Neste fim de semana de feriado, as mídias sociais, principalmente pelo whatsapp ficaram frenéticas evidenciando alguns perfis sociais de médicos no TikTok e no instagram (Reels).
Foram casos nos quais jovens graduados em medicina utilizaram as suas redes para fazer uma dancinha enquanto apresentam seus "saberes" para quem estiver ali para ver. Obviamente isso saiu do Tik Tok e foi passado por e para médicos de todos os cantos, que imediatamente aumentaram a "fama" desses jovens colegas.
Todos conheceram o pediatra marombado sem RQE que além de cuidar de crianças relata saber medicina do esporte, ganho de massa muscular e hipertrofia, ao mesmo tempo que estrelas brilham em seu vídeo. Vimos também um outro jovem médico, dançando e sorrindo ao mesmo tempo que relata tratar casos de depressão e automutilação...
Casos bastante comuns eu diria, mas que receberam notoriedade devido ao azar da viralização que suas dancinhas provocaram. Falo que eram bastante comuns pois eu também havia visto a mesma postura de alguns colegas de faculdade e até de colegas mais velhos de outros estado (as vezes sem dancinha, mas se expondo de uma maneira jocosa, digna de viralização).
Após os acontecimentos desse fim de semana, vi vários desses colegas retirarem os vídeos de suas redes sociais com medo da repercussão negativa que uma provável evidenciação de seus vídeos por pares. Ao meu ver agiram certo, pois a dificuldade de lidar com esse tipo de exposição é muito maior que apagar algo tão simples quanto um vídeo numa rede social, antes que as consequências sejam atingidas.
Mas eu não estou aqui para discutir se aparecer de bikini em mídias sociais ou aparecer dançando nelas, faz daquele indivíduo, um pior médico ou não. Estou aqui para discutir os processos decisórios que levam esses colegas a exporem, de maneira questionável, seu trabalho, suas empresas, suas vidas privadas e suas ciências e ditas ciências.
Tentei dividir esses processos e 5 partes:
1) Fazem porque podem:
Parece que era ontem que a produção, gravação e edição de vídeos era caro, complicado, levava dias e ainda não tinha onde veicular. Desde a criação do instagram e de todas as parafernálias de filtros e aplicativos que sustentam essa rede usada por mais 2 Bilhões de pacientes em todo o mundo (todos são pacientes em algum momento da vida), tudo ficou mais fácil, barato e público.
2) Fazem porque querem
Não é de hoje que colegas médicos buscam outros meios de serem reconhecidos que não o científico. As premiações, títulos honoríficos e rankings foram proibidos pelo CFM ha muitos anos. Isso aconteceu porque foi visualizado que havia pagamento para que os médicos ficassem em evidência na sociedade a que pertenciam.
Com a ampliação da possibilidade de divulgação das suas atividades e do barateamento, todos os perfis que se alicerçavam em construção paga de sua autoridade social vão fazer isso em suas redes
3) Fazem porque gostam do retorno
"Quando o pagamento não é em dinheiro, ele é em ego". Não me lembro quem me falou essa frase, mas faz todo o sentido para a descrição das atividades sociais de qualquer profissional, inclusive médicos.
O retorno é claro. Seja em dinheiro, fãs, likes, "representatividade"e, por que não, Haters. O papel do hater é um só: aumentar a publicidade do "odiado".
Mas de fato, bikinis, dancinhas, fotos de botox, do laser, dos músculos, do frango com batata doce e das noitadas, aproximam o médico de pessoas que tem o seu perfil semelhante ao médico.
Pacientes escolhem seus médicos sim de acordo com sua sexualidade, crenças, religião, etnia e, agora, número de seguidores e disponibilidade de acesso. Falar que não deveria ser assim são palavras vazias. Proibir algo do gênero é vazio pois as escolhas de consumo (sim, as pessoas consumem cuidado médico) sempre são passionais e pautadas na identidade.
4) Fazem porque acham que precisam
"Mãe, mas ta todo mundo fazendo!
- Você não é todo mundo"
A pressão por chamar a atenção é tão grande que alguns acham que tem que andar com as tendências. Assim acabam cometendo erros que custam caro por toda a sua carreira.
Quando isso acontece, alguém paga o pato. Como nossos exemplos que pontuei acima, ou a médica que infundia o soro da imunidade nos pacientes no começo da pandemia. Apenas alguns pagam pela pressão da tendencia. Ao sucumbir à tendência, esse um pode ser você
5) Fazem porque há impunidade
Mas porque alguns nunca pagam o pato?
Alguns tem milhares de fãs, anunciam tratamentos dos mais diversos, expõe até seus hábitos intestinais na internet, prometem resultado, fazem antes e depois, criam suas próprias "ciências" embasados em um curso de fim de semana realizados nas dependências de uma grande universidade americana... Por que esses nunca pagam o pato?
Não quero colocar nomes aqui, mas são pessoas que tem um poderio jurídico muito grande, gastam verdadeiras fortunas em sua blindagem e profissão charlatão. São pessoas que aguentam financeiramente os processos éticos e civis.
A falta de uma punição exemplar a esses famosos (antes mesmo da era do TikTok) abre uma avenida para que as pessoas atuem em redes sociais como querem.
As consequências de tudo isso são as mais variadas possíveis.
Sim, muitos estão educando os seus pacientes com conhecimento médico em uma linguagem simples e prática que proporciona melhor qualidade de vida ao seu público. Mesmo que o objetivo seja utilizar esse "ensino de saúde" para encher os consultórios, o público em geral é beneficiado em não precisar ver o programa da Fátima Bernardes (ou correlatos) para obter informações.
Você pode sim melhorar o resultado do seu consultório com tudo isso. Provavelmente ao expor mais o ser humano que é, o médico vai ter pessoas mais aderentes ao seu estilo de vida, melhorando a possibilidade de empatia e melhoria da relação médico paciente. Mas, como vivemos em sociedade, esse processo pode ser perturbado pela chateação de você encontrara um público que simplesmente não aceita o seu estilo de vida. Ficar viral nesse público gera cancelamento, possíveis ações ético profissionais no CFM e podem marcar o resto de carreira.
Não é nada ruim se promover. O problema é que a concorrência por atenção é mais acirrada do que nunca e, colocar uma melancia na cabeça nunca foi uma boa solução para quem quer se promover dentro na medicina.
Esse texto é um mero ensaio. Caso você queira contribuir com suas opiniões, coloque-as nos comentários ou venha falar comigo aqui no chat da Academia Médica. Essa é uma comunidade e assuntos como esse merecem discussão, divergência e convergência.
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