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Você escuta seus pacientes ou apenas ouve? Um convite para médicos (as) sob outro olhar!

Você escuta seus pacientes ou apenas ouve? Um convite para médicos (as) sob outro olhar!
Bruna Martins Oliveira
mai. 2 - 7 min de leitura
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Escutar com atenção é uma arte em qualquer área profissional. É diferente de ouvir. Segundo o dicionário Michaelis, o verbo ouvir consiste em “ter o sentido da audição”, enquanto escutar significa “prestar atenção”. De fato, são coisas muito distintas e  se tratando da medicina e das áreas da saúde, exercitar a escuta atenta é um presente para os pacientes, acredite, médico (a) que chegou até este texto.

Situo aqui, que não sou profissional da saúde. Escrevo sob uma perspectiva de quem está do outro lado e que, atualmente, transita entre as áreas de comunicação e saúde. O meu objetivo não é generalizar todos os atendimentos médicos. Não estou dizendo que  a atenção aos detalhes é secundária em todos os casos e não tenho uma fórmula mágica sobre como realizar um atendimento humanizado.

Entendo que, diante da correria do dia a dia, da pressão social e profissional, da sobrecarga e de tantos outros fatores que podem variar conforme o contexto e as condições de atendimento, a comunicação e a escuta atenta é um desafio.

Compartilho  a seguir um pouco sobre minha percepção em relação à importância de melhorar essa relação de escuta e troca entre médicos e pacientes, a partir de experiências pessoais  — vividas no contato com profissionais especializados em saúde mental.

Vivencio, na prática, o papel do cuidado e por estar nesta função também preciso de cuidados, obviamente. Minha mãe convive com sofrimento psíquico por conta de um diagnóstico que chegou até ela em 2013 após um momento super difícil. Desde então, tenho acompanhado essa jornada, entre consultas médicas com psiquiatras, psicólogos e aproximação dos espaços de cuidado, no SUS e, em alguns momentos, no atendimento privado.

Leia também: Na prática, o que é a medicina humanizada?

Neste tempo, tivemos experiências com diversos perfis de médicos (as). Tenho um carinho muito especial pelos que de fato nos ouviram com atenção, enxergando que, além de qualquer CID, existe uma pessoa que está ali e que, não basta apenas prescrever um “remedinho”, sem considerar o pano de fundo que despertou todas as situações. 

Felizmente, existem profissionais que seguem o lema do psiquiatra  e precursor do movimento de Reforma Psiquiátrica da Itália, Franco Basaglia. Bagsalia diz que é necessário colocar a doença “entre parênteses”  e o modo pelo qual ela foi classificada para considerar o doente no desdobramento em modalidades humanas.

Saiba mais: Afinal, qual é o impacto da arte e literatura na saúde?

Ao trazer esta provocação, o autor abre caminhos para muitas reflexões. Pessoalmente, defendo muito a importância de, em uma consulta ou acompanhamento, o fato dos profissionais envolvidos enxergarem a pessoa que está ali para além do seu diagnóstico.

Nem todas as pessoas vivenciam experiências em saúde e doença igualmente. As pessoas possuem origens diferentes, histórias singulares, e condições desiguais para o acesso à saúde, à comunicação e aos direitos que garantem a saúde.

Além do conhecimento científico e de diretrizes que orientam como o médico realiza o diagnóstico  Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), penso que é importante exercitar a empatia e a sensibilidade ao entender o que levou um paciente a um consultório em uma situação difícil. E, honestamente, não sei se isso é ensinado nas faculdades de medicina.

Quando coloco essas inquietações aqui, me recordo muito bem de uma noite em que precisei ir a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), em Curitiba. Era um momento difícil para minha mãe e acompanhei ela até à UPA, pois devido ao horário, não conseguimos o atendimento de uma equipe especializada.

Na triagem, fui muito bem atendida pela enfermeira de plantão que compreendeu a necessidade do momento e foi empática em todos os momentos. No entanto, no momento em que o médico-residente nos chamou, a experiência foi diferente. Ele trazia consigo um livro médico e enquanto ouvia o que estava acontecendo, claramente não estava escutando, tampouco prestando atenção.

Tentei compartilhar com ele minhas preocupações do momento. O que ele fez foi simplesmente dizer que não tinha o que fazer naquele momento porque a UPA não era um local especializado. Ok. Entendi. Pedi gentilmente para que ele desse uma olhada no prontuário dela. Isso não foi feito (e não entendi que foi decorrente de uma falha de sistema ou não)  e ele simplesmente falou que não podia fazer mais nada e que a busca pelo atendimento não era uma questão que estava ao seu alcance e mais do que isso, estávamos tirando o tempo de uma consulta que realmente demandava atenção. Oi?!

Entendo mesmo o fato da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) estar muito sucateada e não haver investimentos em saúde mental com foco nos pacientes e considerando a necessidade de qualificar os profissionais e fornecer melhores condições para que eles possam ajudar em momentos difíceis. Porém, o que me incomodou neste atendimento foi o desinteresse deste médico iniciante em ouvir o que estava acontecendo, falta de sensibilidade e diria que humildade (ele poderia pelo menos ter dialogado com alguém da equipe de plantão, talvez?).

Isso aconteceu outras vezes. E não foi só na UPA. Cansei de ir em consultas, em outros momentos e com outras questões de saúde, e perceber que muitos médicos (as) apenas querem prescrever uma solução. Não estou questionando a medicalização, sua importância e eficácia. O que incomoda é constatar que muitas consultas parecem mais uma sessão na qual o profissional faz as perguntas rapidamente, assina a receita e chama a próxima pessoa.

Escutar com atenção pode não resolver todos os problemas do ponto de vista clínico. Mas faz a diferença no entendimento da história do paciente, da sua família, das suas dificuldades  e pode mudar a forma como o profissional faz suas escolhas e conduz seu atendimento.

E como mudar isso?  Se colocar no lugar do outro é um bom começo. Entender que as pessoas não são obrigadas a decifrar todos os conhecimentos técnicos e científicos e ter paciência para tirar dúvidas, explicar com atenção e, de fato, reconhecer que se o paciente busca ajuda ele espera respeito e consideração com seu caso é um caminho.

Neste sentido, a médica Júlia Rocha, profissional com ampla experiência na Estratégia Saúde da Família (ESFF) e autora do livro Pacientes que Curam, tem ensinamentos muito interessantes para compartilhar. Por isso, finalizo o texto com um convite: assista à palestra dela. É uma aula. Lindíssima, por sinal!


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Referências

  1. BASAGLIA, Franco. Escritos Selecionados em Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica. AMARANTE, Paulo. (org), Rio de Janeiro: Garamond, 2010.

  2. TEDxLaçador. O SUS e a humanização da saúde. Disponível em Youtube. 

 


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