A vida como médico é repleta de surpresas. Como se andássemos de montanha russa todos os dias. Ser médico envolve uma série de situações que exigem concentração, conhecimento e estar realmente ligado a tudo.
Àquela altura de minha vida, já havia concluído minha formação em cirurgia geral e cirurgia vascular. Trabalhava muito e preocupado sempre com uma formação mais completa, mantinha-me atualizado. Trazia sempre uma fala de um professor que afirmava: "Um bom cirurgião tem que ser um bom clínico". Buscava isso com afinco.
Na época deste fato, trabalhava também como socorrista em ambulâncias do pré hospitalar e no transporte aéreo médico. Dominava bem situações críticas, gostava do trabalho e tinha consciência que o bom médico mantinha-se de plantão constante.
Era um sábado de Julho de 2006, estávamos em um parque de diversões dentro de um shopping em Guarulhos na grande São Paulo. Aguardávamos às horas passarem, para irmos ao casamento de uma amiga. Minha esposa e filhas estavam na entrada de um carrossel, esperando a vez de entrar. Eu estava posicionado um pouco mais distante para tirar algumas fotos das meninas.
Em dado momento a funcionária que controlava o brinquedo, começou a falar:
- Ai coitado, vai morrer. Ai meu Deus acho que ele vai morrer.
Minha esposa logo perguntou:
- Quem vai morrer moça?
- Olha o garoto está engasgado. Disse ela.
Minha esposa viu um aglomerado de pessoas ao redor de um menino.
- Jefferson, olha! Gritou ela.
Sai correndo e havia um rapaz tentando retirar alguma coisa da boca da criança. Percebi que ele não estava conseguindo retirar o corpo estranho. A criança já estava bastante cianótica, perdendo a consciência, com sinais típicos de obstrução de via aérea. Apresentei-me como médico e tomei-a sobre minhas mãos, realizando uma manobra de desobstrução de via aérea, chamada manobra de Heimlich (figura abaixo). Com um único golpe a via aérea viu-se livre de uma bala roxa redonda e grande. O menino de uns três anos, foi se recuperando. A mãe desesperada, chorando não falava nada. A crise do momento foi amenizando, a criança se recuperou. Entreguei-a para a mãe, alegando que estava tudo bem.
Manobra de Heimlich. This file is licensed under the Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0 International license.
Fui me distanciando tomado pela adrenalina. Agradecendo a Deus por estar ali naquele momento, pois sabia que o risco da criança morrer era considerável. Não era sentimento de vaidade, mas de trabalho bem feito com uma manobra simples e salvadora. Fiquei a imaginar como seria simples ensinar os movimentos em escolas e em locais de grande aglomeração.
A história poderia ter acabado ali naqueles minutos tomado pelo estresse do momento. Mas, tudo parece estar conectado no universo. Há uma razão para tudo e no final das contas compreendemos que nenhuma folha cai fruto do acaso. Voltei para o hotel com minha família determinado a ensinar minha esposa a realizar a manobra. O fiz com minúcias de detalhes, da criança ao adulto. E ainda sim não é o final da história.
Manobra de Heimlich em crianças e adultos. This file is licensed under the Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0 International license.
Fomos para o casamento da minha grande amiga e irmã. Tudo correu com alegria sem intercorrências. No dia seguinte voltamos para Belo Horizonte, cheios de histórias para contar.
Naquela ocasião minha esposa estava grávida do meu filho mais novo. E minha filha do meio vivia engasgando ao mamar. Por vezes isso nos provocava algum susto. Três semanas após retornarmos de São Paulo, estava a trabalho em um ambulatório em que atendia e recebi o telefonema de um colega que estava de plantão no pré hospitalar. Informando que minha filha estava com via aérea obstruída e que provavelmente seria mais rápido levá-la direto para um pronto socorro. Antes de solicitar a ambulância, minha esposa realizara a manobra que eu havia ensinado, porém não expeliu o corpo estranho. Como orientei a jamais tentar retirar com a mão, pelo risco de agravar a obstrução, ela ficou com medo. Enquanto se preparava para ir para o hospital, minha filha colocou o objeto para fora e se recuperou bem.
Muito ensinamento foi conquistado de tudo aquilo que ocorreu. Principalmente quando compreendo que as coisas se correlacionam. Não salvei o garoto no shopping havia três meses, mas salvei minha filha através de uma lição. Lição que deveria ser ensinada nas escolas como medida salvadora. Devemos estar atentos aos sinais e comandos que a vida nos dá, desta forma podemos ser mais úteis e capazes de resolver problemas grandes com pequenas atitudes.
Jefferson Kleber Forti
Cirurgião Vascular
Belo Horizonte/MG
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