Nós estamos vivendo um momento de guerra que não sabemos quem é nosso inimigo ao certo. O U.S. Army War College utilizou um conceito para explicar o mundo no contexto pós-Guerra Fria. Esse conceito já em bem conhecido no mundo da gestão e negócios: o acrônimo VUCA. Este conceito envolve volatilidade (V – volatility), incerteza (U – uncertainty), complexidade (C – complexity) e ambiguidade (A – ambiguity).
Os efeitos clínicos e econômicos do coronavírus são voláteis, incertos, complexos e ambíguos. No mundo executivo isso se dá pela exponencialidade do tudo que está acontecendo, envolvendo startups, saúde 4.0, indústria 4.0, UX (User eXperience)... já era sabido que o negócio não que fosse exponencial estava fadado a um futuro ruim. Esse é o status quo do momento.
No meio do caminho apareceu uma pedra. Coronavírus! Um vírus até então conhecido, só que agora com um comportamento diferente. Ele se tornou exponencial. Uma baita ironia. Em tempos do ser exponencial era a sobrevivência das empresas, surge um vírus exponencial. E toda uma catástrofe de eventos clínicos, sociais, econômicos, éticos, previdenciários e filosóficos vieram à tona.
A preocupação com o que está por vir é imensa. Cada país ou região tem sua preocupação em particular. Os asiáticos já têm o costume de trabalhar à noite, feriados e aos fins de semana, o retorno econômico ao patamar anterior será menos doloroso de fato. Trabalharão enlutados pela morte dos amigos, familiares e conhecidos, mas trabalharão. No Ocidente, principalmente para os latinos, muda um pouco de figura. Harari também já havia discutido essa questão do mundo pós-COVID.
Essa pandemia serve para mostrar a forma como somos e estamos inseridos nas sociedades local e globalizada. O conceito de consciência na medicina engloba a percepção do que somos diante do meio, da forma como o meio pode nos influenciar e de como reagimos, então em qualquer circunstância diferente disso há uma alteração da consciência. Nossa consciência de sociedade sofrerá mudanças. Mas cada região de um jeito diferente.
A Europa, ao contrário do que muitos pensam, tem um lado bem conservador quanto a tecnologia. A Ásia sempre foi à frente. Se analisarmos do ponto de vista de preparo tecnológico nisso tudo, realmente quem tem maior aparato tecnológico saiu na frente. Eu não estou falando da tecnologia de equipamentos da era da revolução industrial, não! Eu estou falando do que a tecnologia representa nos dias de hoje, a tecnologia de conexão, wearables, Big Data, Machine Learning, Inteligência Artificial...
Dessa forma a China chega em abril com tudo voltando ao normal, bem como alguns países vizinhos que investiram na mesma direção, como Japão e Coreia do Sul. Esses países têm uma gerência de dados impressionante. No Brasil, o sistema de saúde tem muitos dados em Word, Excel e softwares afins. O sistema de saúde brasileiro, da forma como ele existe, dentro de um sistema de gerenciamento de dados, seria fantástico, para não dizer exponencial. Era a oportunidade que tivemos para tomar a frente.
É possível ver uma mistura do antigo com o novo na Europa, porém é um novo relacionado ao que a revolução industrial proporcionou. Já a Ásia (China, Japão, Coreia do Sul, Taiwan especificamente) é possível ver o que a revolução digital proporcionou. Quem conhece a região pela primeira vez fica vislumbrado, pois descobre que está em um spoiler do desenho dos Jetsons, da Hannah Barbera, como se visse o futuro que nos aguarda aqui no ocidente.
Em Salvador, na Bahia-Brasil, já há reconhecimento facial dos foliões durante o maior evento do planeta, o Carnaval. Na China já existe sistemas de pagamentos semelhantes. Na Europa ainda solicitam o PIN com números reduzidos nos cartões. A falta de dados (ou melhor: a não valorização dos dados asiáticos pela Europa) tá colocando a Europa nessa situação. O Brasil tem um meio termo entre os dois primeiros mundos, mas, em tempos de COVID-19, posiciona a saúde como inimiga da economia. Será que a corrupção tem contribuído, propositalmente, para isso?
A questão sobre a Europa se sustenta quando vemos que eles estão agonizando sobre suas próprias ações. Vítima de uma autoconfiança desproporcional, do desconhecimento de que existe um “resto” de mundo que poderia ajudá-lo. Aliás, a história se repete, afinal, sabemos o que esse tipo de sentimento gerou com os países do Eixo na Segunda Guerra Mundial. Nessa região os jovens têm cabeça de “velhos”, mesmo que questionadores do Estado. Em oposição, os jovens asiáticos têm medo do Estado. Assumem posturas diferentes num jogo de xadrez.
Na China o estado não pergunta o que a população quer, já na Europa, plebiscitos são comuns desde a Roma antiga. Ford (aquele dos carros americanos) já havia declarado que “se perguntasse o que as pessoas queriam de verdade, elas iriam falar que queriam cavalos mais velozes” e, assim, surgiu a fabricação de carros em série. Um pouco do american way of life quando a América era uma terra de oportunidades na China atual?
Outras epidemias virão. Piores? Menos piores? Previsíveis? Imprevisíveis? Não sei, mas há uma certeza de que precisaremos estar mais preparados para a próxima. Isolamento horizontal, vertical, transverso, intermitente... não interessa. Os dados e forma e velocidade de coleta destes diante de uma nova situação deve ser imediata e padronizada. Esse vírus está sendo exponencial. As próximas deverão ser exponenciais? Também não sei. Mas uma coisa é certa: nossas atitudes e mudanças também deverão ser exponenciais. Para isso, precisamos acertar um padrão de resposta imediata, precisamos mudar muita coisa.
O povo latino comunica-se tocando, uns aos outros. Em época que álcool em gel é artigo de moda, esse hábito será mantido? Não tenho dúvidas que sim! Talvez o hábito de higiene mais constante seja um novo padrão. Diante da conjuntura atual, se o epicentro dos casos fosse aqui, o estrago seria maior.
Dados
A forma de coleta e padronização, ultrapassando fronteiras, será uma necessidade. Os mesmos dados que sustentam a saúde, sustentam a economia. Não são setores ambíguos, são complementares e devem ser analisados como tal.
Política
Novas formas de poder existirão? Algo entre democracia e ditadura? Capitalismo social? Os asiáticos erraram quando tentaram amenizar o que estavam acontecendo, mas atuaram rapidamente quando se deram conta do erro. Os italianos, no auge da elevada autoconfiança, não quiseram aprender com o erro dos outros. Teriam pago um preço menor. A Europa muda? Acho difícil, daqui a 100 anos errarão de novo. Ainda aposto na Estônia e Finlândia para uma nova ordem política, mais digital e mais clean. A política de exceção não deve prevalecer, realmente.
Economia
O que podemos esperar a curto, médio e longo prazos? Os EUA e Europa vão sofrer muito, terão ritmos de retorno diferentes. Depois teremos alguma nova economia global despontando? A China assume o lugar isoladamente? Outro país? E o Brasil? Trabalho com mercado financeiro há 12 anos, o IBov já mostrava tendência de queda antes do vírus chegar às Américas (nada desses juízes traders lançando a culpa no coronavírus), e o que fez cair mais ainda foram a queda dos juros americanos e a decisão da OPEP com o petróleo. A economia precisa ser mais transparente e menos histérica.
Saúde
Pessoas mais preocupadas com a saúde, priorização de dados, modo e velocidade de ver e analisar os dados em saúde, novos gadgets... era o motivo que a telemedicina precisava. Um boom de wearables e insedeables agora. Novos profissionais de saúde: matemáticos, estatísticos, health data scientist, health economist, health designer... Dispositivos e materiais médicos serão prioridade? Fábricas de carros poderão fazer ventiladores mecânicos? Cervejarias poderão fazer álcool em gel? No Brasil, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) precisa se rever como função. Não serve para muita coisa, senão propagar o medo e a burocracia, sem estudos técnicos apropriados. As pesquisas serão mais ou menos rigorosas?
Aglomeração
É um problema fora desse momento? Ônibus (olha o uber helicóptero ai)? Shows (teve cantor dando show em casa por live pra todos)? Famoso canal de televisão cancelou as novelas, algo que a fez famosa no mundo todo (qual solução? Avatares?).
China
Viveremos agora a exportação do “Chinese way of life” (中国人的生活方式), tipo um trial version free por 90 dias do socialismo chinês? Teremos uma corrida pra aprender o chinês? Já tinha essa previsão, agora tenho uma certeza. Na Grécia, faça como os gregos, então aprender uma língua daria uma maior visão e entendimento de como os chineses constroem e enxergam as coisas e o que podemos esperar no futuro.
Se deixarmos apenas no campo das perguntas, pessoas politicamente obscuras vão tentar assumir as rédeas de toda essa transformação, enquanto as mais sensíveis ficarão enlutadas por um tempo. Então cabe a nós desenhar parte desse processo, para que tenha um caminho mais seguro e confortável, sem anseios individuais. Se estamos diante de um mundo VUCA, sermos exponenciais nas respostas é lei.
Também publicado também neste link.
Quer escrever?
Publique seu artigo na Academia Médica e faça parte de uma comunidade crescente de mais de 160 mil médicos, acadêmicos, pesquisadores e profissionais da saúde. Clique no botão "NOVO POST" no alto da página!