Pode parecer polêmico, entretanto, existem diversas situações em que o médico pode, sim, recusar-se a prestar atendimento ou interromper tratamento já iniciado, sem que tal recusa se configure em omissão, sujeita a punição ética ou judicial.
Os incisos VII, capítulo I e IX, capítulo II do Código de Ética Médica (Resolução CFM n° 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019) preveem que:
“VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.”
“IX – Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.”
Cumpre esclarecer que tal prerrogativa é a chamada “objeção de consciência”, tratando-se de direito fundamental previsto pelo art. 5º, inciso VI da Constituição Federal, na qual ocorre a recusa de uma pessoa ao cumprimento de deveres incompatíveis com suas convicções morais, religiosas, políticas ou filosóficas e salvaguarda princípios morais inalienáveis, o respeito à autonomia plena e consciente da pessoa e a sua liberdade. Essa valorização da objeção de consciência, para ser considerada juridicamente válida, não pode se pautar em meros caprichos pessoais, subjetivismos, intolerância ou obstinação.
Nesse contexto, se faz necessário esclarecer acerca da objeção de consciência do médico, onde este pode se recusar a cumprir determinado preceito legal arguindo um imperativo proibitivo de sua consciência[i], contrariando assim a vontade do paciente, sendo essa prerrogativa derivada de preceitos morais, éticos, religiosos ou mesmo pessoais que de alguma forma possam constranger ou gerar uma crise de consciência do médico, como, por exemplo, realizar um aborto, mesmo que legalmente amparado, se tal ato vai de encontro às suas convicções pessoais.
São inúmeros os médicos que se vêm atendendo em locais da rede pública sem a menor condição e estrutura para prestar o devido atendimento, com riscos à integridade dos pacientes e à sua própria, tanto no que concerne à saúde, higiene, quanto à falta de segurança. Nestes casos em que resta plenamente comprovada a total falta de condições de exercer o trabalho de maneira digna e segura, deve o profissional informar com a maior brevidade possível acerca das condições extremas as quais está submetido, seja ao diretor técnico da instituição ou ao próprio CRM, tal como encontra-se disposto no Capítulo II do Código de Ética Médica 2019[ii]:
“IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver.
Não raro ainda, são os casos em que os médicos se deparam com pacientes que vão ao consultório, se submetem a tratamentos, todavia não seguem devidamente às prescrições que lhes são repassadas, sempre atrasam nos retornos ao consultório ou deixam de fazer os exames necessários para aprofundar o diagnóstico, e ainda têm a capacidade de dizer que o tratamento não está dando resultado, como se a culpa fosse de responsabilidade exclusiva do médico e não da conduta do paciente.
Nestes casos, percebendo o médico que o paciente apresenta uma conduta resistente ao tratamento que lhe está sendo aplicado, nada obsta que proceda o encaminhamento deste paciente a outro profissional da mesma especialidade, ou área correlata, desde que tome as devidas cautelas, tais como: informar ao paciente de forma clara que está fazendo o seu encaminhamento para outro profissional tendo em vista a necessidade de uma segunda avaliação de seu quadro clínico; fazer o encaminhamento por escrito ao profissional previamente indicado e qualificado para o tipo clínico do paciente e, por fim, disponibilizar de imediato o prontuário do paciente, formulando termo de entrega e colher sua assinatura.
Vale a pena destacar, mais uma vez, que a recusa previamente justificada do médico em proceder aos atendimentos já mencionados, somente poderá ocorrer nos casos em que haja possibilidade de o paciente ser atendido por outro médico e que não haja risco de vida iminente ao paciente.
Referências
[i] COEM, item IX, Capítulo dos Direitos Médicos: “recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.”
[ii] Resolução CFM n° 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019.
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