Em qual momento da história, o exercício médico perdeu o controle sobre as relações financeiras entre o paciente e seu médico? Quando foi dado aval para convênios intermediarem essa relação? A resposta está vinculada a alguns fatores e, em grande parte, pela concorrência, comodismo, falta de interesse, ou mesmo desconhecimento administrativo e econômico.
Em uma sociedade onde a liberdade pressupõe recursos que trafegam em mão dupla, percebemos que a concorrência molda o mercado. Definindo rumos nem sempre favoráveis aos interesses médicos individuais.
A formação médica alicerçada a boas escolas, trazendo à tona o empenho vocacional, focado nos preceitos hipocráticos, remete a ideia de que a profissão é um sacerdócio. Mas, nem por isso, distanciado dos interesses financeiros. Até porque a história revela que ao longo do sacerdócio uma remuneração é vinculada ao seu exercício. Há quem diga que isso deva ser objeto secundário ou menos importante.
Ledo engano achar que a relação, com foco financeiro entre médico e paciente, seja algo proibido. Contudo, a formação médica não tem trazido recursos acadêmicos para quem está se formando. Saber lidar com isso é de grande importância ética.
Colocar o médico à frente do seu paciente, no momento oportuno, debatendo uma relação que inclui o debate financeiro, deve ser ensinado. A crença, no entanto, é que esse assunto deve ser reprimido. Existem tabus e desvarios, colocando o médico à margem de um embate que existe. Daí surgiram as cooperativas dando a falsa ilusão de que o médico necessitava de uma intermediação financeiro-administrativa para lidar com situações proibitivas.
Essa ideação equivocada, acabou por favorecer a inúmeros deslizes, muitas vezes vinculados a valores menos nobres, corrupção e descumprimento moral. Interesses desvirtuados que alavancaram indústrias farmacêuticas e de equipamentos médicos as colocaram no topo dos empreendimentos de sucesso.
Nenhum médico deveria se curvar a esses desvarios!
Discute-se por anos a fio a criação das tabelas justas, em que a valoração do trabalho médico seja digna. Contrapondo os anos de formação, especialização, distanciamento da família, noites rompidas. Inúmeras tabelas e nenhum consenso conseguido.
A intermediação, na verdade, vem colocando o médico cada vez mais distante do seu paciente. É um contrassenso, por exemplo, um médico receber um valor inferior ou superior pela acomodação diferenciada do seu paciente. O procedimento não é o mesmo? As horas de dedicação, dificuldades, conhecimento técnico não são os mesmos? Quem permitiu isso? As respostas para essas perguntas resumem-se na simples conivência ou desinteresse de uma das partes.
Da parte do paciente, isso não faz muita diferença, mas do médico, sim, pois é ele que deveria codificar sua valoração pessoal. Para isso, bastaria seguir o código de ética médica, onde se discute o assunto. Artigos que deixam bem claro que é vedado ao médico receber remuneração de serviços profissionais a preços vis ou extorsivos, inclusive através de convênios.
O médico, frente a um mercado livre, dá a ele o direito de seguir o caminho que deseja. Trabalhado de forma ética e correta, pode seguir o rumo que for melhor. Contudo, há que se respeitar a liberdade e o espaço do outro. As relações para se reequilibrarem de forma justa e verdadeiramente eficaz devem excluir os interesses de empresas que desrespeitem isso. Há que se ter coragem para romper grilhões e a ilusão dos "enchedores" de consultórios a preços vis e extorsivos. Do contrário, serão meros espectadores de uma relação onde não mais farão parte.
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