Escrito por Evaldo d’Assumpção para o Conselho Federal de Medicina.
Com mais de meio século de vivência médica, posso afirmar que nossa profissão é composta de três tipos de médico, os quais descrevo a seguir, suscintamente.
O médico por vocação
É aquele que sempre quis ser médico e desde criança nunca titubeou em afirmar seu propósito. Passaram-se os anos e ele percorreu, com persistência, os caminhos para alcançar seu objetivo. Formado, recebeu o diploma como a realização de sua vida. Dedicou-se com afinco ao seu trabalho, exercendo a profissão com empenho, pois aliviar sofrimentos, curar doenças e salvar vidas não tem dia nem hora marcada. Cuidou dos enfermos e consolou seus parentes com total dedicação e carinho. Soube ouvir os que sofrem e seus familiares, cuidando para nunca demonstrar cansaço, menosprezo ou desatenção. Nesse processo sacrificou seus ganhos financeiros, valorizando mais o cuidar do outro do que a si próprio. Chamado de idealista, às vezes até pejorativamente, mas isso não o abala. Sua vocação é sua convicção. Feliz, mesmo enfrentando dificuldades e desconfortos, é MÉDICO, totalmente escrito com maiúsculas.
O médico profissional
Já o profissional tem a vocação para a medicina somada à obstinada preocupação de ser o melhor. Todavia, sua força propulsora vem de denodada busca por fama e fortuna. Trata com perícia seus pacientes, mas impõe sempre uma rotina de trabalho que lhe permita oportunidades de reconhecimento e renumeração. Sua disponibilidade para os enfermos é limitada ao necessário para a execução do seu trabalho. Logo forma uma equipe, o que não lhe é difícil pela notoriedade conquistada e pela pletora de médicos recém-formados. Logo transfere a parte rotineira e burocrática para seus assistentes, tornando-se quase inacessível aos clientes uma vez ultrapassada a fase crítica do tratamento. Aos auxiliares caberá a parte supostamente secundária. Daí as constantes queixas de que ele é competente, porém difícil de ser contatado pelos clientes e familiares. Sempre está com a agenda lotada ou viajando para congressos e reuniões médicas, dando aulas, apresentando trabalhos. Isso lhe dá notoriedade e generosos espaços na mídia, tudo proporcionando-lhe polpudos rendimentos e posição privilegiada nos ambientes que frequenta. Quase sempre é, sem dúvida, um ótimo profissional médico, mas como humanista hipocrático fica muito a desejar, sendo alvo cobiçado e fácil para espertos advogados e clientes insatisfeitos.
O médico oportunista
O oportunista nem sempre tem vocação para a medicina. Geralmente o que tem é um pai, um tio ou um sogro médico, ou então um mecenas que possui hospital, clínica, laboratório ou qualquer estrutura médica já montada, na qual ele terá um emprego garantido, fazendo-o supor que não haverá obstáculos a vencer. Geralmente forma-se em uma escola de medicina de segunda ou terceira categoria, com poucas exigências. Tampouco lhe importa uma boa residência, uma sólida formação numa especialidade. Só lhe interessa o diploma que legalizará o seu futuro e, depois, o dinheiro que irá ganhar, não se incomodando com o que e como irá fazer para tal. São os que mais contribuem para a péssima qualidade da assistência médica que impera em nosso País, pelo quase total desprestígio dos bons profissionais dessa área e pela judicialização cada vez maior da medicina.
Cada um, ao se olhar no espelho, saberá bem onde se situa.