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Um estudante em ação

Um estudante em ação
Medicina em Crônicas - Elomar R. Moura
abr. 24 - 6 min de leitura
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O que eu posso fazer?

23:10 pm
22º C. A única luz acesa que iluminava o meu quarto era a que nascia da tela de uma pequena televisão que ficava fixada na parede do meu quarto. O horário era convidativo para a meditação do fim da noite, ainda com a tv ligada, baixei o volume totalmente, fechei os olhos e comecei.

O ar penetrava em minhas narinas como um fluxo revigorante que me alimentava e acalmava, os dias tinham sido intensos, não me recordo quantas páginas do tratado de fisiologia médica havia lido, artigos de pessoas que nunca tinha ouvido falar, de diferentes países, diferentes línguas, provas, estágios. Imaginar que de alguma forma aquilo deveria ficar armazenado em minha consciência era assustador. Inspirei profundamente mais uma vez, o exercício da meditação não requer banir os pensamentos da mente, mas se concentrar na entrada e sair do ar. Mudar meu foco de atenção.

Expira. Era mais uma tentativa de acalmar essa ansiedade. O prazer de estudar a medicina e tentar aproveitar o máximo cada etapa dos longos 6 anos de faculdade era uma tarefa extenuante. Pensar só na prática ao final dos anos não era combustível suficiente para mim, deveria haver paixão pelo processo.

Inspira. Eu havia completado apenas um terço de todo curso, mal sabia o nome dos ossos, as notas não eram nada de encher os olhos de brilho. Anamnese? Eu sempre esquecia algum ponto importante. Nem isso eu dominava. Carregava comigo um curso de primeiros socorros que sequer tinha convicção se um dia seria capaz de pôr em prática, além disso, uma dúzia de palestras acerca dos mais diversos temas, afim de tentar abranger o maior número de temas sobre saúde que eram possíveis. A ansiedade era um combustível em busca do conhecimento e a insônia do fim do dia. O que eu poderia fazer? Se quer sabia o nome dos ossos das mãos.

23:20 pm
Um ruído agudo alto e um estrondo. Todos já estavam na cama, inclusive eu, tentando iniciar o meu sono. Pensei comigo que poderiam ser fogos devido a comemoração de um aniversário, talvez. Meu coração dispara. Havia uma agitação na rua, conversações aceleradas, mas nada muito alarmante. Disse a mim mesmo que não era nada sério e fiz um acordo de continuar as tentativas frustradas de dormir. Dentro de mim, havia um olhar para fora da janela.

23:30 pm
Inspira. O sono cada vez estava mais rarefeito. Meus pés estavam úmidos e gelados, o ar condicionado estava em temperatura agradável, nada justificava aquele frio. A adrenalina corria em minhas veias. Taquicardíaco, levanto numa chance de matar essa curiosidade e saber se havia acontecido o que eu mais temia. Sim, era de fato um acidente. Eu estava de pijama, sem meus óculos. Aproximei-me, havia um capacete jogado na calçada e um rapaz com uma jaqueta de couro, calça e botas pretas de peito para cima desacordado.

Respiração profunda. Sequer isso me acalmou. Minhas mãos tremiam, eu tinha tido um curso de final de semana em Basic Life Support (BLS), nada mais. Não haviam condições que eu intervisse naquela situação. Hipócrates ainda não havia ouvido meu juramento, mas se as pessoas em volta soubessem que curso estudo, exigiriam que eu entrasse em ação.

Inspira. Me identifiquei a todos, repito toda a coreografia ensinada no curso. Isolei a área para que outros veículos não causassem outro acidente, chamei o serviço de emergência. O motociclista devia ter minha idade, toquei na sua artéria carótida, não havia pulso. Encostei meus ouvidos perto do seu nariz e pousei minha mão sobre seu abdômen, ele não respirava. A única coisa que eu sabia era que poderia estar havendo uma parada cardiorrespiratória.

Com pouquíssima perícia, tentei fazer uma inspeção torácica, com o intuito de ver se havia fratura de costela e torcendo que não houvesse acontecido um tórax instável, com sorte, não era o caso. Me coloquei de joelhos ao lado do rapaz e comecei uma oração em forma de sequência numérica: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete ...

Ao fim das trinta primeiras compressões, o fôlego já estava curto. Inspirei e expirei profundamente e recomecei o segundo ciclo. Minha mão direita abraçava minha mão esquerda, meus braços formavam um triangulo perfeito, a técnica estava razoável, mas a tensão continuava, todos em volta esperavam algum resultado. Minhas compressões perdiam força com o tempo, durante o quarto ciclo de compressões, percebi que não estava conseguindo manter a profundidade, mesmo sabendo que as porcentagens de sucesso de um protocolo de suporte básico não eram tão altas, dependia de mim honrar a possibilidade.

O desespero era nítido, eu perdi a contagem, o pânico tomou conta de mim. Eu olhava aquele rosto pálido enquanto comprimia o peito repetia palavras para que rapaz respirasse.
Era o sétimo ciclo de compressões torácicas. Quase caí exausto sobre o jovem. Me equilibrei e sentei com os joelhos machucados do asfalto à mostra, minha miopia e meu astigmatismo não permitiam que eu enxergasse dois palmos a frente do meu nariz. Era o fim. O cansaço havia me tomado. As porcentagens haviam zerado, tinham se passado cerca de 30 minutos e nada do socorro médico, de fato, a impressão do meu despreparo, não era impressão, era realidade.

Entre o escuro da noite e o silêncio dos curiosos em volta, escuto um sibilo. Forço os músculos dos meus olhos, tudo está embaçado. Porém, vi a jaqueta do rapaz se dobrando e se esticando, em forma de um sublime exercício: inspirando, expirando, inspirando, expirando.

Pensei rindo comigo mesmo, de fato, nem o protocolo eu sabia, esqueci de checar a respiração ao fim dos ciclos.

 


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