Um estudo publicado em 30 de maio de 2025, em JAMA Network Open traz uma importante inovação para o cuidado pediátrico hospitalar: um novo modelo de aprendizado de máquina, chamado pCREST (Pediatric Critical Risk Estimation and Stratification Tool), foi desenvolvido para prever com alta precisão eventos clínicos críticos em crianças hospitalizadas, independentemente da unidade em que se encontrem, seja no pronto-socorro, enfermaria ou UTI pediátrica.
Atualmente, os hospitais pediátricos utilizam ferramentas específicas para cada setor com diferentes propósitos: triagem no pronto-socorro, risco de mortalidade na UTI, ou transferência para UTI a partir da enfermaria. Essa compartimentalização pode gerar avaliações fragmentadas, dificultando o acompanhamento contínuo do risco clínico da criança ao longo da internação. Além disso, a performance dessas ferramentas tende a diminuir quando aplicadas fora de seu contexto original.
O pCREST rompe com essa lógica ao oferecer uma única ferramenta de estratificação de risco hospitalar, aplicável de forma uniforme em todas as unidades hospitalares, proporcionando uma visão contínua do estado clínico do paciente pediátrico.
O que o pCREST prevê?
O modelo foi treinado para prever eventos críticos que ocorrem em até 12 horas após qualquer nova medida de sinal vital ou resultado laboratorial, incluindo:
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Início de ventilação mecânica invasiva,
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Administração de medicamentos vasoativos,
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Óbito hospitalar.
Esses eventos, quando ocorrem, aumentam significativamente o risco de morte e sequelas neurofuncionais de longo prazo em crianças sobreviventes, além de serem frequentemente não reconhecidos a tempo para intervenções eficazes.
Destaques e descobertas do estudo
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Desempenho superior: O pCREST superou modelos tradicionais, como o Bedside PEWS e o pCART, inclusive durante validações temporais e externas.
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Aplicação multicêntrica: O modelo foi desenvolvido e testado com dados de diferentes hospitais, aumentando sua generalizabilidade.
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Atualizações em tempo real: O modelo utiliza os dados mais recentes de sinais vitais e exames laboratoriais, sem depender de imputações, o que facilita sua integração em sistemas eletrônicos de prontuário.
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Interface simples: O pCREST pode ser traduzido em uma escala de 0 a 100, facilitando a interpretação clínica e a definição de thresholds para alertas.
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Fatores preditores relevantes: Os dados mais importantes para a predição foram FiO₂, frequência cardíaca, temperatura, frequência respiratória e a localização do paciente no hospital, esta última refletindo a complexidade assistencial.
Utilidades clínicas do pCREST
O modelo oferece uma série de aplicações práticas:
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Monitoramento contínuo de risco ao longo da internação.
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Apoio à decisão clínica no momento da admissão, transferência ou alta de unidade.
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Melhoria na comunicação entre equipes ao criar um modelo mental compartilhado de risco.
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Apoio ao planejamento institucional, com dados para alocar melhor os recursos assistenciais.
Limitações e próximos passos
Embora promissor, o estudo apresenta limitações:
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Natureza retrospectiva e dependência da qualidade dos dados inseridos no prontuário eletrônico.
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Validação futura necessária para outros desfechos de deterioração além dos eventos críticos definidos.
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Preocupações éticas quanto à equidade do modelo entre diferentes grupos populacionais, necessidade de explicabilidade e segurança de dados.
O pCREST representa um avanço importante na integração entre ciência de dados e medicina pediátrica. Com ele, torna-se possível identificar precocemente crianças em risco elevado de deterioração clínica, oferecendo uma ferramenta robusta e aplicável em tempo real para intervenções oportunas e melhores desfechos. A sua adoção pode significar um passo decisivo rumo à continuidade assistencial e à segurança do paciente pediátrico.
Referência:
Strutz S, Liang H, Carey K, et al. Machine Learning for Predicting Critical Events Among Hospitalized Children. JAMA Netw Open. 2025;8(5):e2513149. doi:10.1001/jamanetworkopen.2025.13149