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Vulnerabilidade Infantil: não feche os olhos! - 52ª AG da IFMSA Brazil -

Vulnerabilidade Infantil: não feche os olhos! - 52ª AG da IFMSA Brazil -
Jéssica Aline Giovanetti
dez. 18 - 9 min de leitura
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Viajar para participar pela primeira vez de uma Assembleia Geral (AG) da Federação Internacional das Associações dos Estudantes de Medicina (IFMSA Brazil), um evento que reuniu mais de 400 estudantes de todo o país representando ao todo 71 escolas médicas, públicas e privadas. Esta foi a 52ª AG, dias marcados por intercâmbio cultural, estabelecimento de parcerias e muito aprendizado, com sessões trazendo a discussão de temas muitas vezes negligenciados e que ainda afetam profundamente a saúde no Brasil como situação de violência contra a criança e o adolescente no país (SPSP, 2011). Os principais assuntos da atualidade e de destaque epidemiológico na saúde pública foram discutidos em sessões por palestrantes convidados, representantes das maiores instituições da área médica, incluindo CFM (Conselho Federal de Medicina), ABEM (Associação Brasileira de Educação Médica), ABLAM (Associação Brasileira de Ligas Acadêmicas de Medicina), SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade).

No último sábado, dia 4, contamos com a presença do pediatra Mario Roberto Hirscheimer, presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo – SPSP, membro do Núcleo de Estudos da Violência Contra Crianças e Adolescentes da SPSP, para discorrer na sessão de Vulnerabilidade Infantil sobre a Semiologia da vulneração infantil.

A legislação brasileira é farta em artigos em defesa da Criança e do Adolescente, seja pelo ECA, Código Penal ou Constituição Federal.

“Art. 4 - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. [...] Art. 5. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (ECA, 1990).

“Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”(BRASIL, 2010).

“Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono” (BRASIL,1940).

“Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina” (BRASIL,1940).

Além dos artigos 213 e 215, concernentes a estupro e violação sexual mediante fraude, crimes contra a dignidade e liberdade sexual (Lei nº 12.015, de 2009).

Contudo, ainda sim, a Vulnerabilidade infantil é uma triste realidade que não se pode negar e não se deve fechar os olhos. Pois toda violência vivenciada pela criança, independente de sua natureza ou gravidade, é prejudicial, comprometendo sua auto-estima e desenvolvimento (UNICEF, 2017).

É sim responsabilidade dos pais ou responsáveis zelar pelo desenvolvimento de seus filhos. Mas também é responsabilidade dos estudantes e profissionais médicos, ética e legal, pelo dever de não ser negligente, não ser coniventes, mas estar alertas e posicionar-se em defesas destes que podem não ter ninguém por eles. Segundo o Código de Ética Médica, capítulo 3, é vedado “Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.” e ainda este pode responder ao Código Penal, artigo 18, por crime culposo “culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. Semelhantemente, no Código de Ética do Estudante de Medicina (CREMESP, 2015), é princípio fundamental “zelar pela integridade física, mental e ambiental dos pacientes”, bem como é seu dever “Defender a saúde como direito inalienável, universal”.

A história da vulnerabilidade infantil remonta das primeiras civilizações e sempre existiu, fundamentada na desvalorização da criança e sustentada até mesmo pela família, entidades religiosa e estado. Somente no século XIX, com a Revolução Industrial, por motivações econômicas e políticas foi que a criança começa a ser valorizada e cuidada, fato que resultou na própria criação da Pediatria.

Nos últimos anos, apesar de se observar queda na mortalidade nacional infantil, as mortes por causas externas têm subido, independente de classe social. Em 2006, o Ministério da Saúde implantou o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva), os dados mostraram que a maioria das vítimas tem menos de 10 anos e são do sexo feminino, porém a violência ocorre em ambos os sexos e em qualquer idade. O mascaramento da violência infantil dificulta a sua prevenção e combate. A história da violência infantil pode ter início em um ciclo de hábitos culturalmente aceitos envolvendo comportamento violento e explosivo alimentando uma cadeia de ações que perpetuam a vulnerabilidade infantil na maioria das vezes construída pelos próprios familiares da vítima. Em seguida, a violência não é denunciada, ora por vergonha, ora por medo de represálias. Finalmente, o cenário de impunidade dos agressores, bem como a exposição prolongada pode levar as vítimas a acreditar que a violência é normal (UNICEF, 2017). Conhecer o problema é o primeiro passo para seu enfrentamento, por isso a capacitação seja dentro das escolas médicas, serviços de residência ou fora destes como atividade extracurricular pode ser decisivo para o correto diagnóstico, registro e notificação dos casos de violência contra as crianças e adolescentes. E então caminharmos rumo a sua eliminação (UNICEF, 2017; SPSP, 2011).

Minayo (2002), acrescenta que a violência não ocorre somente por questão cultural, mas também estrutural ou mesmo ser classificada como delinquência. Dentre as muitas formas de violência (doméstica, extrafamiliar, autoagressão ou bullying) sofrida por uma criança, a violência doméstica muitas vezes é negligenciada levando a uma mortalidade de 6%. Hirscheimer nos lembra que a maioria das agressões sofridas pelas crianças não deixam marcas, assim uma anamnese completa e feita de forma crítica é fundamental para elucidar o que não veríamos no exame físico ou por nenhum exame laboratorial ou de imagem.

A negligência seja física, emocional ou educacional tem sido a mais recorrente violência sofrida pelas crianças em todo o mundo, realidade que quando sofrida antes dos 6 anos é decisiva para o desenvolvimento (SPSP, 2011). Quando a negligência é emocional muitas vezes pode tornar as vítimas novos agressores ou mesmo criminosos (DONG, 2004).

Por fim, vale lembrar que apesar da complexidade da situação de violência contra a criança e o adolescente no Brasil, esta não configura sua absoluta impossibilidade de enfrentamento. Mudanças de ordem cultural, política e econômica, aliadas a participação social são fundamentais para combater tal problemática (SPSP, 2011).

 

Jéssica Aline Giovanetti - Coordenadora Local de Saúde Pública da IFMSA Brazil, acadêmica de medicina do Centro Universitário Barão de Mauá - Ribeirão Preto/SP.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código penal, de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 12 nov 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 65, de 13 de julho de 2010. Altera a denominação do Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal e modifica o seu art. 227, para cuidar dos interesses da juventude. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/art_227_.asp>. Acesso em: 12 nov 2017.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, Câmera dos Deputados, Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. DOU de 16/07/1990 – ECA. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 12 nov 2017.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de Ética Médica. Resolução CFM n° 1246/88. Rio de Janeiro, Idéia & Produções, 1988.

CREMESP. Código de Ética do Estudante de Medicina. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; Comissão de Pesquisa e Educação Médica do Cremesp Gestão 2013/2018. 2015. 20p.

DONG, M et all. The interrelatedness of multiple forms of childhood abuse, neglect, and household dysfunction. Child Abuse & Neglect. 2004. p.771-784. Disponível em: <https://pdfs.semanticscholar.org/1945/b40739d55af5a495aabc2f807c10deb3759d.pdf>. Acesso em: 12 nov 2017.

MINAYO, MCS. O significado social e para a saúde da violência contra crianças e adolescentes. In: Westphal MF (org). Violência e criança. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (USP); 2002. p. 95-114

SPSP. Manual de atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência. Coordenação: Renata Dejtiar Waksman, Mário Roberto Hirschheimer. Brasília: CFM, 2011. Disponível em: <https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/manual%20atendimento%20crianca%20adolescente.pdf>. Acesso em: 10 nov 2017.

UNICEF. A Familiar Face: Violence in the lives of children and adolescents. nov 2017. Disponível em: <https://www.unicef.org/publications/files/Violence_in_the_lives_of_children_and_adolescents.pdf>. Acesso em: 12 nov 2017.
UNICEF. Hidden in Plain Sight: A statistical analysis of violence against children. Set 2014. Disponível em: <https://www.unicef.org/publications/index_74865.html>. Acesso em: 10 nov 2017.


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