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A Transformação Mental do Médico

A Transformação Mental do Médico
Emerson Wolaniuk
out. 12 - 9 min de leitura
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Por Emerson Wolaniuk

 

Dra. Kátia Guimarães, psiquiatra da Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA, iniciou o simpósio sobre psicanálise e educação, no COBEM 2012 falando sobre "A Precisão de ser Médico". O evento aconteceu na tarde do dia 12 de Outubro (publicação original deste artigo).

A psiquiatra ressaltou os principais pontos de estresse do estudante de medicina, que inicia-se durante o vestibular, excessivamente concorrido, sendo uma experiência de superação estressante na vida da pessoa, ao mesmo tempo que é um "ritual de passagem". Depois da aprovação, surgem as dificuldades de adaptação nas cidades em que, muitas vezes, eles precisam passar a morar. O sistema de estudo e a obtenção de notas é um outro desafio que se soma a essa transição, o que gera insegurança no acadêmico, que confronta seus limites de tempo e conhecimento. No contato com os pacientes e com a realidade dos sistemas de assistência, os fenômenos de transferência e contratransferência atuam na 'psiquê desavisada' daquele que entra na faculdade com uma visão poetizada e idealista a respeito do ser médico.

A escolha da especialidade, diz a psiquiatra, é outra angústia que cresce ao longo dos anos e pode interferir na homeostase mental do estudante que vai se deparando, cada vez mais, com as inúmeras perversões do sistema de saúde em que invariavelmente precisará se inserir.

Ao assumir a palavra, o psicólogo Orlando de Marco, do Grupo de Assistência Psicológica ao Aluno da FMUSP, fez uma análise profunda a respeito da criação da identidade do futuro médico:

"O cerne da formação é a criação de uma identidade e desenvolvê-la constantemente. A identidade emerge no desenvolvimento da personalidade e depende do funcionamento mental, que gera sentimentos no decorrer do processo."

A formação médica é o desenvolvimento de habilidades técnicas que precisam de ser assimiladas. É um processo de transformação que envolve crescimento profissional e, consequentemente, a criação de identidade do indivíduo.

Parte do ser é reconhecer-se: que é conhecer novamente quem se é, sempre. - De Marco.

Ele ressalta que no reconhecimento, vamos nos confrontando com problemas inerentes à nossa personalidade e encontrar saída para esses problemas é uma questão de desenvolver conhecimento. Uma ideia é um conjunto de pensamentos integrados; e não há transmissão ou troca de conhecimento sem conexão entre seres humanos.

Dessa forma, o estudante de medicina - ou o jovem médico - está num processo constante de construção de personalidade, e isso está intimamente ligado à sua rotina. Isso vai gerar no indivíduo uma maneira própria de ser e se comportar. A identidade profissional de um médico implica na relação com um outro médico, na forma de um espelhamento que ocorre quando ele identifica no outro características que quer incorporar na sua própria personalidade.

Não existe o certo quanto a ser médico, e isso leva a um conflito interno em alguns alunos. Quando o estudante procura ajuda, a vida que ele está vivendo lhe parece toda errada, e equilibrar a mente à realidade do mundo externo é um processo que não ocorre sem interferência externa. Nesse âmbito, reforça De Marco, é importante e fundamental dar apoio a esse aluno dentro da faculdade. E isso implica em criar um espaço mental, retirando pensamentos que foram rejeitados, mas que continuam atrapalhando a formação de ideias mais consolidadas e a saúde mental do estudante.

Outro problema, segundo o psicólogo da FMUSP, é que o médico convive com certezas técnicas que o tiram da ilusão comum a respeito da vida e do seu funcionamento.

"O médico arrisca-se a abandonar a inocência comum sobre o corpo e inicia a criação de um conhecimento que é interminável."

Dessa forma, o conhecimento necessário à formação médica retira o médico, como pessoa, da concepção comum dos homens a respeito da vida. Ao tomar órgãos nas mãos e visualizar células diretamente, ele vê a vida de uma maneira diferente, e isso também influi na constante formação de sua personalidade e as proteções que são impelidos a levantar - ao tratar rotineiramente com dor, sofrimento e morte - atrapalham no desenvolvimento interpessoal e social do médico, muitas vezes.

Dr. Luiz Roberto Millan, psiquatra da FMUSP, também do Grupo de Assistência Psicológica ao Aluno, defendeu sua tese de mestrado a respeito da vocação de ser médico e, após 5 anos de estudos a respeito do tema, traz algumas reflexões sobre essa "pulsão vocacional", como sugere chamar.

A pulsão vocacional pode manifestar-se de duas maneiras. A primeira, chamada de egossintônica, ocorre quando a vocação é aceitável e compatível com a personalidade da pessoa. A segunda, egodistônica, é quando a pessoa não tem uma personalidade capaz de desenvolver a vocação e as atribuições ou responsabilidades inerentes a ela.

No segundo caso, a pessoa não consegue estabelecer uma boa relação com pacientes e com colegas de trabalho, tornando-se, algumas vezes, paranóide. São pessoas com intolerância à frustração e colocam a culpa pelos seus insucessos nas outras pessoas, o que as levam a conflitos em relacionamentos. Tendem à idealização e à baixa autoestima, gerando um fenômeno de auto-proteção que as tornam prepotentes e arrogantes. Têm dificuldades em aceitar críticas e de aprender com as pessoas ao redor. Ao errarem, devido a esse processo mental distônico, não são capazes de repararem seu erros, podendo cair em desespero e com vontade de acabar com aquilo que há de ruim dentro de si, podendo levar ao suicídio.

O médico com pulsão vocacional egodistônica tende a se cercar de pessoas medíocres para que possam triunfar sobre elas. A conquista de prestígio pode gerar uma deterioração progressiva do seu caráter. Têm necessidade exagerada de reconhecimento e pouca capacidade de sentir gratidão.

Por outro lado, quando um estudante desenvolve uma pulsão vocacional egossintônica que o leva a fazer medicina, tornam-se médicos capazes de lidar com a perda porque têm a capacidade de entender que o mundo continuará a existir depois dela. Ódio e inveja são sentimentos que passam de maneira mais rápida e não perduram. São pessoas que têm mais facilidade em amar e de exprimir gratidão, o que as leva a ter mais prazer na vida do dia-a-dia. Assim, tomam gosto por ajudar as pessoas e por vê-las felizes, sendo capazes de alegrar-se com as conquistas dos outros. Defendem suas causas e têm valores pessoais mais bem definidos. A capacidade de empatia é adquirida com mais facilidade nessas pessoas, o que as tranformam em médicos com uma boa relação com os pacientes. Sendo egossintônicas, entram em contato com suas qualidades e as reconhecem, por isso tornam-se confiantes. Não perdem as esperanças na derrota porque percebem que as conquistas do passado podem vir a se repetir no futuro.

A formação de uma vocação egossintônica, segundo Millan, tem um componente inato (o temperamento) e um componente adquirido (o caráter), que depende do exercício constante e do meio em que está inserido. É nesse ponto que entra a faculdade de Medicina na responsabilidade pela formação de bons médicos.

"Os professores têm que ser capazes de trazer o que há de melhor de dentro do aluno. O conhecimento que se aprende na faculdade muitas vezes é substituído ou se perde pelo tempo. Mas o exemplo e as influências positivas perdurarão por toda a vida." - Luiz Millan

De Marco, a respeito disso, acrescentou ainda:

"A faculdade tem que ensinar o estudante a deixar de ser menino. É essa perda que precisa ser trabalhada e faz parte do processo de formação médica. Esse processo sempre é traumático. Crescer é vencer esse obstáculo."

O simpósio, organizado pela Dra. Patrícia Belodi, refletiu a preocupação crescente em relação às transformações mentais necessárias para transformar o jovem em médico. Um fato que tem sido negligenciado no dia-a-dia dos hospitais escola e das faculdades. Ser médico requer uma transformação do mundo e da forma com que a pessoa se relaciona com a vida. E esse processo é de responsabilidade compartilhada de escola, professor e aluno. É nesse ponto que a medicina vai além da ciência e passa a ser filosofia de vida, ao mesmo tempo.

Acompanhe os melhores momentos do COBEM 2012 no Academia Médica!


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