi associado a pior qualidade de vida, com maior risco de depressão e insatisfação social.
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Presenteísmo: Entre os empregados, melhor desempenho autorreferido no trabalho correlacionou-se a maior qualidade de vida, incluindo menor ansiedade, depressão, fadiga e distúrbios do sono.
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Absenteísmo: A perda de dias de trabalho esteve ligada a maiores níveis de ansiedade e pior função cognitiva.
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Comparação internacional: Diferentemente de estudos europeus, que mostram maiores taxas de desemprego e incapacidade, nos EUA os índices de retorno ao trabalho parecem mais elevados. Uma explicação plausível é a necessidade de manter a cobertura de saúde vinculada ao emprego.
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Produtividade: Resultados foram mistos. Parte dos sobreviventes relatou perda de produtividade, enquanto outros afirmaram ter desempenho igual ou superior ao de colegas. Contudo, alguns podem ter retornado ao trabalho cedo demais, o que pode comprometer seu rendimento.
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Impacto na QV: O estudo confirmou que tanto o status ocupacional quanto o desempenho no trabalho estão diretamente associados ao bem-estar físico, mental e social.
Os autores defendem a monitorização longitudinal da qualidade de vida, status ocupacional e desempenho no trabalho em adultos sobreviventes de câncer. Propõem ainda a necessidade de intervenções multidisciplinares, incluindo:
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Apoio psicossocial durante a reintegração profissional;
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Programas de aconselhamento vocacional e físico;
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Ferramentas de autoeficácia para negociar adaptações no ambiente de trabalho;
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Comunicação direta com empregadores para ajustar expectativas e responsabilidades.
Estudos anteriores em sobreviventes de câncer de mama mostram que ajustes no local de trabalho aumentam a retenção no emprego. Essa estratégia pode ser igualmente benéfica para jovens sobreviventes.
Limitações e próximos passos
O estudo reconhece algumas limitações:
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Análise de centro único, com possível viés de seleção;
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Desenho transversal, que não permite avaliar causalidade;
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Dados limitados sobre condições crônicas e renda dos participantes;
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Potencial sub-representação de desempregados devido à necessidade de acesso digital para responder ao questionário.
Mesmo assim, os resultados fornecem informações importantes sobre os desafios ocupacionais e de qualidade de vida nessa população. Os autores defendem a realização de entrevistas qualitativas e estudos multicêntricos futuros, capazes de orientar estratégias de prevenção de complicações laborais e melhora da QV.
Referência:
Bhatt NS, Voutsinas J, Winters M, et al. Work Status, Absenteeism, Presenteeism, and Quality of Life in Young Adult Cancer Survivors. JAMA Netw Open. 2025;8(8):e2528882. doi:10.1001/jamanetworkopen.2025.28882