Desde sua adoção inicial pela 18ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial (WMA) em Helsinki, Finlândia, em junho de 1964, a Declaração de Helsinki tem sido o pilar da ética em pesquisa médica, fornecendo diretrizes fundamentais para a proteção de participantes humanos. Ao longo dos anos, esta declaração foi revisada e atualizada várias vezes para responder aos desafios emergentes e às evoluções no campo da medicina e da pesquisa. As emendas significativas foram realizadas em assembleias globais da WMA em locais como Tóquio, Veneza, Hong Kong, e Washington, D.C., refletindo a importância e a necessidade de adaptação contínua às novas realidades científicas e éticas.
A mais recente dessas revisões ocorreu na 75ª Assembleia Geral da WMA em Helsinki, Finlândia, entre 16 a 19 de outubro de 2024, destacando o compromisso contínuo da comunidade médica global com a manutenção e o aprimoramento dos princípios éticos na pesquisa. Esta atualização mais recente reafirma e expande o alcance das diretrizes para assegurar que elas permaneçam relevantes e aplicáveis no cenário atual de pesquisa médica.
Neste artigo visamos contextualizar as nuances dessas diretrizes éticas conforme articuladas na versão atualizada da Declaração de Helsinki, e publicada em JAMA Network em 19 de outubro de 2024 proporcionando uma visão de como esses princípios orientam a prática responsável e ética da pesquisa médica em todo o mundo.
Princípios Gerais
- Compromisso com a Saúde do Paciente: Os princípios expressos na Declaração de Genebra e no Código Internacional de Ética Médica reforçam que a saúde e o bem-estar do paciente devem sempre ser a primeira consideração do médico. Este compromisso estende-se à pesquisa médica, exigindo que os benefícios potenciais para os participantes e a sociedade justifiquem os riscos envolvidos.
- Progresso Médico e Pesquisa: A pesquisa é essencial para o avanço da medicina. Intervenções bem estabelecidas também precisam de avaliação contínua para verificar sua eficácia e segurança, garantindo que os padrões de atendimento médico sejam sempre baseados nas evidências mais atuais.
Riscos, Encargos e Benefícios
- Avaliação de Riscos: Antes de iniciar uma pesquisa, os riscos e benefícios devem ser cuidadosamente avaliados, assegurando que os benefícios justifiquem os riscos. Esta seção enfatiza a importância de minimizar os riscos e monitorá-los continuamente ao longo da pesquisa.
- Distribuição Justa: É crucial considerar como os benefícios e os riscos são distribuídos entre os grupos de pesquisa, garantindo que nenhum grupo seja injustamente sobrecarregado ou excluído dos potenciais benefícios.
Vulnerabilidade Individual, de Grupo e Comunitária
- Proteções Específicas: Grupos vulneráveis devem receber considerações e proteções especiais na pesquisa para garantir que sua inclusão seja justa e eticamente responsável. A exclusão desses grupos pode perpetuar disparidades de saúde, portanto, deve-se pesar cuidadosamente os riscos da inclusão contra os da exclusão.
Requisitos Científicos e Protocolos de Pesquisa
- Rigor Científico: Todo estudo deve ser metodologicamente sólido e capaz de produzir resultados confiáveis. Os protocolos de pesquisa devem ser detalhados, cobrindo todos os aspectos éticos e metodológicos do estudo, e baseados em uma revisão abrangente da literatura científica e, quando apropriado, em experimentação animal.
Comitês de Ética em Pesquisa
- Revisão e Aprovação: Os protocolos devem ser submetidos a comitês de ética independentes e competentes para revisão e aprovação antes do início da pesquisa. Esses comitês devem ter autoridade para monitorar a pesquisa e solicitar alterações, garantindo a proteção contínua dos participantes.
Privacidade e Confidencialidade
- Proteção de Dados: Devem ser tomadas todas as medidas necessárias para proteger a privacidade e a confidencialidade das informações dos participantes, um princípio fundamental na condução ética da pesquisa.
Consentimento Livre e Esclarecido
- Processo de Consentimento: O consentimento deve ser obtido de maneira clara e transparente, assegurando que os participantes estejam plenamente informados sobre a natureza, propósito, benefícios potenciais, riscos, e o direito de retirar-se do estudo a qualquer momento sem represálias.
Uso de Placebo
- Condições para Uso de Placebo: O documento especifica as circunstâncias sob as quais o uso de placebo é aceitável, enfatizando a necessidade de justificação científica forte e a garantia de que os participantes não sofrerão danos graves ou irreversíveis.
Disposições Pós-ensaio
- Cuidado Contínuo: Após o término de um ensaio clínico, deve-se garantir que os participantes continuem a receber qualquer intervenção que tenha mostrado ser benéfica durante o estudo.
Registro de Pesquisa e Publicação e Disseminação dos Resultados
- Transparência e Acesso Público: É essencial que todos os estudos sejam registrados em um banco de dados acessível publicamente antes do recrutamento começar e que os resultados sejam divulgados publicamente, independentemente do seu resultado ser positivo, negativo ou inconclusivo.
Intervenções Não Comprovadas na Prática Clínica
- Considerações Éticas: Quando uma intervenção não comprovada é utilizada em um contexto clínico, ela deve ser submetida à pesquisa para validar sua segurança e eficácia. O médico deve buscar aconselhamento especializado e garantir o consentimento informado antes de proceder.
A Declaração de Helsinki é um marco na ética global da pesquisa médica, estabelecendo padrões rigorosos para a proteção dos participantes. Sua aplicação consciente é essencial para manter a confiança pública na integridade da pesquisa médica.
Referência:
World Medical Association. World Medical Association Declaration of Helsinki: Ethical Principles for Medical Research Involving Human Participants. JAMA. Published online October 19, 2024. doi:10.1001/jama.2024.21972