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Manifestações neurológicas da COVID-19

Manifestações neurológicas da COVID-19
Diego Arthur Castro Cabral
abr. 20 - 6 min de leitura
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A mais recente ameaça à saúde global é a pandemia do novo Coronavírus (SARS-CoV-2). A doença causada por esse vírus (COVID-19) foi reconhecida em dezembro de 2019 em Wuhan na china. Foi demonstrado ser causado por um novo coronavírus estruturalmente relacionado ao vírus que causa a síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV). Como nos dois casos anteriores de emergência da doença por coronavírus nos últimos 18 anos - SARS-CoV (2002 e 2003) e MERS-CoV (2012 até o presente) - o surto da COVID-19 apresenta desafios críticos para a saúde pública , pesquisa e comunidades médicas. [1]

Os principais sintomas da COVID-19 incluem febre, tosse seca e fadiga. No entanto, estudos recentes descreveram pacientes diagnosticados com COVID-19 que não evoluíram com sintomas respiratórios típicos no momento de diagnóstico; em vez disso, alguns pacientes infectados exibiram manifestações neurológicas como sintomas iniciais, dentre eles [2,3,4]:

  1. dor de cabeça, lentidão, deambulação instável e mal-estar, que podem ser devidos a manifestações inespecíficas causadas pela COVID-19;

  2. doença cerebrovascular;

  3. infarto cerebral;

  4. outras doenças neurológicas como a síndrome de Guillain-Barré e encefalopatia necrosante aguda.

 

Afinal, existem evidências de manifestações neurológicas?

Em um recente estudo, pesquisadores do Hospital de Huazhong, em Wuhan, China, acompanharam 214 pacientes hospitalizados no período entre 16 de janeiro de 2020 a 19 de fevereiro de 2020 e descreveram e analisaram as manifestações neurológicas de pacientes com diagnóstico laboratorial da  COVID-19 [5]. Os dados foram revisados por uma equipe médica. Os sintomas neurológicos foram categorizados em três áreas principais:

  1. sintomas ou doença do sistema nervoso central (SNC);

  2. sintomas do sistema nervoso periférico (SNP) e,

  3. sintomas musculares.

Todos os sintomas neurológicos foram revisados e confirmados por dois neurologistas treinados e estão resumidos na Tabela 1.

Tabela 1: Manifestações neurológicas encontradas nos pacientes.

Fonte: Neurological Manifestations of Hospitalized Patients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective case series study.

O potencial neuro-invasivo do SARS‐ CoV‐ 2

Como já foi visto, alguns pacientes com COVID-19 também apresentaram sinais e sintomas neurológicos. Evidências demonstram que os coronavírus nem sempre estão confinados ao trato respiratório e que podem invadir o SNC, induzindo doenças neurológicas.

A presença do SARS-CoV de 2002 foi descrita no cérebro de pacientes e animais experimentais, nos quais o tronco cerebral estava fortemente infectado. Além disso, alguns coronavírus foram capazes de se disseminar até o centro cardio respiratório no bulbo, a partir dos mecanorreceptores e quimiorreceptores presentes no pulmão e nas vias aéreas respiratórias inferiores. [6]

Considerando a alta similaridade entre SARS-CoV e SARS-CoV-2, resta esclarecer se uma possível invasão cerebral do SARS-CoV-2 é parcialmente responsável pela insuficiência respiratória aguda de pacientes com COVID-19. A elucidação disso pode ter um significado norteador para a prevenção e tratamento da insuficiência respiratória induzida por SARS-CoV-2. [7]

Outros estudos mostraram que esse novo coronavírus invade células epiteliais respiratórias humanas mediadas por sua proteínas S que se acopla a receptores da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) nas superfícies celulares humanas. A presença do vírus na circulação sistêmica permite que ele possa ser carreado para a circulação cerebral, onde o movimento lento do sangue dentro da microcirculação encefálica pode contribuir como facilitador à interação da proteína S do vírus com os receptores ACE2 expressos no endotélio capilar. Danos ao revestimento endotelial podem fornecer acesso viral ao cérebro. Uma vez nos tecidos neuronais, sua interação com os receptores ACE2 expressos nos neurônios pode iniciar um ciclo de brotamento viral acompanhado por dano neuronal sem inflamação substancial, como foi observado em casos de SARS-CoV no passado. [3,7,8]

O movimento do vírus para o encéfalo também pode se dar por contiguidade através da placa cribriforme próxima ao bulbo olfativo. Ademais, os achados como olfato alterado ou hiposmia em paciente infectado pela COVID-19 descomplicado em estágio inicial, devem ser investigados minuciosamente quanto ao envolvimento do SNC. Interessante destacar que um recente relatório afirma que o hospital  de Beijing demonstrou pela primeira vez a detecção do RNA do SARS-CoV-2 no líquido cefalorraquidiano. [7,9]

Com o recente surto de COVID-19, há uma necessidade urgente de entender o potencial neurotrópico do vírus, a fim de priorizar e individualizar os protocolos de tratamento com base na gravidade da doença e no envolvimento predominante de órgãos nobres como o encéfalo. Além disso, novos protocolos e recomendações devem ser confeccionados à medida que novas evidências científicas surgem a cada momento.

 

Referências

  1. Fauci AS, Lane HC, Redfield RR. Covid-19 — Navigating the Uncharted. N Engl J Med 2020;382:1268–9. https://doi.org/10.1056/NEJMe2002387.
  2. Zhao H, Shen D, Zhou H, Liu J, Chen S. Guillain-Barré syndrome associated with SARS-CoV-2 infection: causality or coincidence? The Lancet Neurology 2020:S1474442220301095. https://doi.org/10.1016/S1474-4422(20)30109-5.
  3. Wang H-Y, Li X-L, Yan Z-R, Sun X-P, Han J, Zhang B-W. Potential neurological symptoms of COVID-19. Ther Adv Neurol Disord 2020;13:175628642091783. https://doi.org/10.1177/1756286420917830.
  4. Poyiadji N, Shahin G, Noujaim D, Stone M, Patel S, Griffith B. COVID-19–associated Acute Hemorrhagic Necrotizing Encephalopathy: CT and MRI Features. Radiology 2020:201187. https://doi.org/10.1148/radiol.2020201187.
  5. Mao L, Wang M, Chen S, He Q, Chang J, Hong C, et al. Neurological Manifestations of Hospitalized Patients with COVID-19 in Wuhan, China: A Retrospective Case Series Study. SSRN Journal 2020. https://doi.org/10.2139/ssrn.3544840
  6. Li, Y.-C., Bai, W.-Z., & Hashikawa, T. (2020). The neuroinvasive potential of SARS-CoV2 may be at least partially responsible for the respiratory failure of COVID-19 patients. Journal of Medical Virology. doi:10.1002/jmv.25728
  7. Baig AM, Khaleeq A, Ali U, Syeda H. Evidence of the COVID-19 virus targeting the CNS: tissue distribution, host–virus interaction, and proposed neurotropic mechanisms. ACS chemical neuroscience. 2020 Mar 13.
  8. Netland, J., Meyerholz, D. K., Moore, S., Cassell, M., and Perlman, S. (2008) Severe acute respiratory syndrome coronavirus infection causes neuronal death in the absence of encephalitis in mice transgenic for human ACE2. J. Virol. 82 (15), 7264−75.
  9. Xinhua. Beijing hospital confirms nervous system infections by novel coronavirus, http://www.china. org.cn/china/2020-03/05/content_75777888.htm (2020, accessed 5 March 2020).

 


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