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A fila do SUS: "Decifra-me ou devoro-te."

A fila do SUS: "Decifra-me ou devoro-te."
Domingos Sávio Oliveira Bezerra
jun. 7 - 6 min de leitura
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Esse aforisma antigo era pronunciado pela Esfinge. Diziam que um animal híbrido de leão, águia e humano quando se deparava com uma vítima fazia um desafio: “Decifra-me ou devoro-te”. Era oferecida uma chance de sobreviver... a Esfinge pronunciaria uma charada, um enigma. Caso a vítima não a decifrasse, seria devorada.

A fila do SUS anda devorando diversas almas a espera de uma salvação ou de uma consulta com um médico especialista. Meses, às vezes anos, dedicados a esta espera. Diz-se que no SUS é melhor levar um tiro do que ter uma unha para arrancar. Porque com um tiro você é atendido mais rapidamente em uma urgência do que se tivesse uma unha para arrancar, teria que esperar meses.

Faremos rapidamente algumas considerações para que nossos amigos possam acrescentar ou opinar sobre este tema.

Por que tantos encaminhamentos para especialistas médicos?

É de consenso que a porta de entrada dos pacientes no SUS é a UBS. Onde nossos valorosos médicos da família atuam. Uns por vocação e desejo de mudança, outros como uma condição provisória até fazerem uma residência médica, outros por fim de carreira , outros tantos motivos se aglomeram. Sabemos também o papel da especialização precoce dos estudantes durante a universidade ou seja o estudante no primeiro período acha que vai ser cardiologia e acha que só deve estudar cardiologia , que ortopedia , ginecologia , nada mais vai ser útil para ele. Então o que nos parece é que há uma somatória de fatores que favorecem o hiper encaminhamento:

A) O despreparo de quem encaminha, ou seja, falta um treinamento e conhecimento apropriado para realizar diagnósticos das patologias mais frequentes de cada especialidade.

B) Descompromisso de quem encaminha, ou seja, é mais fácil, às vezes, encaminhar para que um especialista trabalhe do que dedicar alguns momentos para realizar uma anamnese e uma triagem.

C) Pedidos despropositados do próprio paciente para consulta pelo especialista, ou seja, há na base uma desconfiança na capacidade profissional da própria equipe de saúde da família.

D) Porém as vezes é unicamente um pedido do próprio paciente para check-up com cardiologista, urologista ou ginecologista. Um pedido justo diante do outubro rosa ou do novembro azul.

E) Necessidade efetiva de encaminhamento, ou seja, seria um paciente apropriadamente grave e portador de patologia que necessite de avaliação especializada.

 

Qual o efeito do excesso de encaminhamentos na atenção secundária?

Vemos a angústia estampada na fronte das enfermeiras do setor da regulação nas inúmeras secretarias de saúdes dos municípios brasileiros, independentemente do tamanho. Há dados que dizem que em São Paulo há cerca de 900 mil pessoas esperando consulta com especialista e no Rio de Janeiro perto de 450 mil - imagine em “Judas do Norte”. E quais seriam alguns efeitos dessa demora injusta.

A) Os pacientes com patologias mais graves e que necessitariam de um tratamento mais ágil são prejudicados pela demora excessiva. Morrem nas filas à espera da consulta ou pagam um médico particular.

B) A administração pública se vê obrigada a contratar excessivamente especialistas gerando demanda orçamentária inatingível, muitas vezes para examinar pacientes que não precisariam de um especialista, como veremos adiante.

C) Fila imensa, com excesso de pacientes que não deveriam estar ali e uma fila com uma organização por ordem de entrada e não por gravidade, ou seja, gerando injustiça social e agravando a situação clínica de diversos pacientes.

D) Angústia e revolta do usuário e da família por sentir seu caso sem solução e sem prazo para definição diagnóstica.

Será que todos os pacientes encaminhados realmente precisam de especialista?

Pelas considerações feitas acima poderíamos caracterizar alguns tipos de pacientes diferentes na fila sob a ótica de sua demanda por especialista médico. Na verdade, dividi-los basicamente em 4 categorias:

A) Pacientes que não necessitam de atendimento especializado, ou seja, são situações que poderiam ser resolvidas na UBS. Doenças simples e que não foram diagnosticadas por não conhecimento, descompromisso, ou qualquer outro motivo.

B) Pacientes que precisariam de um especialista, mas não daquele a que foi encaminhado, ou seja, foram paciente mal triados na sua UBS. Exemplo, o paciente tem um cansaço “cardíaco” e foi encaminhado ao pneumologista, ou vice-versa.

C) Pacientes que precisam daquele especialista médico específico, mas que podem esperar um pouco pelo atendimento. Ou seja, é uma consulta de rotina, uma revisão ou uma não urgência.

D) Pacientes que precisam de maneira urgente daquele especialista e que deveriam ser atendidos prioritariamente. Ou seja, paciente com estado grave da patologia (uma cardiopatia descompensada, asma crônica etc.) ou um paciente com uma patologia grave por si só (um câncer, por exemplo).

Como individualmente poderíamos mudar isso? Evitando estes erros corriqueiros . E como poderíamos mudar isso coletivamente? Este ano é ano de eleição de prefeitos. Inúmeras promessas serão feitas. Mas o que observamos é que da mesma forma que nas urgências de todo o país foi implantada uma etapa de triagem para organizar a fila de espera por critério de urgência e não por ordem de chegada, vemos a necessidade de uma estratégia semelhante para a fila do SUS. De maneira que abrimos a discussão a todos os leitores nesse fórum da Academia Médica.

 



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