O avanço da inteligência artificial na medicina tem sido impressionante, mas sua implementação na prática clínica ainda enfrenta desafios significativos. Um dos principais obstáculos é a aceitação por parte dos pacientes, que muitas vezes não possuem informação suficiente para formar uma opinião sólida sobre o uso da IA em sua própria jornada de cuidado, o que pode gerar resistência.
Para compreender melhor essas percepções, um estudo publicado no JAMA Network Open, reuniu respostas de 13.806 pacientes em 43 países, oferecendo uma das maiores análises globais já realizadas sobre o tema. O levantamento identificou um sentimento predominantemente positivo em relação à IA, embora moderado: cerca de 50% dos entrevistados demonstraram aceitação. Esse número cresce entre os mais familiarizados com tecnologias, como aqueles que utilizam vários dispositivos eletrônicos semanalmente.
Um dos achados mais relevantes do estudo é a diferença na aceitação da IA com base no estado de saúde do paciente. Aqueles com condições crônicas ou em situação de saúde mais frágil demonstraram maior desconfiança e resistência. Os autores sugerem que isso pode estar relacionado à depressão associada à doença crônica ou a experiências negativas anteriores com o sistema de saúde. Outro fator potencial é a sensação de perda de autonomia, pacientes mais vulneráveis podem se preocupar com o fato de que sistemas automatizados venham a substituir decisões humanas que impactam diretamente sua saúde.
IA como ferramenta de apoio, não substituição
Outro ponto essencial revelado pelo estudo é a clara preferência dos pacientes por sistemas de IA que atuem em conjunto com médicos, e não de forma autônoma. Apenas 4,4% dos entrevistados apoiaram a ideia de um sistema totalmente automatizado, sem supervisão médica. Os dados confirmam que a maioria dos pacientes quer que a IA sirva para aumentar as capacidades do médico, mantendo o relacionamento humano e a supervisão clínica como pilares centrais do cuidado.
O estudo também revelou que os pacientes preferem modelos de IA mais transparentes e explicáveis, mesmo que apresentem menor precisão, em comparação com sistemas mais acurados, mas "caixa preta". Esse desejo por clareza e compreensão é compartilhado por médicos: estudos prévios já indicaram que a confiança dos profissionais de saúde na IA está diretamente ligada à sua capacidade de entender como o sistema toma decisões.
A proposta do “Paciente no Loop”
Diante disso, os autores defendem um modelo que inclua o paciente como parte ativa no desenvolvimento e na aplicação das tecnologias de IA, o chamado patient-in-the-loop. Isso não apenas aumenta a aceitação, mas garante que as ferramentas estejam alinhadas com os valores e as expectativas dos usuários finais. Combinado a um modelo physician-in-the-loop, em que o médico continua como decisor final, esse arranjo representa um caminho equilibrado para a integração da IA na medicina.
A principal mensagem é clara: a IA será melhor aceita quando for percebida como um reforço à relação médico-paciente, e não como uma substituição. O cenário atual mostra um campo fértil para avanços, desde que a transparência, a explicabilidade e o envolvimento ativo dos pacientes e profissionais de saúde estejam no centro das soluções desenvolvidas.
Com o tempo, à medida que mais pacientes tiverem contato com tecnologias baseadas em IA em seu dia a dia, espera-se um aumento na aceitação e familiaridade com essas ferramentas. O estudo aponta para um futuro promissor, mas alerta: a confiança é construída com participação, comunicação clara e respeito à autonomia dos indivíduos.
Referência:
Griot MF, Walker GA. A Patient-in-the-Loop Approach to Artificial Intelligence in Medicine. JAMA Netw Open. 2025;8(6):e2514460. doi:10.1001/jamanetworkopen.2025.14460