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A saúde em colapso: uma análise da capacidade de resposta do SUS à pandemia de Covid-19

A saúde em colapso: uma análise da capacidade de resposta do SUS à pandemia de Covid-19
Bárbara Figueiredo
abr. 15 - 11 min de leitura
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A espinha dorsal do sistema: atenção primária

O Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede de saúde complementar passarão por um teste decisivo nos próximos meses, um dos maiores desafios desde sua criação: combater a pandemia do COVID-19, que já soma 28.320 infectados em todos os estados e 1.736 mortos. (15/04/2020).

Um dos pilares contra o avanço do vírus é a Estratégia de Saúde da Família, programa que, desde 1993, por meio do trabalho comunitário na atenção básica já erradicou doenças como o sarampo e poliomielite.

Com esta configuração, se pode alcançar um elevado potencial de resolutividade, porque se dedica, não a atender demandas pontuais de saúde, mas sim a abordar processos de saúde e adoecimento, problemas de saúde mais frequentes de pessoas, famílias e comunidades. Além disso, a equipe desenvolve ações de educação, promoção à saúde e prevenção de adoecimento. Logo, é muito mais do que prover aumento de cobertura assistencial.

Com isso, o governo mira a atenção básica em saúde, considerada a porta de entrada do SUS, para evitar que as transmissões se alastrem, especialmente em comunidades mais pobres, e para que os hospitais não entrem em colapso devido à pandemia do novo coronavírus.

Conforme a onda epidêmica vai se tornando comunitária, com a circulação do vírus de pessoa a pessoa dentro do país, o papel do SUS vai se tornando evidente e central. O SUS vai muito além do atendimento a doentes, pois compreende um sistema que articula a rede básica com unidades de urgência, emergência, terapia intensiva e internação.

No caso do coronavírus, pode-se perceber essa articulação pelo fato de que muitas pessoas com casos mais leves da doença estão em isolamento dentro das próprias casas, sendo assistidas por equipes e profissionais como os que atuam em unidades básicas de saúde.

 

Mandetta, o ministro!

O ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta fala à imprensaFoto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Luiz Henrique Mandetta (ministro da saúde até 16/04/20), chegou a classificar os agentes comunitários como uma “infantaria”.

“Vocês estão no front do combate. Os sistemas que centralizaram o atendimento no hospital foram os que colapsaram mais rápido. É erro centralizar atendimento no hospital”, afirmou Mandetta em pronunciamento.

A atenção básica, que é um atendimento inicial que visa orientar e prevenir doenças, acaba funcionando como um filtro que organiza o fluxo de serviços nas redes de saúde pública.

Com o SUS, o Brasil conta com um sistema universal gratuito de saúde e profissionais qualificados, mas existem gargalos como a insuficiência de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o baixo número de profissionais e até falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras, luvas, aventais e óculos de proteção, que são essenciais para evitar o contágio dentro das próprias unidades de saúde.

“O crescimento do número de casos confirmados de Covid-19 pressionará a estrutura de atendimento existente e vai repercutir principalmente no uso de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Especialistas advertem que o avanço da infecção e o aumento de casos graves podem causar um colapso no sistema por falta de leitos.”
- José Luiz de Andrade Neto, médico e professor titular de medicina da PUC-PR, em entrevista a revista IstoÉ.

Embora o pico do surto de coronavírus não tenha sido alcançado no Brasil, os sistemas de saúde público e privado já enfrentam sobrecarga por causa do aumento do número de internações e registram até 38% de seus leitos ocupados com pacientes com infecção suspeita ou confirmada da doença.

Vale ressaltar que o país dispõe de cerca de 55 mil leitos de UTI, metade do SUS e metade da saúde complementar. A velocidade com que as hospitalizações têm crescido em poucos dias chama a atenção dos profissionais e gestores dos centros médicos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde indicam que deve haver de um a três leitos para cada dez mil habitantes. Considerando todos os leitos de UTI do Brasil, há mais ou menos dois leitos para cada dez mil habitantes. Embora, em situação de normalidade o país esteja dentro da recomendação da OMS, a estrutura disponível não está dimensionada para suportar os efeitos de uma pandemia.

O SUS padece, dia após dia, de problemas específicos no atendimento, na gestão de equipamentos e de pessoal e, mais recentemente, de problemas orçamentários: o aporte financeiro do Ministério da Saúde previsto para 2020 é de R$ 136 bilhões, menor do que no ano passado, que foi de 147 bilhões. Agora, a demanda causada pelo coronavírus se somará aos problemas existentes, pois as pessoas continuarão tendo outras doenças, desencadeando um intercâmbio de problemas.

O ministro da saúde afirmou que o Sistema Único de Saúde (SUS) têm tumultos e pontos de problema, mas não está em colapso, e que o governo está atuando de forma a preparar a rede para o crescimento dos casos confirmados da COVID-19.

“Nós temos muitas forças. Se nós não fizéssemos nada, se não aumentássemos a nossa capacidade instalada, se nós ficássemos parados, olhando, nós teríamos um mega problema, porque esse sistema, do jeito que ele vem, sem fazer nada, você colhe um colapso. Nosso sistema ainda aguentaria, mesmo com a capacidade instalada normal, por volta de 30 dias.”
- MANDETTA, em depoimento

O ministra ainda destaca que problemas nos sistemas de saúde, como emergências superlotadas, existem no mundo todo e que o SUS é forte, tem capilaridade nacional e conta com 46 mil equipes de saúde de família, que atendem milhões de brasileiros. 

Retrato de Patrocínio, em Minas Gerais

Sob essa perspectiva, empiricamente, em minha cidade natal, Patrocínio, em Minas Derais, sob o boletim epidemiológico do dia 06/04/2020, atesta para 5 casos confirmados, sendo todos esses recuperados, bem como 14 testados aguardando resultado, com 5 em isolamento domiciliar, 7 casos graves internados  e 2 óbitos suspeitos.

Sobre o atual momento da cidade, o prefeito municipal Deiró Marra pontuou:

“Em 19/02 eu anunciei que em breve a Secretaria Municipal de Saúde colocaria em ação o SAD - Serviço de Atendimento Domiciliar, dentro do programa Melhor em Casa, do Governo Federal. Agora trago a notícia de que este Serviço está em atividade desde 01/04/2020, contando com nove profissionais: médico, enfermeiro, fonoaudiólogo, nutricionista, fisioterapeuta e técnicos de enfermagem, que têm à disposição um veículo exclusivo para seu deslocamento.

É uma tranquilidade para as famílias, pois o SAD vai levar atendimento médico às casas de pessoas com necessidade de reabilitação motora, idosos, pacientes crônicos com agravamento ou em situação pós-cirúrgica, evitando internações hospitalares desnecessárias e as filas dos serviços de urgência e emergência. Estou muito feliz por dar essa boa notícia.

Dentro de nossas ações de preparação para o enfrentamento do novo Coronavírus em Patrocínio, fui pessoalmente verificar (in loco) a adequação do Centro Estadual de Atenção Especializada (antigo Centro Viva Vida), para que funcione, nesse período de anormalidade, como unidade hospitalar, estando à disposição para atender pessoas que porventura necessitem de atendimento médico.

Serão 21 leitos para pacientes com síndrome gripal de média complexidade, que poderão ser ampliados, contando com pelo menos um leito semi-intensivo. Nesse primeiro momento equipes de outras unidades de saúde serão realocadas para este atendimento. Nossa preocupação é grande e estamos envidando todos os cuidados e esforços para enfrentar esse momento tão difícil e angustiante para todos nós.”

 

Além disso, em 27/03/2020, em coletiva com a imprensa, foi feita mais uma vez um balanço público do conjunto de ações de governo no que se refere ao drama vivido pela pandemia:

“Anunciamos, também, algumas medidas complementares para juntos superarmos esse momento de anormalidade, como, por exemplo, tornar o Centro Viva Vida uma extensão do sistema hospitalar, ali disponibilizando leitos para os pacientes que vierem a ser acometidos pela doença.

Como já havíamos anunciado, além da liberação de recursos extras para aquisição de respiradores, foram contratados infectologista, técnicos em enfermagem, estamos intensificados na campanha de vacinação, inclusive domiciliar, de pessoas acima de 60 anos e num trabalho zeloso estamos providenciando a higienização de pontos estratégicos de nossa cidade.

Atendendo à representatividade do comércio e afins; a apelos formalizados pela Associação Comercial, Câmara de Dirigentes Lojistas (ACIP/CDL) e SindComércio, detalhamos novo decreto que atende aos anseios desses setores, com o objetivo de tentar conciliar a demanda da saúde com a demanda do comércio e das empresas, preservando algumas atividades e assegurando empregos.

Ressaltamos com muita ênfase a necessidade e a responsabilidade que todos devemos ter de evitar formar aglomerações, bem como fluxo contínuo de pessoas. A vida econômica de nossa cidade precisa mais do que nunca estar consciente que a saúde é tudo e deve ser preservada acima de qualquer coisa, por isso devemos todos agir de forma organizada, respeitando as orientações e os protocolos estabelecidos neste momento diferenciado que, repetimos, é de extrema anormalidade e gravidade.

Por fim, rendemos homenagens a todos os profissionais de saúde de Patrocínio, indistintamente, mas com especial carinho e admiração pelos heroicos e destemidos profissionais do Sistema Municipal de Saúde, por todo seu esforço, dedicação, entrega humanitária e brilhante trabalho, que sabemos, vai se intensificar ainda mais nesses próximos dias.”

 

Conclusão

Conforme previsto pelo médico sanitarista Reinaldo Guimarães, o investimento nessas redes pode ser chave para que os hospitais e todo o sistema de saúde brasileiro não entrem em colapso. “Há muita ênfase quanto à oferta de leitos de UTI e de equipamentos de alta tecnologia. São importantes, mas uma boa rede básica funcionando poderá, entre outras coisas, racionalizar a utilização dessas ferramentas mais complexas.”

Outrossim, a gestão pública compartilhada tem sido fundamental na tomada de decisões e será decisiva na efetividade e alcance das ações, sobretudo para proteger a população mais vulnerável. Em horas dramáticas, como a imposta pela pandemia, ter um sistema único público e universal pode representar mais vidas salvas, e apesar dos conhecidos gargalos, o sistema gratuito e universal de saúde é uma das principais armas do Brasil para o enfrentamento do coronavírus, sobretudo na proteção dos mais vulneráveis.

 

Referências bibliográficas:

  1. Os programas do SUS que são apostas contra a pandemia: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/22/Os-programas-do-SUS-que-s%C3%A3o-apostas-contra-a-pandemia
  2. SUS corre risco de colapso: https://istoe.com.br/sus-corre-risco-de-colapso/
  3. Mandetta: se não fizermos nada no sistema de saúde, vamos colher colapso: https://exame.abril.com.br/brasil/em-abril-o-sistema-de-saude-entrara-em-colapso-diz-mandetta/
  4. Promoção da saúde na Estratégia Saúde da Família: análise de políticas de saúde brasileira: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002010000200008
  5. Pandemia do coronavírus é maior prova de fogo do SUS: https://jc.ne10.uol.com.br/pernambuco/2020/03/5603069-pandemia-do-coronavirus-e-maior-prova-de-fogo-do-sus.html
  6. Prefeitura Municipal de Patrocínio, Minas Gerais: http://www.portal.patrocinio.mg.gov.br/pmp/index.php/publicacoes/boletim-epidemiologico-2

 


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