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Relato de caso: Evolução da Hemorragia Digestiva Alta Varicosa: Encefalopatia Hepática e Choque Hipovolêmico

Relato de caso: Evolução da Hemorragia Digestiva Alta Varicosa: Encefalopatia Hepática e Choque Hipovolêmico
Danielle Granja Serpa
dez. 9 - 7 min de leitura
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Resumo

A Hemorragia Digestiva Alta Varicosa (HDAv) é um sangramento intraluminal, localizado em estruturas situadas entre a porção superior do esôfago e o ligamento de Treitz, em decorrência da ruptura de varizes gastroesofágicas. Possui uma alta taxa de morbidade, e sua mortalidade varia de 10% à 14% dos pacientes que apresentam este quadro.

Atualmente, a endoscopia digestiva alta (EDA) é o método diagnóstico padrão-ouro da HDAv, possuindo também alta sensibilidade e especificidade como instrumento terapêutico.

Relata-se o caso de um paciente de 62 anos, portador de cirrose alcoólica e esteatose hepática, que evoluiu com complicação de HDAv, seguido de choque hipovolêmico hemorrágico, que se beneficiou do método endoscópico para controle do quadro.

Abstract

High Varicose Digestive Hemorrhage is an intraluminal bleeding, located in structures between the upper portion of the esophagus and the ligament of Treitz, as a result of ruptured gastroesophageal varices. It has a high morbidity rate, and its mortality varies from 10% to 14% of patients with this condition.

Currently, upper digestive endoscopy (EDA) is the gold standard diagnostic method for high varicose digestive hemorrhage also having high sensitivity and specificity as a therapeutic tool.

We report the case of a 62-year-old patient with alcoholic cirrhosis and hepatic steatosis, who evolved with HDAv complications, followed by hemorrhagic hypovolemic shock, who benefited from the endoscopic method to control the condition.

Introdução

O sangramento gastrointestinal alto varicoso, mais conhecido como hemorragia digestiva alta varicosa, é uma complicação grave da cirrose hepática alcoólica, resultado da ruptura de vasos colaterais originados por um aumento do gradiente pressórico entre veia cava inferior e veia porta (hipertensão portal). Quando esta elevação é maior que 5mmHg, o quadro torna-se patológico.

A fisiopatologia deste aumento pressórico da circulação portal, é explicada pelo dano intra-hepático a nível celular causado pelo álcool, principalmente pela produção de metabólitos tóxicos (acetaldeído) aos hepatócitos. Adicionalmente, a elevação do gradiente pressórico portal culmina na gênese de vasos colaterais portossistêmicos, denominadas varizes gastroesofágicas.

As manifestações clínicas da HDAv são diversas, porém, algumas merecem destaque quando há agravamento da doença para choque hipovolêmico hemorrágico. Os sintomas e sinais do exame físico resumem-se em: melena (90% dos acometidos), dor epigástrica de forte intensidade, hematêmese, palidez difusa, taquicardia, hipotensão, abdome globoso, com presença de ascite e abaulamento abdominal, submacicez móvel, circulação colateral na região periumbilical visível.

A ascite é caracterizada pela presença do chamado sinal do Piparote, ou seja, o movimento ondulatório de líquido acumulado no abdome, percebido quando se percute um dos flancos.

Também é importante citar sobre o sinal de Flapping, que consiste na percepção de um tremor no punho quando este é colocado na posição de dorsiflexão.

O método diagnóstico padrão-ouro é a endoscopia digestiva alta, também bastante utilizada para a terapêutica da patologia. O escore de Glasgow Blatchford é útil nesta etapa diagnóstica para avaliar a necessidade ou não da EDA, levando em conta os seguintes parâmetros: hemoglobina, pressão arterial sistólica, frequência cardíaca (FC), ureia sérica, presença de melena, síncope ou episódios cardíacos e hepáticos prévios. Uma pontuação maior que 0, caracteriza urgência na realização da EDA. Para avaliação das peculiaridades do sangramento, faz-se uso da escala de Forrest, utilizando-se dos parâmetros qualitativos da hemorragia à seguir listados: sangramento em jato, ativo em porejamento, coto vascular, pontos de hematina, entre outros.

Cerca de 35% dos pacientes com cirrose e hipertensão portal, evoluem para o sangramento dessas varizes, sendo este responsável por um terço das mortes em pacientes cirróticos.

Relato do Caso

Paciente, 62 anos, do sexo masculino, etilista, tabagista de longa data, aderente de alimentação hipercalórica (esteatose hepática), portador de diabetes mellitus tipo 2, e cirrose hepática alcoólica, é admitido em nosso serviço médico relatando que, no período da manhã, ao evacuar, apresentou forte dor abdominal, progredindo para quadro de perda súbita de consciência. A acompanhante do doente afirma que encontrou o mesmo desmaiado no local,  percebendo a presença de sangue vivo na cavidade oral, e melena no vaso sanitário.

No exame físico, foi possível observar que o paciente encontrava-se em regular estado geral, descorado em duas cruzes de quatro, ictérico, edemaciado, desidratado, e com ginecomastia bilateral. A pressão arterial de entrada era de 92/60 mmHg, frequência cardíaca de 130 bpm, frequência respiratória de 25 ipm, e saturação de oxigênio em 92% em ar ambiente. Também evidenciou-se a positividade de sinal de Flapping (sugerindo encefalopatia hepática), assim como rebaixamento do nível de consciência (Escala de Coma de Glasgow 13/15). 

A avaliação cardíaca mostrou os seguintes parâmetros: bulhas regulares normofonéticas em dois tempos, com presença de sopro sistólico no foco mitral, extrassístoles, e teleangectasias. No aparelho respiratório, a expansibilidade pulmonar  bilateral estava preservada, com existência de crepitações em base pulmonar direita.

Já no exame abdominal, observou-se presença de massa palpável em região periumbilical, abaulamento,  abdome globoso, ascite (sinal de Piparote positivo), submacicez móvel difusa, espaço de traube ocupado, e visível circulação colateral em região periumbilical.

Foi identificado quadro de choque hipovolêmico por hemorragia digestiva alta por ruptura de varizes esofágicas, optando-se pelo manejo inicial a seguir descrito: suporte de oxigênio com cateter de oxigênio, reposição volêmica com soro fisiológico 0,9%,  antibiótico (ceftriaxona) para profilaxia de broncoespasmo, inibidor de bomba de prótons,e terlipressina. Foram solicitados exames de controle (hemograma completo, marcadores hepáticos e renais, gasometria arterial e venosa, coagulograma, perfil hemodinâmico, radiografia a beira leito e ecocardiograma ) 

Realizou-se EDA de urgência, não sendo necessária a passagem de balão gastroesofágico. O procedimento foi bem-sucedido, e o paciente evoluiu de maneira satisfatória. Orientou-se ao mesmo a realização de acompanhamento rigoroso pós-intervenção, além de mudança de hábitos previamente praticados.

Discussão e Conclusão

A HDA é definida como uma urgência clínica, a qual apresenta significativa mortalidade quando o controle se faz de forma tardia e incorreta. Essa complicação é vista de forma relativamente frequente no pronto-socorro, e seu diagnóstico minucioso é importante para evitar evoluções desfavoráveis, e até mesmo, o óbito do paciente.

O reconhecimento dos sinais e sintomas específicos do quadro apresentado é imprescindível para a que a conduta mais adequada seja tomada pelo profissional da saúde, a fim de prevenir desfechos indesejáveis.

A EDA de urgência, apesar de pouco disponibilizada nos hospitais, torna-se procedimento essencial na terapêutica destes pacientes. Sendo assim, o encaminhamento rápido e eficiente para um centro provido deste serviço é fundamental para uma boa evolução em quadros como este.

Referências Bibliográficas

MARTINS, Angelica et al. Hemorragia digestiva alta diagnóstico e tratamento: uma revisão de literatura. PRM Journal, Belém, PA, Brasil, ano 2019, v. 3, n. 07, p. 1-7, 2 maio 2019. DOI 10.4322/prmj.2019.007. Disponível em: https://prmjournal.org/article/10.4322/prmj.2019.007/pdf/prmjournal-3-2-e07.pdf. - Acesso em: 29 nov. 2021.


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