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Médicos estão frente a frente com epidemia de violência brasileira

Médicos estão frente a frente com epidemia de violência brasileira
Fernando Carbonieri
mai. 28 - 6 min de leitura
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Médicos estão frente a frente com epidemia de violência brasileira

Todos nós médicos estamos expostos à violência. Isso é uma premissa do brasileiro, mas é uma realidade diária em  nossa profissão.

Durante a faculdade, já no 3º ano (ou antes), quando começamos a fazer estágios nas urgências e emergências dos hospitais-escolas, vislumbramos os efeitos da violência urbana no dia a dia do médico. A realidade diária põe em cheque os seus anseios profissionais, pois desde muito novos vislumbramos que somos (médicos e demais profissionais da urgência e emergência) a segunda linha de profissionais que dão suporte às vítimas, atrás apenas da polícia.

A partir desse período começamos a ser forjados para trabalhar com a miséria humana. Nossa rotina passa a ser as tentativas de assassinato, os homicídios, as tentativas de suicídio, os acidentes de trânsito, os alcoolizados, os drogados e os pacientes psiquiátricos. Claro que também atendemos os pacientes com doenças não originadas na violência, agudas e crônicas. Porém, quase podemos afirmar que o atendimento às "doenças naturais" são metade ou menos da metade dos atendimentos de um hospital geral de grande porte.

Passados os períodos de estágios clínicos e cirúrgicos, passamos pelo menos mais 8 meses no internato imersos nesta realidade. Aprendemos a gostar de atender pacientes oriundos do trauma. Principalmente aqueles em que uma cirurgia de urgência é necessária, ou aqueles que estão em choque hipovolêmico que precisam de medidas intensivas para a sua ressuscitação. Aprendemos também que a morte causada pela violência é proporcional a sorte do paciente. Sorte em "cair" em um hospital com recursos humanos e físicos adequados. Aprendemos ainda que, muitas vezes, mesmo com sorte, estes pacientes encontram o destino fatal.

Nos formamos e saímos para o mercado de trabalho. Aceitamos empregos em urgências e emergências que não possuem a mínima estrutura que estávamos acostumados durante a faculdade. Não temos mais professores para confiar, residentes para colaborar, colegas para se apoiar. Assumimos (como no meu caso) plantões em hospitais que não possuem laboratório ou raio x instantâneo, parcos medicamentos e com profissionais que não foram treinados para o atendimento ao trauma. Rezamos para que após o primeiro atendimento, consigamos transferir aquele paciente grave - com risco iminente de morte - o mais rápido possível.

Aí começa outra guerra. Com hospitais terciários lotados, que sofrem também com a falta de recursos, passamos preciosos minutos no telefone tentando arranjar vaga com a regulação.

É assim o dia todo, todos os dias.

Mas voltemos ao Mapa da Violência do Brasil, que você pode baixar em pdf AQUI.

As conclusões do estudo são:

  • De 2002 a 2012 o número de acidentes de trânsito aumentou 38,3% ( 38.288 para 46.581 ); quando consideramos o aumento populacional, o aumento foi de 24,5%
  • no mesmo período, o aumento absoluto no número de homicídios no Brasil foi de 13,4 ( 49.695 para 56.337 )
  • O número de suicídios também aumento muito - 33,6%

Segundo o autor do estudo:

..., em relação aos homicídios, a situação de equilíbrio instável pós-campanha do desarmamento, já apontada em mapas anteriores. Poucas Unidades Federativas, mas de grande porte, com base em políticas e investimentos significativos ao longo do tempo, conseguem diminuir seus índices de assassinatos: nove UFs entre 2011 e 2012, mas na grande maioria: 18 Ufs, os índices aumentam.

Nos acidentes de trânsito, a mortalidade continua sua espiral de crescimento praticamente incontrolável, tomando com base quase exclusiva a morte de motociclistas. Entre 2002 e 2012 as taxas só caem em duas Unidades da Federação: Roraima e Distrito Federal. Entre 2011 e 2012 só Mato Grosso experimenta uma leve queda."

Cabe ainda pontuar, que somando todos as mortes violentas o Brasil sofre de uma epidemia. A taxa de morte violenta no país é de 58/100.000 habitantes em 2012, um aumento de 13,4% em apenas 10 anos.

Em números absolutos, em 2002 morreram 90.709 pessoas devido à violência; em 2012 o número de mortes violentas foi de 112.709. Um aumento de 24,25%.

Vale apontar ainda, que se fosse um indicador, a soma das mortes violentas (trânsito, homicídios e suicídos) seria a causa de marte mais comum dos brasileiros. Estaria acima das doenças cerebrovasculares, que mataram, em 2010, 99.159 mil brasileiros.

Isolados, os homicídios estariam em 3º lugar, a frente das pneumonias e diabetes; os acidentes de trânsito estariam em 6º lugar, a frente das doenças hipertensivas (7º); e, os suicídios, ocupariam a 20º posição.

A pesar de tudo isso, continuamos nossa vida, prestamos esse tipo de atendimento, muitas vezes ( a maioria, infelizmente ) em condições absurdas. Aceitamos empregos que nos pagam mal, que não pagam nem os direitos previstos na Lei brasileira. Somos vítimas da precariedade da educação de um povo que não se importa com os demais ou com a falta de recursos; que acredita que você é o único responsável em, literalmente, salvar-lhes a vida; que não entende que a demora no atendimento se deve a esforços para "ressuscitar" a vida de mais uma vítima desses indicadores absurdos.

tira feita por Solon Maia, Médico residente em anestesiologia e criador do blog Meus Nervos tira feita por Solon Maia, Médico residente em anestesiologia e criador do blog Meus Nervos

fontes: Mapa da violência, IBGEMapa da Violência 2014. Os jovens do Brasil”

 


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