Em 31 de dezembro de 2019, a China relatou um conjunto de casos de pneumonia de causa desconhecida que mais tarde seria identificado como síndrome respiratória aguda grave causada pelo coronavírus 2 (SARS-CoV-2).
Pacientes com a doença, chamada doença do coronavírus 2019 (Covid-19), frequentemente apresentam febre, tosse e falta de ar dentro de 2 a 14 dias após a exposição.[1-3] Em 03 de abril de 2020, haviam 1,095,208 casos confirmados de Covid-19 registrados globalmente e 58,795 mortes.[4]
O Ministério da Saúde (MS) confirmou no dia 26/02/2020, o primeiro caso de novo coronavírus em São Paulo. Um homem de 61 anos com histórico de viagem para Itália, região da Lombardia.[5] Desde então, pouco mais de um mês após o primeiro caso, temos no Brasil 9.056 casos confirmados e 359 óbitos causados pela Covid-19, em 03/04/2020.[6]
Apesar de toda a preocupação com a pandemia do novo coronavírus, dados recentes preocupam para outra velha conhecida da população brasileira: a dengue.
Segundo o boletim epidemiológico 14 do MS, até a semana epidemiológica (SE) 1 e 13 (29/12/2019 a 28/03/2020), foram notificados 484.249 casos prováveis (taxa de incidência de 230,43 casos por 100 mil habitantes) de dengue no país. Em 2019, até a SE 7 (30/12/2018 a 16/02/2019), foram registrados 105.606 casos prováveis de dengue, com uma incidência de 50,7 casos/100 mil habitantes. No mesmo período de 2018, foram registrados 32.594 casos prováveis.[7,8]
Pelo terceiro ano consecutivo há um aumento nos casos totais de dengue. Agregado a isto, temos a relação entre a taxa de óbitos causada pelo coronavírus e causadas pela dengue, que demonstra a elevada mortalidade da Covid - 19, como apresentado na tabela abaixo com dados retirados do MS.
A dengue é um antigo problema mundial e brasileiro
O mosquito transmissor da dengue é originário do Egito, na África e vem se espalhando pelas regiões tropicais e subtropicais do planeta desde o período das Grandes Navegações. Admite-se que o vetor foi introduzido no Novo Mundo, no período colonial, por meio de navios que traficavam escravos.
Ele foi descrito cientificamente pela primeira vez em 1762, quando foi denominado Culex aegypti. O nome definitivo – Aedes aegypti – foi estabelecido em 1818, após a descrição do gênero Aedes. No Brasil, os primeiros relatos de dengue datam do final do século XIX, em Curitiba (PR), e do início do século XX, em Niterói (RJ).
Segundo o MS, a primeira ocorrência do vírus no país, documentada clínica e laboratorialmente, aconteceu em 1981-1982, em Boa Vista (RR), causada pelos vírus DENV-1 e DENV-4. Desde então, a dengue vem ocorrendo no Brasil de forma continuada com maiores picos durante os seis primeiros meses do ano que apresentam maior índice pluviométrico e maiores variações de temperatura.[9]
A dengue é uma arbovirose que dá origem a doença infecciosa emergente causada por vírus pertencentes ao gênero Flavivirus e transmitida por meio da picada do mosquito pertencente ao gênero Aedes. O vírus possui quatro tipos presentes no Brasil: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4.
A infecção pelo vírus da dengue causa uma doença de variado espectro clínico, apresentando desde formas brandas a quadros clínicos graves, em alguns casos com manifestações hemorrágicas. O Aedes é o principal vetor do vírus no país, tratando-se de um mosquito com hábitos diurnos, antropofílico e essencialmente urbano, que se desenvolve principalmente em depósitos de água. A principal medida de controle da doença é o combate ao vetor.[10]
Algumas relações entre a dengue e a Covid-19
A dengue e a Covid-19 são difíceis de distinguir porque compartilham muitas características clínicas e laboratoriais, principalmente em regiões onde a dengue é endêmica. Apesar disso, dois estudos trazem aspectos importantes na distinção entre as doenças. Em um trabalho recente, Beuy joob e Viroj Wiwanitki descreveram (pela primeira vez) um caso de Covid-19 apresentando Rash cutâneo e baixa contagem de plaquetas no sangue periférico (características marcantes na dengue).[11]
Uma equipe de pesquisadores de Singapura liderados pelo Dr Gabriel Yan, descreveram na prestigiosa revista “The Lancet Infectious Diseases” dois casos de pacientes sem nenhum histórico de viagens ou contatos relevantes para a Covid- 19 que apresentaram febre, tosse, trombocitopenia, mialgia, diarreia e nenhuma alteração presente na radiografia de tórax da primeira semana.[12]
Testes rápidos para sorologia de dengue (IgM e IgG) foram realizados nos pacientes e ambos acusaram positivo para dengue, sendo assim, foram submetidos aos protocolos de tratamento para dengue. No entanto, com o passar dos dias, houve piora do quadro geral (principalmente por dispneia) e da imagem no raio-x de tórax que levou os médicos a suspeitarem de Covid-19 e realizar testes por PCR-RT a partir de um swab nasofaríngeo que acusou positivo para Covid-19 nos dois casos.
Diante deste novo cenário os pesquisadores deduziram que os testes iniciais que acusaram para dengue foram falso-positivos e retardaram a terapêutica para tratamento mais adequado dos pacientes.
Vemos com preocupação o aumento anual do número de casos de dengue no Brasil, associado a esse problema também presenciamos o advento da pandemia da Covid-19 no país. Os estudos demonstram clara relação entre alguns achados clínicos e laboratoriais nestas doenças que crescem em números alarmantes.
Deixar de considerar a Covid-19 por causa de um resultado positivo no teste rápido para dengue pode acarretar sérias implicações não apenas para o paciente, mas também para a saúde pública. Contudo, apesar de tais dados alarmantes devemos considerar que durante a pandemia em vigor o número de casos que possuem tal correlação entre as doenças é muito baixo.
Medidas como o isolamento social e o combate aos criadouros do mosquito se apresentam como as mais efetivas no combate a estas doenças. Reduzir a transmissão em ambos os cenários é a medida ideal e incentivada pelo Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde.
Zelar pela saúde pública, reduzindo a transmissão das doenças, é dever de todos e reflete em ganhos no sistema de saúde, na economia e na sociedade como um todo. Com isso, apesar de termos duas doenças que preocupam e apresentam aumento nos números de casos, barrar a transmissão destes vírus é um compromisso de todos e o caminho mais efetivo para o sucesso na luta contra esses agravos.
Referências
- World Health Organization. Pneumonia of unknown cause — China. January 5, 2020 (https://www.who.int/csr/don/05 -january-2020-pneumonia-of-unkown -cause-china/en/).
- World Health Organization. Novel Coronavirus — China. January 12, 2020 (https://www.who.int/csr/don/12-january -2020-novel-coronavirus-china/en/).
- Zhu N, Zhang D, Wang W, et al. A novel coronavirus from patients with pneumonia in China, 2019. N Engl J Med 2020;382:727-33.
- World Health Organization. Coronavirus disease 2019 (COVID-19): situation report — 63. March 23, 2020 (https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200330-sitrep-70-covid-19.pdf?sfvrsn=7e0fe3f8_4).
- Brasil confirma primeiro caso da doença. https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de-novo-coronavirus (accessed March 31, 2020).
- Coronavírus Brasil. https://covid.saude.gov.br/ (accessed March 31, 2020).
- Boletim Epidemiológico. Monitoramento dos casos de arboviroses urbanas transmitidas pelo Aedes (dengue, chikungunya e Zika), Semanas Epidemiológicas 14, 2020, Secretaria de Vigilância em Saúde— Ministério da Saúde, volume 51, 2020. ISSN 9352-7864
- Boletim Epidemiológico. Monitoramento dos casos de Arboviroses urbanas transmitidas pelo Aedes (dengue, chikungunya e Zika) até a Semana Epidemiológica 7 de 2019, Secretaria de Vigilância em Saúde— Ministério da Saúde, volume 50, 2019. ISSN: 2358-9450
- Dengue. n.d. http://www.ioc.fiocruz.br/dengue/textos/longatraje.html (accessed March 30, 2020).
- Gomes AD, Barbosa LC, de Assis TS, Carvalho FD. Avaliação da qualidade da informação disponível sobre a dengue em portais brasileiros da rede mundial de computadores. Educação & Tecnologia. 2015 Feb 11;18(3).
- Wiwanitkit V. COVID-19 can present with a rash and be mistaken for Dengue. Journal of the American Academy of Dermatology. 2020 Mar 22.
- Yan G, Lee CK, Lam LT, Yan B, Chua YX, Lim AY, Phang KF, Kew GS, Teng H, Ngai CH, Lin L. Covert COVID-19 and false-positive dengue serology in Singapore. The Lancet Infectious Diseases. 2020 Mar 4.
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Nota do editor: esse foi o décimo texto mais lido da comunidade Academia Médica no ano de 2020 e foi publicado no dia 04/04/2020.