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Medicina: a venda de um sonho

Medicina: a venda de um sonho
Caio Nunes
mar. 4 - 5 min de leitura
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De todas as formas de se vender um serviço ou um produto a mais sedutora é a venda do sonho. Existem no nosso país milhares de jovens que sonham ser médicos. Grande parte desses, movidos por sentimentos altruístas de ajudar o próximo e melhorar a saúde das pessoas, e também de forma concomitante por sentimentos de ordem sócio-econômica, como, certo status profissional, ganhos financeiros futuros e empregabilidade.

Sabemos que não há vagas nas nossas universidades (sejam públicas ou particulares) para todos que desejam optar por essa carreira e desta forma existe um mercado de alunos em potencial gigantesco o que gera uma especulação grande do mercado de ensino.

O fato é que a faculdade de medicina se tornou "a cereja do bolo" para qualquer empreendedor do ramo de educação. Mensalidades em torno dos 5.000 reais(1) (tão caras quanto as universidades americanas), valorização por tabela dos outros cursos (já que ter medicina é um referencial de certo modo), valorização dos terrenos adjacentes e especulação imobiliária local, venda de serviços (restaurantes, hospedagem, empresas de formatura) e melhora da oferta de profissionais de saúde. É uma mina de ouro. Todo prefeito sonha em ter uma faculdade de medicina em sua cidade.

Com base nos dados de demografia que apontaram que o médico tende a se fixar no local onde fez faculdade ou onde fez residência médica(2), o Ministério da Educação (MEC) liberou licenças para funcionamento de faculdades de medicina em cidades sem a menor estrutura para comporta-las. Algumas cidades do interior da Bahia por exemplo, não contam nem com médicos especialistas no local e já contam com projetos de escola médica aprovado.

Uma vez que as faculdades de medicina e residências médicas já se concentram em sua maioria em cidades com porte maior onde se é possível desenvolver uma carreira de forma digna e com perspectivas de inserção mercadológica para o jovem profissional. O que há que se entender é que o médico irá se fixar onde tiver chances de desenvolver uma medicina de qualidade, com educação continuada e chances de crescimento profissional. Logo a estratégia de criar faculdades de medicina no interior do país para resolver o problema de interiorização de médicos é no mínimo equivocada, no meu entender.

A publicação do relatório de Flexner (3), em 1910 nos EUA, começava a lançar as bases para o ensino médico sistematizado e baseado em conhecimento científico, tirando um pouco da “arte” na medicina e aproximando-a mais de uma técnica científica. Tal relatório ajudou a padronização das escolas médicas, principalmente no sentido de criar uma qualidade mínima para o funcionamento destas. A consequência disto foi o fechamento das menores instituições que não preenchiam os critérios mínimos (parece que em pleno século XXI, no Brasil, estamos indo na direção contrária não é?).

Faltarão alunos? Não! Faltarão laboratórios equipados de anatomia ? Talvez. Faltarão professores? Não para os dois primeiros anos, onde se é permitido aos profissionais da saúde (enfermeiros, fisioterapeutas, dentistas...) ensinarem aos futuros médicos as matérias básicas (anatomia, fisiologia, bioquímica, histologia...).

Faltará um bom internato (parte do curso mais prática e mais relevante para o real aprendizado)? Certamente! Faltará hospital universitário com o mínimo de recursos para o aprendizado decente? Certamente! É só aguardar mais alguns anos e veremos greves estudantis, médicos com formação cada vez pior, aumento do número de processos por erro e degradação profissional.

Por que ao invés de abrirem novas faculdades não seria melhor fortalecer e estruturar as já então existentes? Por que flexibilizar a qualidade em função do interesse mercadológico puro? Por que vender de forma tão leviana um sonho tão nobre, aos nossos jovens? Por que não tentar resolver o problema da interiorização de forma digna com uma carreira estruturada para o profissional médico?

Você que quer ser médico não deixe o temor e a dureza do desafio do vestibular flexibilizar sua meta. Queira o melhor para você e para seus futuros pacientes, estude a instituição que pretende cursar e não se deixe seduzir pelo caminho fácil das universidades fajutas. Não deposite seu sonho e sua cara mensalidade em qualquer cofre. Saúde não é brincadeira e CRM não pode nem deve ser licença para matar.

 

Referências:

  • 1. Disponível em: http://www.escolasmedicas.com.br/mensal.php Acessado em: Agosto - 2014.  
  • 2. CFM/IBGE; Pesquisa Demografia Médica no Brasil, 2011.
  • 3. Flexner, Abraham (1910), Medical Education in the United States and Canada: A Report to the Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, Bulletin No. 4.

 

Texto publicado pela primeira vez na Academia Médica em 2014.


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