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Médicos domadores de elefantes

Médicos domadores de elefantes
Fernando Fernandes
ago. 2 - 5 min de leitura
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Todos nós temos algum parente próximo com alguma condição crônica (Diabetes, Hipertensão, Asma, Obesidade etc.) e todos sabemos como é difícil engajar essas pessoas para que elas tenham bons hábitos de vida e tratem adequadamente de sua saúde.

Muitos destes portadores de doenças crônicas procuram serviços médicos somente quando estão descompensados clinicamente e via de regra procuram por pronto-socorros. Adoram realizar exames, muitos nem retiram seus resultados (aproximadamente 30%), muitos outros são chamados de "sacoleiros", pois ao adentrar num serviço médico trazem consigo sacolas de exames e receitas diversas. 

A história começa com uso irregular dos remédios. Depois que estabilizam a doença, muitos param de tomar os medicamentos ou diminuem a dose, pois acham que já estão bons e não necessitam mais manter a dose adequada. É sabido que menos de 60% dos diabéticos seguem o tratamento adequado e no caso de hipertensos, menos de 40% tratam-se adequadamente.

Quando o tema é perder peso, sair do sedentarismo, melhorar a alimentação...daí a coisa fica feia!

O pior problema é que em nenhum momento esses pacientes se responsabilizam por sua condição clínica e, na maioria das vezes, delegam a responsabilidade de sua situação a um familiar, um enfermeiro ou a um médico, queixando-se sempre que sofrem e que nenhum profissional os conseguem curar.

Lá em 2006, o autor Jonathan Haidt, em seu livro "A Conquista da felicidade" fez uma analogia interessante ao comparar nosso cérebro à cena de um elefante e um condutor. O elefante seria a parte mais primitiva do cérebro e responsável pelos hábitos de nossa vida (inconsciente, automático e que nunca se cansa), enquanto que o condutor seria a área mais avançada do cérebro que lida com os raciocínios lógicos (consciente, decidido, mas cansa-se rapidamente).

Quando se deseja mudar os hábitos (perder peso, começar a correr, ler mais, acordar cedo etc.) o condutor assume o controle, mas cansa-se rapidamente. Depois de alguns dias quem assume então é o elefante interno, que gosta de tudo ao seu modo habitual, que reassume as rédeas e dificulta a mudança de hábitos.

A dúvida que resta para os profissionais e gestores de saúde, que trabalham com este foco, é como engajarem essas pessoas nos seus devidos cuidados e como domar o elefante existente em nós e em todos os crônicos?

Engajamento é a palavra do momento, mas poucos exercem o real sentido de engajar seus pacientes no curso ideal do tratamento e dos cuidados necessários.

Dizem que nos engajaríamos melhor em nossos tratamentos se tivéssemos os profissionais de saúde mais próximos de nós, mas quem gostaria de viver colado em seu médico 24 horas por dia ou a um profissional cobrando o que é certo e errado?

Outros confirmam que ligações telefônicas periódicas reforçam as necessidades dos pacientes em se tratar, mas novamente, quem gosta de receber telefonemas para levar corretivos e orientações que muitas vezes já conhecem? Atualmente, até mensagens já importunam...

Os modelos existentes de engajamento estão falidos!

O real engajamento é responsabilizar a pessoa sobre suas ações e cuidados. Criar a consciência que 100% da responsabilidade é da própria pessoa, no caso o portador de condições crônicas. Os médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e outros profissionais apenas os auxiliarão e oferecerão suporte às suas necessidades, mas NUNCA farão as coisas necessárias pelo paciente.

Essa é a armadilha que quase todos os gestores e profissionais de saúde caem ao tentar tratar um crônico. Cada vez mais, estudos sérios sobre esse tema, vêm demonstrando que o correto é empoderar o crônico (paciente) sobre:

  • sua real condição de saúde;
  • sobre os riscos de não se tratarem;
  • perceber sinais de pioras e descompensações clínicas;
  • saber o momento de procurar um serviço de urgência;
  • facilitar a conveniência de acesso aos serviços de saúde (auto-agendamentos e decisão sobre prestadores).

As abordagens de saúde devem ser consistentes, individualizadas e com progressivo uso de tecnologias que auxiliem o paciente em alertas, lembranças, agendamentos e cumprimento de metas sobre sua saúde (gamification).

Não se iluda que o crônico só obterá informações de um profissional de saúde, pois o Dr. Google é muito mais acessível nesse sentido. O que é preciso fazer é orientar sobre como o doente utilizará essas informações a seu favor. Mostrando o que é ideal e o que é mito ou incorreto.

Sempre lembro de minha avó contando que adorava ir aos seus médicos, pois gostava do cafezinho da recepção e de ver seus médicos bonitões, mas estava sempre confusa em como se tratar e em relação ao que tomar quanto aos remédios. Muitas vezes nem sabia quais doenças estava tratando. Infelizmente, muitos pacientes nem sabem porque vão aos seus médicos e que doenças têm.

Os profissionais de saúde, cada vez mais, se tornarão "coaches" de seus pacientes. Fiéis tutores que apontarão o caminho correto que cada paciente tem que percorrer para suas mudanças de hábitos e cuidados.

Já estamos vivendo essa revolução no setor há alguns anos, mas precisamos deixar de ter a postura de "pais mimadores de seus filhos", para termos a postura de "professores conscientes" e que ajudam os pacientes a domarem seus elefantes!

 

Fernando Fernandes

Médico, Empreendedor e Administrador em Saúde

 


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