Eu era uma máquina.
Acordava rotineiramente as 4 da manhã, o milagre já começara cedo, eram quinze minutos de banho, quinze minutos de leitura, trinta minutos de exercícios físicos. Às 5 da manhã, já havia resolvido metade dos meus afazeres.
A faculdade começava às 7 horas. Até as 6 horas revisava o assunto que ainda seria dado naquela manhã. Durante a aula, tirava dúvidas mais específicas do assunto. Às 13 horas voltava para casa, revisava todas as aulas e já estudava antecipadamente para os assuntos do dia seguinte.
18 horas? Eu já havia revisado e estudado o necessário.
Hora da meditação, das 18 às 19, era o tempo de relaxar. Ás 20:00, abria minha planilha e preenchia cada horário do dia seguinte com as atividades pertinentes a cada momento: exercício, meditação, estudo, revisão.
Havia um prazer enorme em imprimir aquela planilha branca de bordas pretas e ao longo do dia ir riscando as caixinhas com as atividades já cumpridas. Ao fim de toda semana, observar aqueles traços enormes que indicavam que o dia fora completamente cumprindo como planejado.
O sábado servia para pesquisas, artigos e projetos de extensão. Não estava sequer no meio da graduação e já houvera produzido mais artigos que alguns professores. Minha produção era ascendente, a cada semestre, mais artigos em revista de maior fator de impacto e relevância. Domingo, era o dia de antecipar os assuntos das aulas de segunda-feira.
Fui laureado, o acadêmico mais produtivo da universidade. Houvera contribuído para meia centena de publicações científicas, fato nunca ocorrido na instituição. Um polímata, dominei dos marcadores oncológicos, normas de segurança do trabalho, até os sopros cardíacos que identificava com a intimidade tal como se fossem músicas que ouvi na infância.
O curso estava quase chegando ao fim, e eu produzia cada vez com mais qualidade, as planilhas estavam cada vez mais sofisticadas, com horários mais demarcados e escassos.
Fui então tomado por uma angústia latente, a planilha de horários começou a estar desatualizada, nas bases de dados meus números de publicações despencaram. Não havia mais prazer em cumprir horários, o milagre não acontecia mais as 4 da manhã, abandonei livros e artigos, grupos de pesquisa e capítulos de livros. Faltei aulas. Sumi por 2 semanas.
Percebi que fui uma máquina, que chegando aos derradeiros momentos da graduação apenas: produzi, produzi, produzi.
Por fim, de tanto produzir, de tanto buscar a alta produtividade, acabei transformando-me em produto. Resumido a algumas medalhas, notas, números e índices. Optando por ter alto fator de impacto sobre os outros e relevância nula frente ao meu próprio espelho.
Deixei então de ser máquina.