A cada 8 minutos, uma pessoa é estuprada no Brasil. Dessas, 85,7% são mulheres e em 84% das vezes, o abusador é alguém de confiança da vítima. Os números só não são mais assustadores que os relatos trazidos por Ana Paula Araújo em seu livro "Abuso: A cultura do Estupro no Brasil". Esse é um livro sofrido, sensível, com os relatos dolorosos de vítimas, familiares e abusadores. Antes de iniciar a leitura, apenas advirto-os que o livro pode despertar inúmeros gatilhos emocionais.
O livro é bastante profundo analisando a complexidade do cenário da violência sexual. Acompanhamos os relatos desde o ato de violência até a difícil peregrinação em serviços de saúde, delegacias e justiça. Além disso, a autora entrevista também os abusadores, num esforço de compreender o impensável: por que alguém faria isso?
Nossas mentes estreitas sequer são capazes de compreender tudo o que poderíamos ganhar se as mulheres fossem livres para se desenvolver sem medo.
- Sohaila Abdulali
Abuso: A cultura do Estupro no Brasil é, sobretudo, um livro de especial interesse para profissionais de saúde. As vítimas de violência com frequência experimentam retaliações e entraves ao buscar de assistência, o que pode inclusive agregar um novo trauma a uma experiência já terrível. Isso nos leva a um questionamento sobre a formação médica. Quantas escolas médicas oferecem conteúdos sobre aborto permitido por lei, profilaxias pós-exposição e acolhimento a vítimas de violência? Quantas discutem os temas transversais ligados a violência, como gênero, raça, classe social e sexualidade?
O assunto comumente é visto como uma especificidade dos Ginecologistas, Obstetras e Psicólogos, e não uma competência necessária a todos. Os médicos se formam com um conhecimento superficial de um assunto complexo e prevalente. Um a cada 8 minutos! Isso apenas se tratando de estupro, fora relações abusivas e violência psicológica. Deveria ser impensável formar um médico sem que este tenha capacidade fazer ao menos a abordagem inicial e acolhimento de pessoas que sofreram violência.
Ouvir as vítimas também reforçou para mim a importância desse trabalho. Muitas delas contam como foram julgadas, vistas com desconfiança e consideradas culpadas pelo estupro que sofreram.
- Ana Paula Araújo
Dentro dessa visão mais ampla de saúde e suas relações com os determinantes sociais, podemos enxergar o papel dos profissionais de saúde não apenas como provedores de uma assistência técnica. Já que o status da profissão eleva o alcance da nossa voz, devemos usá-la para transformar a sociedade, denunciando os malefícios da cultura do estupro, apoiando as vítimas e familiares e discutindo o assunto com toda a sociedade.
Homens e mulheres sensíveis ao sofrimento alheio podem fazer muito, e podem fazer em qualquer área que estejam. - Ana Paula Araújo
O livro Abuso: A cultura do Estupro no Brasil é um convite a indignação. O despertar de um sentimento de profunda revolta ao sentir a intensidade do sofrimento humano. Ao final, só espero que esse sentimento de revolta e indignação não seja inerte e infértil, mas se transforme em prática. E então o luto se torna o verbo lutar.
Para saber mais sobre o livro Abuso: A cultura do Estupro no Brasil, de Ana Paula Araújo, clique aqui.