Todo médico deve informar ao paciente ou ao seu representante o seu estado de saúde, diagnóstico, prognóstico e formas de tratamentos indicados para aquela doença, bem como é obrigado a aceitar a vontade do doente ou de quem por ele for responsável.
Da mesma forma, nem um paciente é obrigado a aceitar qualquer procedimento terapêutico, mesmo quando este for necessário à preservação de sua vida e de sua integridade física, conforme reza o Artigo 15 do Código Civil.[1]
Esclarecida, em termos claros e em linguagem simples, toda situação ao doente ou seu representante, cabe a ele decidir se permite ou não a realização do tratamento ou do experimento; para isso, deve o paciente estar em pleno gozo de suas faculdades mentais, lúcido e ciente das implicações de sua recusa.
A autorização, nos casos de tratamento conhecido e aceito pela sociedade médica, não precisa ser expressa, ou seja, se o paciente se conduzir de maneira que seus atos não se mostrem contrários à aceitação da terapêutica indicada, estará ele aceitando tacitamente a sua execução.
Já nos casos dos experimentos, entende-se ser necessária a autorização expressa por meio do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, uma vez que o meio terapêutico esteja em fase probatória, o remédio acarreta risco de insucesso, ou seja, alguns de seus resultados e efeitos ainda estão em estudos, podendo causar prejuízos à saúde ou à integridade de quem a ele for submetido.
O médico, caso venha a desrespeitar a vontade do paciente, assumirá todos os riscos de produzir um resultado danoso, inclusive podendo sofrer sanções penais, pois lhe é vedado dispor livremente do corpo alheio.
O Artigo 100 do Novo Código de Ética Médica afirma que é vedado ao médico:
“Deixar de obter aprovação de protocolo para realização de pesquisa em seres humanos, de acordo com a legislação vigente.” E o Artigo 101 diz, de igual forma, que é vedado ao médico: “Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa.”
Porém, nem tudo é simples assim. A questão torna-se um tanto quanto complexa nas situações em que há o envolvimento da transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová. Alguns entendem que, mesmo havendo a possibilidade de superveniência da morte do paciente se a transfusão não for realizada, não pode o médico atuar contra a vontade do doente ou de seu representante. Mas, o entendimento majoritário é de que a saúde e a integridade física são bens indisponíveis, devendo o médico proceder à transfusão mesmo contra a vontade do doente evitando-se, assim, a sua morte.[2]
Outra situação peculiar ocorre quando a família, injustificadamente, impede a realização do tratamento indispensável à manutenção da vida do doente. Deve, nestas situações, o médico explicar que esta interferência sem justo motivo pode ser causa de responsabilização criminal, podendo, inclusive, haver suprimento judicial de tal autorização.[3]
No entanto, apresentando-se um determinado paciente cuja urgência ou emergência na intervenção impossibilite a busca da obtenção do consentimento, em tempo hábil, deve o médico proceder à execução do tratamento[4], pois sua omissão poderia dar causa à responsabilização criminal por omissão de socorro. Mas, sobrevindo dano decorrente desta conduta, poderá o médico ser inquirido pela sua conduta culposa.
Sobre o tema, vejamos o que diz Fernanda Schaefer:
É importante lembrar que, para o mundo jurídico, o não esclarecimento ou a insuficiência das informações prestadas ao paciente sobre o seu estado de saúde e as formas e consequências do tratamento fazem com que o consentimento dado nestas situações seja considerado inexistente, pois se presume que, se o paciente tivesse sido melhor instruído, talvez não tivesse consentido com aquele experimento e ou tratamento. Mesma consequência jurídica haverá quando constatada a presença de vício no consentimento (dolo, coação, simulação ou fraude). O médico tem sempre o dever de estabelecer rígida comparação entre os riscos e os benefícios decorrentes do tratamento, respondendo por atuação desnecessária ou desvirtuada. (2012 p. 80)
É importante ressaltar que o consentimento está limitado àquela atuação dentro dos padrões normais da Medicina; portanto, não exime o médico de responsabilidade civil e/ou penal quando daquele tratamento ou experimento sobrevier um dano por erro médico evitável.
Como pode ser observado, o termo de consentimento para o tratamento experimental é de uma importância ímpar, pois o médico tem o dever de informação.
Sobre isso o Superior Tribunal de Justiça, por meio do Resp nº 1540580/DF sob Relatoria do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão entende que:
Há uma relação de serviço especial entre médico e paciente, cujo objetivo engloba deveres anexos, de suma relevância, para além da intervenção técnica dirigida ao tratamento de enfermidade, entre os quais está o dever de informação.
O dever de informação é a obrigação que o médico possui junto ao paciente, devendo esclarecer sobre os riscos daquele tratamento, suas vantagens e desvantagens, a única exceção e quando a informação possa afetar psicologicamente o paciente, ocasião em que a comunicação deve ser feita ao seu representante legal.
Conclui-se, portanto, que a precaução é o melhor remédio para se evitar acusação de falta de autorização para tratamento ou experimento, assim podemos aconselhar aos médicos que documentem a concordância do paciente ou de seu representante legal de forma clara e objetiva e que, se possível, o faça na frente de testemunhas, pois a medicina é uma ciência não exata e não se pode garantir o êxito nos tratamentos experimentais.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 jan. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo RESP 1540580 – DF. A 4º Turma proveu o recurso especial parcialmente, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator Luis Felipe Salomão, os quais o acompanharam Srs (as). Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [2018]. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1719802&num_registro=201501551749&data=20180904&peticao_numero=-1&formato=PDF>. Acesso em: 15 fev. 2021
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Conselho Federal de Medicina, Brasilia. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp>. Acesso em: 27 jan. 2021.
SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil do médico e erro de diagnóstico. 11ª. ed. Curitiba: Juruá, 2012. 232 p.
[1] Art. 15 do CPC – “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica.”
[2] Art. 13 do Código Civil – “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar em diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante na forma estabelecida em lei especial.”
[3] Havendo tempo hábil, deve primeiramente o médico ou hospital comunicar o Ministério Público e o Poder Judiciário para que supram a falta de autorização; sendo impossível, devido a emergência do caso, o médico proceder à transfusão, pois a lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 assim o autoriza.
[4] Art. 146 do CP – “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe reduzir a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ele não manda.
Pena – detenção de três meses a um ano, ou multa.
§ 3º Não se compreende na disposição deste artigo:
I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida.”