No meu aniversário deste ano ganhei de presente de uma amiga
muito querida a mais recente obra escrita por Antônio Drauzio Varella, um dos
mais conhecidos e bem-quistos médicos brasileiros. Profissional que, no auge dos seus
quase 80 anos, ainda faz atendimentos para pacientes carcerários, trabalha
diariamente na divulgação de informações sobre saúde pelas redes sociais e –
pasmem! – ainda corre maratonas.
O autor inicia a escrita descrevendo a noite em que recebeu
a notícia de que havia sido aprovado no vestibular de Medicina. A partir de então,
Drauzio segue recordando acontecimentos de sua vida pessoal e profissional
em um vai e vem temporal, passando pela imigração de sua família ao Brasil, o
nascimento dele e de seus irmãos, o adoecimento de sua mãe por miastenia gravis
(o oitavo caso registrado no Brasil), a vida após seu falecimento, as brincadeiras
de infância...
Ao longo de sua narrativa, o médico teve o cuidado de
inserir curiosidades sobre a história das ciências e da Medicina, todas muito
interessantes e contadas muitas vezes com uma pitada de humor. Além disso, ele
trouxe as percepções de como foi ser estudante e médico durante os anos de
ditadura, ver a ascensão da epidemia de HIV, a criação do SUS, a implementação dos
medicamentos quimioterápicos e o início de sua carreira como médico voluntário
de prisões, melhor retratada em outra obra, “Estação Carandiru”.
Drauzio foi professor de um cursinho pré-vestibular enquanto
cursava Medicina. Não somente professor, mas ele e um amigo fundaram um curso
preparatório de muito sucesso, acontecimento que ele julga ter sido
imprescindível para o desenvolvimento de suas habilidades de comunicação. Além
disso, ao longo de sua trajetória profissional, o médico participou como
fundador e coordenador do Projeto Rio Negro, atualmente Projeto de Pesquisa de
Produtos Naturais, que visa estudar a atividade farmacológica de plantas
amazônicas.
Ao longo da obra, o oncologista também relata o crescimento
da utilização da biotecnologia nas ciências da saúde; papel crucial que a
genômica tem no entendimento das doenças e em seu correto tratamento;
homenageia os profissionais da enfermagem; descreve as sensações que teve ao
adoecer por febre amarela; e debate sobre diversos dilemas éticos que perpassam
a nossa profissão. Por fim, Drauzio registra os fatos que permearam os últimos
anos no que diz respeito ao combate à pandemia de Covid-19.
O livro “O exercício da incerteza – memórias” caiu como uma
luva para o início do meu último ano do curso de Medicina. Repleta de
inseguranças, dúvidas e medos, conhecer um pouco mais sobre a trajetória de um
profissional tão renomado (e de suas angústias) me fez realizar que estou no
caminho certo. Como disse William Osler, “a medicina é uma ciência da incerteza
e uma arte da probabilidade”. Eu diria também que, além disso, é a arte da
humildade, do cuidado, da sensatez e da dedicação.
Ao escrever sobre o sentimento de culpa e insuficiência que rodeia os travesseiros de médicos – “se eu tivesse solicitado tal exame/ prescrito tal remédio/ adiado tal cirurgia, talvez meu paciente não tivesse morrido” – Drauzio completa: “O conhecimento e a experiência aumentam a complexidade das escolhas, as inseguranças, as divergências e as incertezas inerentes a elas. Quanto mais velho e experiente fico, mais dúvidas carrego”.
Termino este texto com uma recomendação: ao ler “O exercício da Incerteza”, não
busque ter pressa ou certezas. Leia, releia, questione, grife, anote, feche o livro, digira as
informações e reflexões, volte a ler. Após tê-lo lido, tenho toda a certeza (ou
incerteza?) de que serei uma eterna estudante de Medicina, estudante de vida, estudante de histórias.