“ La veritá solo fu figliuola del tempo “ ( Leonardo da Vinci)
Ele estava sentado junto à escrivaninha e colocou seus óculos para ler o Jornal: o dólar subindo, uma presidente estouvada aumentando em 2 anos o curso de Medicina, importação de médicos cubanos para o SUS, a fome do mundo, vaidades incontidas, carros e mais carros invadindo as cidades, crianças abandonadas, a cura do câncer...
Ele retirou os óculos. Fechou os olhos. Quis que o mundo parasse para ele descer.
Fez uma reflexão saudosa do tempo que passou pela sua vida: “ a vida é curta , a arte longa, o julgamento difícil....”
Passou as mãos pelos cabelos brancos e escassos.
Olhou seus olhos e sua retina cansada refletida na janela e viu as rugas que vincavam sua face.
Apanhou uma foto à sua frente e se viu com a esposa, ambos ainda jovens e as crianças.
Como o tempo passou rápido. As crianças, hoje, são todas adultas. Ele sempre tão ocupado com os pacientes, nem percebeu as crianças crescerem. Todos na Universidade. Alguns já casados e com filhos.
Ah! Os netos! Era como se voltasse a ser pai novamente. Com mais experiência, com mais doçura e sem pressa...
Sua mão, de repente, se deteve no estetoscópio que estava sobre a escrivaninha.
Aquele velho estetoscópio do velho médico...
Ganhou de presente do seu avô quando ainda era acadêmico do primeiro ano de medicina – foi o presente mais significativo que havia ganhado em toda a sua vida!
E repetiu aquele gesto de colocá-lo na orelha e sobre o seu próprio peito escutando o seu coração que agora batia mais forte.Recuperando uma emoção de quando era um médico novel e queria ajudar as pessoas.
A mesma emoção hipocrática e pura do relacionamento humano interpessoal com o doente que sofre. Que precisa ser cuidado.
Que precisa das nossas mãos sobre o seu corpo. Que precisa, também, que escutemos o que tem para nos falar.
Será que o velho médico, velho professor de medicina, ainda poderia, hoje em dia, ensinar alguma coisa para seus estudantes de medicina?
Será que aquele velho gesto de colocar o seu estetoscópio sobre o peito de um paciente ainda significaria alguma coisa para essa nova geração tão sufocada com o tecnicismo cada vez mais sofisticado?
Tudo passa na vida. A vida é breve e frágil. E para cuidar da fragilidade da vida é que existe o médico. Lembrou-se de alguns pacientes que morreram apesar de ter sido feito todo o possível. Lembrou-se de colegas, alguns muito marcantes e que foram paradigmas para ele. Outros se afastaram pelos conflitos de interesses e torvelinhos da vida. As doenças passam e mudam. Algumas amizades acabam, outras recomeçaram.
Só o tempo e o amor transforma o coração dos homens.
A medicina é a ciência das verdades transitórias como a própria vida.
O jovem médico repetirá o mesmo e sempre longo, árduo e áspero caminho da Medicina. Porém, será deles a esperança de transformar, melhorar e dar alegria ao caminho tão corrompido pela estupidez das políticas delirantes dos governos e das ideologias que não combina com a saúde.
E ali ficou, o velho médico, escutando o seu coração que batia acompanhando os segundos do tempo que passa, inexoravelmente, e não volta mais...
Publicado primeiro na Revista do Médico Residente
João Carlos Simões é Fundador e Editor Científico da revista do médico residente do CRMPR, Preceptor da Residência Médica em Cancerologia Cirúrgica do HUEC e professor de Cancerologia do Curso de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná