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Transmissão transplacentária da COVID-19: Uma realidade?

Transmissão transplacentária da COVID-19: Uma realidade?
Roberta Campos Cadidé
jul. 15 - 6 min de leitura
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A ciência vem caminhando a passos largos, buscando explicações e soluções que contribuam para cessar os malefícios que a pandemia do vírus SARS-CoV-2 precipitou até o momento.

Apesar de ainda existirem muitas dúvidas em relação a transmissão vertical da COVID-19 e da implicação da doença na saúde da gestante, recentemente um artigo publicado na revista Nature Communications trouxe discussões importantes e com um contexto muito maior: Demonstrando que houve transmissão transplacentária de SARS-CoV-2 em um recém-nascido de mãe infectada no último trimestre e que acabou desenvolvendo comprometimento neurológico associado nos primeiros dias de vida.

O artigo publicado no dia 14 de julho é intitulado Transplacental transmission of SARS-CoV-2 infection e aborda um caso de uma paciente de 23 anos, G1P0, com 35 semanas + 2 dias de gestação que passou a apresentar febre (38,6 °C) e tosse severa com expectoração abundante por cerca de 2 dias.

O exame de qRT-PCR para SARS-CoV-2 detectou presença de material genético nas amostars de sangue, nasofaringe e swab vaginal, o que a configurou como paciente COVID-19 POSITIVA.

Até o momento da internação hospitalar não constavam intercorrências no pré-natal.

O exame admissional apontava Trombocitopenia, linfopenia, TTPA prolongado, aumento de transaminases, PCR (37 mg/L) e ferritina (431 μg/L) elevadas. 

Três dias após a admissão, observou-se alteração em cardiotocografia demonstrando alterações em BCF de categoria III e, portanto, foi proposta intervenção através de cirurgia cesariana.

 No período intraparto o líquido amniótico foi coletado antes da ruptura das membranas, e submetido ao qRT-PCR obtendo resultado positivo COVID-19. O qRT-PCR na placenta também foi positivo para SARS-CoV-2 e apresentou resultado negativo em pesquisa imuno-histoquímica para outros agentes patogênicos.

O recém-nascido do sexo masculino nasceu com dade gestacional de 35 semanas + 5 dias, peso ao nascer de 2540 g. Os escores de Apgar foram 4 no primeiro minuto( frequência cardíaca = 1, atividade respiratória = 1, cor da pele = 1, tônus ​​muscular = 1, os demais itens foram codificados como zero), 2 no quinto minuto (cor da pele = 1, tônus ​​muscular = 1, os demais itens foram codificados em zero) e 7 no 10 minuto ( frequência cardíaca = 2, atividade respiratória = 2, cor da pele = 2, tônus ​​muscular = 1).

Foram necessárias manobras de ressuscitação neonatal (VNI por máscara facial desde o nascimento até 5° minuto de vida e, em seguida, intubação e ventilação invasiva com FiO2 máx de 0,30).

O recém-nascido foi mantido em isolamento total em UTI neonatal em uma sala de pressão negativa onde recebeu cuidados de rotina conforme conduta pré-estabelecida.

Antes da extubação, por volta de 6 horas de vida, foram coletados sangue e líquido de lavagem broncoalveolar que apresentaram resultados positivos para os genes da SARS-CoV-2 em RT-PCR.

Swabs nasofaríngeos e retais foram coletados na primeira hora de vida e depois repetidos aos e 18° dias de vida e testados positivos para COVID-19.

No 3° de vida, o neonato apresentou subitamente irritabilidade, dificuldade alimentar, hipertonia axial e opistótonos. O liquor foi negativo para SARS-CoV-2, bactérias, fungos, enterovírus, vírus do herpes simplex 1 e 2, mas demonstrava 300 leucócito/mm3 e proteínas levemente elevadas (1,49 g/L).

Não houve constatação de alterações em exames de rastreios porém a hipotonia e dificuldade de alimentação persistiram sendo necessária solicitação de ressonância magnética aos 11° dias de vida que mostrou gliose bilateral da substância periventricular e subcortical branca profunda, com predominância levemente à esquerda.

O recém-nascido não recebeu antivirais ou qualquer outro tratamento específico, recuperou-se gradualmente e recebeu alta do hospital após 18 dias.

No seguimento ambulatorial com quase 2 meses de vida apresentou exame neurológico com hipertonia e motricidade normal e nova ressonância magnética apontando redução da lesão da substância branca.

Neste relato, diferente do que aconteceu nos outros estudos, foi localizado vírus tanto em amostras maternas quanto em amostras do recém-nascido, colaborando para instituir a transmissão materno-fetal da COVID-19 como algo possível.

Pensando nessa possibilidade como algo real foi elaborada uma classificação para a definição de caso de infecção por SARS-CoV-2 em mulheres grávidas, fetos e recém-nascidos.

Neste sistema de classificação a infecção congênita neonatal por SARS-CoV-2 é considerada comprovada se o vírus for detectado no líquido amniótico coletado antes da ruptura das membranas ou no sangue colhido nos primeiros minutos de vida do bebê.

A presença de receptores ECA2 na placenta, pode ser um fato que responda a questão de existir uma carga viral muito maior no tecido placentário do que no líquido amniótico ou no sangue materno. 

Em exame histopatológico na placenta havia presença de sinais de inflamação aguda e crônica intervilosa, semelhante ao estado inflamatório materno sistêmico grave desencadeado pela infecção por SARS-CoV-2.

Como neste caso o exame de detecção de carga viral foi positivo no tecido placentário nas amostras de sangue materno e neonatal concluiu-se que transmissão ocorreu via placentária, de mãe para feto. Neste caso a infecção congênita provocou manisfestações neurológicas após viremia neonatal.

Este estudo vem contribuir com os dados que vinham sendo divulgados até o momento em relação a transmissão vertical da COVID-19. Além disso, liga um alerta para equipe de obstetras e pediatras para estarem atentos a possíveis danos neurológicos da exposição precoce ao vírus SARS-CoV-2 em neonatos.

Contudo, para saber se a transmissão vertical do vírus SARS-CoV-2 é mesmo uma evidência seriam necessários estudos com tamanho amostral mais relevante que abordassem a população gestante, e não somente relatos de caso pontuais. 

 


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