Por que neste jogo insistimos em deixar o paciente no banco de reservas?
Quem não vibraria com as histórias de um time liderado pelo Coach Carter que, com disciplina e regras duras, conseguiu colocar em forma um time de basquete? Quem não ficaria extremamente comprometido ao receber um pedido de Nelson Mandela, uma das maiores personalidades da história, para ganhar um campeonato de Rúgbi em nome de um país saindo do Apartheid?
Ambos os exemplos relatam casos de desempenhos de destaque. Para criar semelhante compromisso e um certo grau de satisfação final, a Saúde também vem olhando com muita paixão a remuneração baseada em performance. Mas um personagem importante neste jogo tem ficado no banco de reservas - o paciente. É com ele que o médico entrará em campo em buscas de bons resultados.
Durante os estágios de internato aprendemos, de maneira informal, que um grupo de “pacientes tigres” não seguiam nossas recomendações e acabavam complicando doenças que teriam chances de ter seu avanço retardado caso tivessem seguido sua exemplar científica prescrição. Agora fica aqui uma grande e desconfortável provocação: você realmente fez o tratamento de melhor performance para aquele enfermo, diante de suas condições sócio-culturais?
O destino do paciente provavelmente demonstrou que não, mas deixamos passar desapercebido, pois foi imputado a ele a culpa, ou a farmácia popular que não tinha o último remédio, ou simplesmente porque ele não quis abandonar um estilo de vida para prevenir aquelas complicações que você tanto quis colocar medo. Não adianta espernearmos, numa medicina que irá calcular o risco de tudo, essa responsabilidade será colocada na nossa conta.
Não é para menos. Vocês já experimentaram os remédios feitos para pediatria? Eu experimentei cada medicamento recebido de amostra, e anotava no livro minha impressão sobre o gosto. Aqueles de pior sabor eu procurava eliminar da lista de indicações, pois sabia que a criançada não iria tomar e o tempo de todos teria sido em vão.
O que eu não sabia naquele momento mas aprendi anos mais tarde nas minhas aulas de design é o que os experts chamam de EMPATIA. Empatia nada mais é do que se colocar na pele do outro lado da mesa e tentar entender e sentir quais serão suas respostas frente as condutas tomadas por nós.
Agora vem a ducha de água fria: sua prescrição é empática? Normalmente este momento é um monólogo, sem alternativas, no qual o médico dita regras e o paciente apenas assinala com a cabeça e já com o pensamento: "não vai dar para cumprir esse acordo, vou procurar outro…"
Aqui vou citar algumas coisas que devem constar no seu check-list para uma prescrição empática:
- CUSTO: houve um abandono da anamnese para saber a informação do ganho salarial mensal da família antes de prescrever remédios. Normalmente, se passar de 5% do total mensal do salário, pelo menos alguma coisa da prescrição deixará de ser feita. E, em caso de tratamentos caros, como cirurgias de alta complexidade, converse muito com todos os envolvidos, pois isso poderá ocasionar problemas financeiros que afetem a família inteira. Pense nisso!
- POSOLOGIA: doentes crônicos tendem a não curtir a obrigação de tomar remédios várias vezes durante o dia. Alguns aplicativos, como o Dr. Cuco, podem ajudar nisso, mas, é bom lembrar que nem todos os pacientes que estão conectados.
- ESTILO DE VIDA: normalmente prescrições que alteram muito o estilo de vida de uma pessoa, como anticoagulantes orais, acabam apresentando uma péssima receptividade aos pacientes que querem manter os mesmos hábitos de vida. Que tal buscar outras alternativas para esses casos?
- PRECONCEITO: posso até parecer engraçado, mas há medicações, como antidepressivos e ansiolíticos, que recebem grande preconceito. São os chamados "remédio de loucos". Diante de uma situação dessa, por que não tentar, aos poucos, desmistificar o preconceito?
- OPÇÕES: Quando o paciente participa da decisão, ele fica mais receptivo a segui-la, pois participou da elaboração e, pela natureza humana, tenderá a concordar com o que está definido. Esse sentimento é uma estratégia poderosa para que pacientes sigam o combinado. Este é um bom momento para lembra que tratamentos com mesma resposta não significam que o mais novo é ruim e não deve ser colocado como carta na manga, mas, sim, que pode ser um novo Ás na sua mão. Use-o quando necessário!
- PROFISSÃO: Você já pensou em ter que mudar de especialidade por um acontecimento inesperado em sua carreira? 2 ou 3 anos de novos estudos a um salário absurdamente baixo… Você iria gostar disso? Artistas, atletas, motoristas de guindastes, ou qualquer outros profissional também não iria gostar. Pense muito e busque alternativas antes de prescrever algo que pode modificar a carreira de alguém!
Pode ser que você conheça mais algumas estratégias importantes para criar empatia. Que tal ampliar esta lista nos contando nos comentários abaixo o que você faz para melhorar o seu tratamento com o paciente?
O importante é buscar mudanças para desengessar a prescrição tão bombardeada nos congressos, se preparar para a medicina individual que está para chegar e começar a humanizar seus tratamentos para atingir a melhor performance disponível ao paciente. Como o exemplo dos treinadores vitoriosos do início deste texto, com dedicação, comprometimento e empatia, é possível vencer difíceis obstáculos.
Da curadoria: os exemplos de casos vitoriosos citados no texto fazem referência aos livros Coach Carter, escrito por Jasmine Jones, e Invictus - Conquistando o inimigo: Nelson Mandela e o jogo que uniu a África do Sul, escrito por John Carlin, disponível na Amazon.