Ética médica advém da atividade médica que cotidianamente enfrenta inúmeros problemas clínicos, os quais podem surgir acompanhados de dilemas éticos, cujas respostas não são simples, mas envoltos em alta complexidade e não solucionada claramente pelas normas deontológicas.
Na verdade, a Ética não pode ser apenas vista como conduta para nortear a vida profissional; também deve estar presente integralmente nas demais experiências cotidianas do médico em sociedade, sob pena de transformar-se em ética de corporação, distanciada dos valores da sociedade. (PALÁCIOS; MARTINS; PEGORARO, 2002)
Existe, no ordenamento jurídico ético disciplinar, um conjunto de normas que devem ser observadas por aqueles que cuidam da saúde, como a Constituição Federal, o Código Civil, o Código Penal e o Código de Ética Médica.
Ao provocar um dano ao paciente, o médico está sujeito a ser responsabilizado civil e criminalmente, mas também a responder perante seu órgão de classe por infração aos preceitos éticos que regulamentam a sua profissão.
A Constituição Federal (CF), em seu Art. 5º inc. XIII, prevê que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Desta forma, a CF consagrou o direito ao livre exercício de profissão como norma de eficácia contida, mas previu a possibilidade da edição de leis específicas, visando as qualificações do exercício das profissões, isto é, a formação acadêmica e o registro do título no Conselho de Supervisão Profissional respectivo.
Assim, os órgãos de fiscalização profissional cumprem o encargo constitucional de fiscalizar o exercício das profissões. De conformidade com o Art. 21, Inc. XXIV[1] e Art. 22, Inc. XVI[2], todos esses órgãos detêm inegável autoridade na área ética para executar a inspeção e estabelecer as condições necessárias ao exercício da profissão.
Observa-se que cabe aos Conselhos Federais e Regionais suprir a lacuna de lei específica direcionada à regulamentação do exercício da medicina, mediante atos normativos internos, estabelecendo as regras técnicas, científicas e éticas necessárias ao exercício da profissão.
A responsabilidade ética profissional encontra sua lógica na deontologia[3] sendo, portanto, esse sistema adotado pelo Código de Ética Médica. A reponsabilidade ética, na verdade, é subjacente às demais, uma vez que está sempre presente nas infrações penais e civis. Ou seja, não pode haver infração penal ou ressarcimento de um dano sem haver também a falta ética.
Atualmente, os profissionais da saúde estão mais conscientes de que a ética sozinha não é mais suficiente para legitimar a prática científica. Há um chamado ao Direito para definir com segurança o que é lícito e o que é ilícito.
Sobre o tema, vejamos o que diz Fernanda Regina da Cunha Amaral:
A responsabilidade profissional significa o encargo de assumir o ônus decorrente da violação do dever ético de prudência e diligência na prestação da assistência à saúde. É ainda o conhecimento do que é justo e necessário, não só no sentido ético moral, mas também dentro de um sistema de obrigações e deveres, diante do que é lícito e devido eticamente. A normatização da responsabilidade ético-disciplinar seguiu esse sistema de positivação nos Códigos de Ética dos profissionais liberais, isto é, a inobservância das normas éticas pode também envolver aspectos legais pertinentes às ações imprudentes, negligentes ou imperitas. Dificilmente os profissionais que atuam na área da saúde serão penalizados se suas ações não envolvem alguma destas modalidades de culpa. (2014, p. 104)
Fica claro, então, que é da mínima violação aos preceitos éticos deontológicos, que nasce a noção de responsabilidade ética. No plano ético, responde pela transgressão dos preceitos estabelecidos no Código de Ética Médica; já no plano normativo legal, pelo prejuízo causado ao cliente/paciente. Isto quer dizer que o dever ético de prudência e diligência na prestação da assistência à saúde poderá ter consequências também no âmbito normativo legal, independente ou não de absolvição do respectivo órgão de fiscalização profissional.
O tema é de tanta relevância que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se debruça constantemente sobre o assunto, pois os preceitos éticos são a base da relação entre o médico e o paciente e tudo deve ser pautado na mais sólida confiança.
Em caso análogo, o STJ julgou uma violação de quebra de sigilo entre médico e paciente, ou seja, que o fornecimento de qualquer informação sem o devido consentimento do paciente caracteriza quebra do sigilo médico e infração ética, o que abala essa relação que deve ser pautada na confiança. (RESP n. 1215411/MT, 2015).
É fácil de se observar essas características em todos os Códigos de Ética, a começar pela longa vedação que neles pode ser encontrada. A observância do dever de zelo e diligência é evidente em todos os preceitos éticos, iniciando pelo Código de Ética Médica e têm, como base, os princípios fundamentais[4] claramente definidos no capítulo I desse mesmo Código.
As sanções pelas infrações éticas cometidas estão previstas na Lei 3.268/1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina, podendo o profissional sofrer, como pena, censura confidencial, censura pública, suspenção e cassação do exercício profissional.[5]
Observe-se que grande parte das denúncias se relaciona a alegações de “erro médico”, termo utilizado para descrever uma falha cometida pelo médico no exercício da sua profissão, seja por negligência, imprudência ou imperícia.
Resta claro que o médico deve agir com zelo, tendo como base todos os preceitos éticos e legais, sempre observando as normas contidas em seu Código de Ética Médica e normas civis como, por exemplo, o Código Civil.
Essa relação deve ser pautada sempre na confiança, no diálogo e na ética, evitando-se assim desgastes judiciais e um abalo maior entre o médico e o paciente, considerando que a solução de possível litígio, infelizmente, se dará no judiciário.
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REFERÊNCIAS
AMARAL, Fernanda Regina da Cunha. Erro médico: a responsabilidade jurídica pelos danos causados aos pacientes. Curitiba: Juruá, 214. 216p.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 fev. 2021.
BRASIL. Lei nº. 3.268, de 30 de setembro de 1957. Dispõe sobre os Conselhos de Medicina. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3268.htm>. Acesso em: 25 fev. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo RESP 1215411 – MT. A 4º Turma negou seguimento ao Recurso Especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator Marco Buzzi. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [2015]. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201001786835&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea>. Acesso em: 01 mar. 2021
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Conselho Federal de Medicina, Brasília, 2009. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp>. Acesso em: 26 fev. 2021.
PALÁCIOS, Marisa; MARTINS, André; PEGORARO, Olinto Antônio. Pegoraro. Ética, ciência e saúde: desafios da Bioética. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
[1] Art. 21. Compete à União:
XXIV - organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;
[2] Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões
[3] Deontologia é a ciência dos deveres, no âmbito de cada profissão, abrangendo a responsabilidade profissional do médico nas esferas penal, cível, ético e administrativa.
[4] No Inciso I dos princípios fundamentais, já está posto: “A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.”
[5] Art. 17 As penas disciplinares aplicáveis aos infratores da ética profissional são as seguintes:
a) advertência confidencial, em aviso reservado;
b) censura confidencial, em aviso reservado;
c) censura pública em publicação oficial;
d) suspensão do exercício profissional, até 30 dias;
e) cassação do exercício profissional.