A responsabilidade civil dos estabelecimentos hospitalares costuma seguir o preceito constitucional da responsabilidade objetiva. A responsabilidade civil foi introduzida no Brasil por José de Aguiar Dias (1997), o qual assevera que
toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade (p. 20).
A responsabilidade civil tem seu fundamento no fato de que ninguém pode lesar interesse ou direito de outrem[1].
A responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse jurídico em virtude do descumprimento de uma norma jurídica pré-existente, contratual ou não. E nesse caso, a lei busca reconstituir o ordenamento jurídico violado.
Segundo Silvio de Salvo Venosa (2003), o termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deve arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar.
Ao passar do tempo foi visto entre os juristas uma grande insatisfação, pois nem sempre o lesado conseguiria provar a culpa do agente, seja por desigualdade econômica, seja pela cautela excessiva dos magistrados, vindo a se tornar essa prova impossível.
Com isso, o direito passou a desenvolver teorias que preveem o ressarcimento do dano, em alguns casos, sem a necessidade de provar a culpa do agente que a causou, sendo essa forma de responsabilidade chamada de teoria objetiva da responsabilidade civil.
A simples existência do dano sem indagar a culpa é a característica da responsabilidade objetiva. Ou seja, não é necessário a presença da culpa a estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado ao lesado.
As entidades hospitalares enquadram-se nessa teoria, pois o lesado “paciente” não precisa se aplicar a comprovar a culpa, pois essa prova recai sobre as entidades.
Neste caso a atitude culposa ou dolosa do profissional é pouco relevante, pois desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, tenha este último agido ou não culposamente[2].
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) também rege a responsabilidade civil hospitalar em seu art.6, inciso VIII, onde obriga a instituição a provar que não agiu com culpa, ou seja, independente do que aconteça, o ônus probatório sempre será da instituição, até que se consiga provar que o erro não partiu dela, pois cumpriu com todos os procedimentos de forma adequada.
O tema é de tanta relevância que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se debruça constantemente sobre o assunto, pois a responsabilidade hospitalar é motivo para uma grande demanda de ajuizamento de ações.
Em caso análogo, o STJ julgou objetivamente a responsabilidade do hospital por prejuízos causado ao paciente tendo em vista infecção hospitalar por que veio a causar graves sequelas, dentre elas incapacidade permanente para andar (RESP. n. 1.377.652/SP, 2018).
O ambiente hospitalar por si só já está propenso a riscos, pois existe várias situações em que os profissionais que ali trabalham estão expostos, inclusive os pacientes, assim o controle de riscos e a capacitação é fundamental para reduzir qualquer chance de ameaça a saúde dos que ali estão.
Um dos elementos mais importantes que deve estar sob controle é a “infecção hospitalar”, porém é uma tarefa árdua, pois é praticamente impossível se manter um ambiente com nível zero de infecção, assim sendo, a equipe de Comissão de Controle de Infecção deve trabalhar arduamente para dirimir esse risco a níveis mínimos, assim preservando todos que ali estão.
Outro ponto bastante relevante é a segurança do paciente, protocolo este estabelecido pela ANVISA, o qual é previsto dentro de um Programa Nacional de Segurança do Paciente, devendo ser seguido à risca dentro do ambiente hospitalar.
O ponto de maior relevância e de maior urgência a ser tratado dentro de um ambiente hospitalar se chama “Visão Sistêmica” pois é nela que será possível visualizar todo o cenário vindo a analisar todas as situações e agentes que o compõem, assim revendo todos os fluxos referentes a cada erro cometido evitando que eles aconteçam novamente. A visão sistêmica é uma grande oportunidade de se reduzir os riscos.
Por fim e não menos importante, a capacitação é um ponto chave, pois se feita de maneira correta e permanente diminui de forma considerável os riscos no ambiente hospitalar; os pacientes também têm um papel fundamental nesse mecanismo, pois entendendo como funciona o sistema e se sentindo parte dele, vão ajudar a dirimir os riscos hospitalares e possíveis demandas judiciais.
Com tudo o que foi dito acima é importante ressaltar sobre o contrato hospitalar, pois ele irá reger essa relação, tanto entre hospital e paciente quanto entre hospital e médicos.
É certo que a relação entre hospital e paciente é contratual, é um contrato misto, atípico, que combina assistência médica especializada e serviços médico-auxiliares, fornecimento de hospedagem e alimentação, internação, cirurgias e dispensa de medicamentos e todos os demais cuidados necessários à busca da recuperação da saúde do paciente, ou combate a doenças.
O contrato mantido entre hospital e paciente é, via de regra, diferente daquele mantido entre o profissional da saúde e o paciente. A atividade dos estabelecimentos hospitalares é nitidamente de prestação de serviços, sejam eles programados ou de urgência, mas eminentemente voltados para a preservação ou recuperação de saúde.
As obrigações hospitalares são muito claras, pois além da segurança do paciente e seus acompanhantes e incolumidade física e mental compatíveis com o motivo da internação, acomodações apropriadas, serviços de telefonia e alimentação adequada, há ainda a obrigação de oferta de condições e recursos técnicos aos fins anunciados da instituição, atendimento médico em emergência, equipes de plantonistas no local, e ambiente protegido contra risco de infecções ordinárias.
Não menos importante do que os cuidados acima a obrigação ético-jurídico, como a produção e guarda de documentação clínica adequada, como o prontuário, a informação e o esclarecimento em paciente sobre seu tratamento, bem como o sigilo, preservando a relação entre médico e paciente a fim de evitar conflitos e judicialização.
Nesse sentido, Álvaro Ameida (2005, p. 172), afirma:
Não é por outro motivo, que a doutrina é uníssona ao afirmar que do contrato de internamento decorre um dever de incolumidade, responsabilizando-se, por conseguinte, o estabelecimento hospitalar, pela inobservância do dever de prestar um serviço com qualidade e que atenda à legitimidade expectativa do seu destinatário.
Fica claro que o serviço hospitalar não é um mero serviço de hotelaria, como muitos o equiparam, nem se trata de simples locação de espaço ou facilidades de maquinário. Por certo, alimentação e alojamento estão entre eles incluídos, mas todo um rol de serviços e responsabilidades especiais existem, tornando-o único, dentre eles, a administração e a liberação de medicamentos e o fornecimento de pessoal de enfermagem. Até mesmo no quesito higiene e esterilização vê-se que suas propriedades são inconfundíveis.
As instituições hospitalares recebem vários tipos de pacientes, como aqueles que procuram diretamente o hospital, aqueles que procuram um profissional específico, com vínculos claros com a instituição, e ainda aqueles que são pacientes de um determinado médico, que decide utilizar o espaço da instituição hospitalar para internamento ou realização dos procedimentos necessários ao tratamento proposto, sem com ela manter qualquer tipo de vínculo jurídico.
Os pacientes que buscam por serviços médicos do hospital, mantem com esse um contrato integral, no qual a instituição se responsabiliza por todos os procedimentos médicos, cirúrgicos, anestésicos, e todos os demais que venham a se fazer necessários ao tratamento do paciente. Claramente os profissionais que atendem esse paciente são prepostos da instituição hospitalar.
Já o paciente que busca atendimento de um determinado profissional de saúde, que o atenda ou acolha no hospital em que pratica a sua atividade, seja por vínculo direto, ou pertencente ao seu quadro clínico de referência, ambas as situações devem ser muito bem observadas, pois a comprovação da responsabilidade depende do tipo da prestação do serviço.
Por fim, há o contrato de internação em que o paciente contrata o médico autonomamente, e este exerce sua prerrogativa de escolher o hospital adequado para o tratamento proposto, mesmo que com este último não mantenha nenhum tipo de vínculo formal.
A responsabilidade do hospital, nesta situação, deve ser limitada apenas aos serviços paramédicos, sejam eles de guarda, incolumidade, serviços ambulatoriais e de enfermagem e a capacidade de manuseio dos equipamentos médicos. O ato médico em si foge à sua esfera de responsabilidade; neste caso, o médico é o único responsável por danos advindos do exercício da atividade profissional, não podendo tal ônus ser imputado ao hospital, sendo que este último responderá objetivamente, sempre, pela má prestação dos serviços inerentes à sua atividade que não envolva ato médico.
Nesse sentido o STJ julgou um caso semelhante em que afastou a responsabilidade do hospital por falta de nexo de causalidade entre o dano e a prestação do serviço do hospital, bem como ficou comprovado que as complicações cirúrgicas relatadas pela paciente foram decorrentes do ato operatório. (RESP n. 1.241.006/SP, 2018).
É importante ressaltar a responsabilidade objetiva por todos os atos não médicos ocorridos durante a internação, e que façam parte inerente à prestação do serviço, tais como infecção hospitalar, utilização equivocada de medicamentos, ou de medicamentos vencidos, troca de exames laboratoriais, contaminação alimentar, queimaduras por aparelhos mal regulados, quedas em corredores molhados, queda de cama ou maca durante o transporte do paciente ou remoção etc.
É bom que fique claro que o serviço médico prestado pelo hospital se enquadra na definição de obrigação de meio e não de resultado, pois pode depender de vários fatores variáveis à atividade médica, bem como das respostas personalíssimas, e por vezes aleatórias, de cada paciente, não podendo ser previsto, apenas esperado.
Assim sendo, é necessário que a instituição hospital comprove, no caso de eventual demanda judicial baseada em suposto dano causado ao paciente por ato eminentemente médico (e não na prestação de seus demais serviços), que cumpriu com todas as suas obrigações contratual e de fiscalização, vigilância, cautela e cuidado, bem como que as normas legais, técnicas e éticas foram observadas junto ao paciente.
O professor Eduardo Dantas faz a seguinte análise:
A aplicação do artigo 14 § 3º e § 4º do CDC em relação aos serviços hospitalares onde as excludentes de responsabilidade não sejam apenas aquelas elencadas nos artigos acima, mas também ao fato de terceiro inevitável, e sobre o qual não tenha nenhuma ingerência, tais como: caso fortuito, força maior, ou cumprimento de ordem legal/judicial. A culpa exclusiva de terceiro, ou mesmo da própria vítima, bem como a inexistência de defeito no serviço não são, por certo, as únicas excludentes de responsabilidade. A lista contida no dispositivo legal ‘Código de Defesa do Consumidor’ está longe de ser taxativa, sob pena de se desconsiderar todo um arcabouço doutrinário relativo à responsabilidade civil. É importante ter em mente que, nesses casos, o que se analisa na conduta hospitalar é a própria prática médica, atividade especializada, sendo aplicável o § 4º do artigo 14 do CDC. Necessária, pois, uma interpretação sistêmica da vontade do legislador, afastando-se uma injusta e desnecessária responsabilidade objetiva limitada e desprovida de parâmetros.
Ou seja, as instituições hospitalares, ainda que respondam sem culpa, não podem responder sem causa. Uma coisa é a responsabilidade objetiva e outra é a responsabilidade por culpa presumida, que melhor se coaduna com a intenção do legislador. (2019, p. 224-225).
Fica claro que uma vez provada a conduta culposa do profissional, a responsabilidade civil da entidade hospitalar é presumida. Ela presume, mas não prescinde da prova anterior, para a responsabilização.
Assim, tanto no caso da responsabilidade hospitalar quanto na responsabilidade médica, deve-se observar requisitos para a sua caracterização, a fim de evitar a injustiça no caso concreto, visto que não basta que o dano exista, é preciso que este dano seja ocasionado pela conduta do hospital ou do médico, evitando, assim, a judicialização indevida da saúde e o movimento de toda a máquina judiciaria.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Álvaro Henrique Teixeira. Responsabilidade dos hospitais, clínicas e assemelhados – O contrato hospitalar. Rio de Janeiro: Ed. Espaço Jurídico, 2005.
BRASIL. Lei nº. 8.078/90, de 11 de setembro de 1990. Institui o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/91585/codigo-de-defesa-do-consumidor-lei-8078-90. Acesso em: 20 abr. 2021.
BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 jan. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo RESP 1377652 – SP. A 4ª Turma negou provimento ao recurso do hospital por unanimidade, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator Luis Felipe Salomão, os quais o acompanharam Srs (as). Ministros (as) Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antônio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [2018]. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201802688450&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em: 26 abr. 2021
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo RESP 1241006 – SP. A 4ª Turma negou provimento ao recurso da operadora do plano de saúde, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator Luis Felipe Salomão, os quais o acompanharam Srs (as). Ministros (as) Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antônio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [2018]. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201800165345&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em: 27 abr. 2021
DANTAS, Eduardo. Direito Médico 4. Ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora Juspodivm, 2019 pag. 217 a 226.
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade civil. 10. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. V. I, p.20.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
[1] Art. 927 do Código Civil brasileiro diz que; aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
[2] Rodrigues, Sílvio. Direito Civil. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002. V. IV, p.10.